Tiros no coração





Gatilhos, gatilhos, trigger: “recurso de programação executado sempre que o evento associado ocorrer”. Cérebro: computador “bugado”, como dizem meus filhos. Os atentados de Paris dispararam gatilhos de um estresse pós-traumático que tenho sem levar muito a sério. Aquelas imagens de velas acesas e empilhadas pelo chão; aquelas mensagens e flores pelos cantos... Isso tudo de novo nas manchetes me trouxe a depressão e ansiedade vividas em Nova Iorque após o 11 de setembro. 

A maior parte das pessoas que me lê já está caduca de saber que eu estava em Manhattan no dia da queda traumática das Torres Gêmeas. Eu é que às vezes me esqueço de que não se experimenta um evento dessa proporção sem sequelas. Voltaram os arrepios pelo corpo, a descrença na humanidade, o pavor da Terceira Guerra mundial, o medo de nunca mais ver a minha mãe, vejam vocês. Minha mãe, que já está morta há cinco anos! 

Mas foi essa a minha angústia maior quando vi o avião entrando na segunda torre. Meu mundo caiu junto com a estrutura prepotente. Tinha certeza de que jamais veria minha mãe novamente e fiquei em choque. 

Com os recentes atentados tudo voltou numa enxurrada de pensamentos tortos. Quase a lama do Rio Doce. Sinto-me até culpada por ficar mais abalada com a tragédia em Paris do que com o assassinato de nossos compatriotas; com a morte de um rio que já agoniza, vamos combinar. É que eu não acredito muito no Brasil não. Nada aqui é feito para dar certo, entende? 

Entretanto a culpa de verdade é do tal gatilho. O lamaçal fétido de Minas Gerais é novo. As velas, mensagens, pessoas correndo feito baratas tontas, gritos e perplexidade de Paris são sentimentos marcados em minha história de vida. É cicatriz que vire e mexe sangra. 

Daí uma melancolia me soterrou. Rejeitos da minha barragem. Passei o domingo entre o torpor e a iniquidade. Me senti suja e inadequada. Pior: o copo meio vazio da criança solitária transbordou em lágrimas doídas. 

Só quem experimenta a orfandade de pequeninha é capaz de enxergar essas escuridões. Por isso acho sempre mais devastador uma manchete que diz: “Violência deixa 435 filhos de PMs órfãos nos últimos seis anos no Rio de Janeiro”, do que uma a respeito de um rio poluído que agora morreu de vez.

Dano a pensar nessas crianças sem pai que cultivarão a ausência por toda a vida. Assim como o menino de 1 ano e meio que perdeu os pais mortos no restaurante La Bella Equipe, na sexta-feira 13. Ou ainda as possíveis crianças órfãs devido à irresponsabilidade criminosa da Samarco/Vale. 

Amo o planeta, mas amo mais os órfãos produzidos por ele. Narcisismo, provavelmente. 



Comentários

  1. Luciana,

    Eu me choquei mais com Paris. Talvez porque em Mariana foi um acidente. Por mais negligente que a empresa tenha sido, não foi premeditado o rompimento da barragem. A violência gratuita do ser humano, o medo da terceira guerra mundial me atinge bem mais. Eu estava tão feliz ontem planejando o Natal, quando soube que a França revidou. Foi um balde de água gelada. Mas vou me animar novamente. A gente não ajuda em nada entrando nesta sintonia.

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  2. Eu, também "em causa própria", chorei com suas linhas, por todas essas crianças que irão carregar essa ausência eterna. Beijos!

    Mônica Ramos Emery

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  3. belo texto, Luciana...cada um sente a dor onde ela cala mais fundo....

    Severino

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  4. Luto...sim luto , pela total falta de consciência da humanidade, tremo de medo de perceber o quão cruel pode ser um humano em seu estado de inconsciência, ignorância, escuridão...todas as barbáries, "acidentes", fatalidades, são provenientes destes estados de falta de luz, conexão com algo maior, mais nobre...o Amor!
    Me sentindo muito triste...Namastê!
    Cynthia

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  5. Palavra perfeitas. Fique satisfeita em saber que virá na semana Santa.

    Bjs,

    Socorro Melo

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  6. Querida Luciana, como você está?

    E o Bernardo e os meninos?
    Fazendo muitas estrepolias?

    Só queria comentar com você que às vezes leio as suas mensagens com um certo atraso, uma vez que não uso muito o gmail (embora devesse usar, eu sei).

    Em especial, gostei da que você publicou no dia 16/11: "Tiros no coração".
    Triste mesmo, doída até.

    E vocês? Quando é que vão aparecer por estas bandas?
    Já planejaram as férias?

    Beijão,

    Paulo Magno

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