Thanks for riding, Luciana!
Contingências da rotina me levaram a experimentar as facilidades e excentricidades do Uber dias atrás. Três corridas, três personagens distintos como a vida. Interessante que dois deles eu encontrei num único dia, corroborando que o insólito está sempre lado a lado com a gente, ainda que morramos de tédio.
Insólito seria um adjetivo um pouco exagerado, talvez estranho ou incomum. Ah, deixemos para lá e apresentemos o motorista W, que me buscou no meu futuro novo endereço no Lago Norte.
A manhã estava resplandecente, o calor se anunciava em seu verão máximo. Do lado de fora não evidenciei nada exótico além de um adesivo chamativo fixado no vidro traseiro: “Por favor, não bata a porta”. Ou “Não bata a porta, por favor”. A memória dos ocorridos não está mais tão fresca.
Dentro, percebi estar num dos automóveis mais detonados que já entrei, ainda mais para um Uber. O assento rasgado, cinto de segurança meio enguiçado. Carruagem mequetrefe, meio bamba.
O motorista tinha um jeitão Robert DeNiro/Travis Bickle, o taxista doentio de Taxi Driver. A manga comprida de sua camiseta cobria apenas o braço exposto à maior insolação do sol, no lado esquerdo. Mau-encarado, silencioso, focado. A mão direita sempre na marcha. Cabelos tensos e rentes à cabeça. Bom-dia e só. Como dizem os portugueses, “não estava ali a brincar”. Na rádio, CBN.
Pode ter sido cisma minha, mas achei que ele não gostou nada do meu destino final: Superior Tribunal de Justiça. Tive a impressão de que ele bem poderia ser um daqueles bolsonaristas do 8 de janeiro. Sim, um dos inúmeros não identificados que destruíram o plenário do STF. Senti que ele de repente estava a fim de acabar comigo também. Que me observava pelo retrovisor.
“Parasitas do Judiciário, inúteis”, passava-lhe nas caraminholas. Eu olhava o adesivo passivo-agressivo no vidro ao meu lado e pensava em saltar do carro num movimento Hollywood. Nesse caso, era bom que o veículo fosse um daqueles totalmente manuais, manivelas e maçanetas.
Ou seria tudo obra da minha consciência pesada de servidora pública de ar-condicionado, almofadinha, julgando pelas aparências, coisa feia. Chegamos, enfim, ufa! Desci aliviada. Tentei não bater a fucking porta. Falhei.
O motorista C. não poderia ser mais antagônico ao vivenciado durante a manhã. O carro dele reluzia. Era azul metálico “não uso espelho para me pentear”. Entrei e tudo estava impecável ou ainda mais no interior. Lustroso, perfumado, certamente mais limpo do que a minha casa. Gente, era até constrangedor. E se um fio de cabelo meu caísse por ali? Meus botões pensaram em como era possível manter todo aquele asseio ao fim de um dia de trabalho. Ele aspirava o carro entre um cliente e outro, sem dúvida. Na rádio, Antena 1.
C. seguia à perfeição as palestras de coach que provavelmente ouvia. Dress code, Ok. Simpatia de giz, OK. Gentileza programada, OK. Focado para o sucesso, OK. Senti-me uma verdadeira beldade recatada, segura e protegida a caminho do lar doce lar.
Ao fim da viagem, me estendeu o seu cartão como se beijasse minhas luvas Jane Austen e me convidasse para a próxima dança no baile do palácio. Quem não gosta de ser Cinderela por meia hora que me julgue.
O rapaz que beirava a idade do meu filho, 20 anos, usava bermuda. “Não tinha medo da perna cabeluda”. Tatuagens tomavam todo o seu braço direito. Não vi se estava de chinelo, o Uber T. Dirigia displicente e bruscamente. Por isso, e somente por isso, T. decidiu pegar várias tesourinhas a fim de que eu chacoalhasse num brinquedo de parque de diversões. Sim, ele se divertia. Sádico? O carro e o motorista eram modelo econômico. A grana das corridas para pagar a facul. Aposto. No rádio, Transamérica.
Começou a chuviscar e ele não se importou em perguntar se eu queria ou não que ele levantasse o vidro da frente, escancarado conforme os outros três. Fiquei ali tomando respingos, me lembrando que ser jovem autocentrado é o melhor dos mundos.
Adorei, suas aventuras sempre muito boas, viajei com você, que delícia, adorei o motorista número 2.😍😘
ResponderExcluirRenata Assumpção
Confesso que tenho tido muito pouca ou nenhuma paciência para ler textos na internet…mas minha amiga e escritora preferida?!! ah como não ler e se deliciar e continuar querendo ouvir mais ainda…o que aconteceu depois?? .sempre assim, um gostinho de quero mais😃parabéns Lu💜
ResponderExcluirCynthia 🙏
Voto no 2 👍🏻
ResponderExcluir🤣🤣🤣
Karla Liparizzi
Andei de uber com vc lkkkkkk
ResponderExcluirTem uns q dao medinho mesmo.
Isa Frantz
Ameiiiiiiiii, Lu! Ando muito de uber. Cada um é um mundo diferente.
ResponderExcluirCarros terríveis e outros lindos. Sempre elogio qdo o carro é bonito. Eles gostam. Ja entro falando, Que carro lindo!!!
E às vezes tenho coragem de perguntar....que carro que é?
Vc arrasou, amiga.
Ana Cecília
As melhores crônicas! Amo!
ResponderExcluirDeu a impressão da gente estar embarcando junto. Fui de passageira também, imaginando as cenas, ali, quando ocorreram. Uma vez, no Rio, peguei um Uber que o motorista tagarelava do início ao fim da corrida, o som do carro alto e o ar condicionado um frigorífico. Que agonia. Pedi pra diminuir tudo porque a viagem seria longa. Pra cortar a conversa é que foi complicado. Jovens… kkkk sufoco 😅🫣
ResponderExcluirDelícia de texto. Outro dia peguei um uber e o cara super compenetrado sintonizava a rádio ou programa da Igreja Universal do Reino de Deus. Imagina os sermões. Rsss
ResponderExcluirÓtimo texto! Meu novo mantra: "O insólito está sempre lado a lado com a gente, ainda que morramos de tédio" rsrs. Muito bom!
ResponderExcluirAdorei! 😻💗 O jeito de contar me fez lembrar dos contos do Stephen King.
ResponderExcluirDouglas Hilário da Cruz
Adorei, Luciana! 😂
ResponderExcluirJúlia Beckman
Que crônica DELICIOSA!
ResponderExcluirLuciana Barreto
Gostoso ler assim!
ResponderExcluirBeth Fernandes
Eu!! Delícia de crônica, Lu.
ResponderExcluirMaria Félix Fontele