A vizinha de todos nós







A Morte, essa vizinha impassível e impiedosa. Lado a lado, compartilhando a parede geminada com a vida. Pensando bem, a dona Morte é uma psicopata. Não se importa em sequestrar nossa paz, machucar nosso coração, torturar nossa mente e matar nossa alegria com frieza. Age com a falta de empatia habitual de quem não sente pena de nenhum ser vivente. 

E o mais sinistro nesta psicopatia é que ninguém está livre dela. A dona Morte é a vizinha do andar de cima, da porta ao lado, do outro lado da rua, do apê 206. Não tem jeito. A Morte é a inquilina indesejável que nenhuma ação de despejo soluciona. Tampouco pode ser ignorada, pois age quando menos esperamos. E se, por ventura, cremos que estamos preparados para as artimanhas funestas dela, a verdade ainda se revela vil e sem sentido. 

Os atos mortíferos são terremotos que, se não destroem as paredes da sua casa, desmoronam o lar daquele bairro onde mora o querido amigo. É o tal efeito cascata, os tremores secundários, as reverberações... A dona Morte acredita na teoria dos seis graus de separação. Ou seja: você sempre conhece alguém que está sofrendo, neste exato momento, as consequências dos abalos sísmicos do passamento de uma pessoa amada. Não tem escapatória, rota de fuga, esconderijo. 

Sendo assim, você vai se compadecer, doer e se solidarizar porque, por uma dessas delicadezas da vida, você não é psicopata. A maior parte das gentes ao redor não, ufa! Você é capaz de sentir na pele a laceração atroz da ausência eterna que não lhe diz respeito. Você tem uma ideia do que o vazio significa porque já recebeu a gélida visita da vizinha imortal, ou, simplesmente, porque é humano. Enquanto a dona Morte é sobrenatural. 

E você suspira resignado: hoje não foi comigo, mas pode ser amanhã ou depois. De fato, esta é a única certeza de quem vive. Então, só nos resta seguir convivendo polidamente com a vizinha agourenta. E lhe oferecer o mais lindo sorriso. Aí a dona Morte se desconserta! A rabugenta não tem senso de humor.


Comentários

  1. Eu penso que a morte rompe até com esta teoria dos seis graus de separação, ou seja, de mundo pequeno, eu diria que para a morte precisaria de uma teoria de mundo ínfimo rsrs. Parabéns pelo texto Luciana, como sempre, uma excelente leitura!

    ResponderExcluir
  2. Parabéns sempre, adorei a percepção desta etapa da vida, a morte, o sabido, mas ainda desconhecido momento.
    bj. Namastê!
    Cynthia

    ResponderExcluir
  3. Nossa, Lu... O texto é de uma sensibilidade de arrepiar. Descreve a morte tal qual a vemos, como a sentimos. A impiedade. Mas – apesar de não discordar de você quanto a tudo que escreveu – acho que deveríamos mudar a nossa visão de morte. Ela é o rompimento dos laços terrenos, ainda que temporariamente. Mas ela significa também a continuidade de nossa existência. Uma forma de podermos continuar vivendo em outros planos. É bem verdade que o sentimento da ausência continua ali, forte, e é dele que temos medo, afinal. Acho que da morte, em si (pelo menos no meu caso, mas não conta, pois nunca perdi ninguém próximo ainda), não há tanto medo, o medo é da incerteza da continuidade e da ausência que vem em seguida... Mas não custa nada tentarmos mudar essa visão, né? Por aqui, vou fazendo comigo uma espécie de lavagem cerebral, para quando ela chegar não me pegar tão desprevenida...

    Bjs,

    Ana Cláudia

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi, dear Ana Cláudia,

      sinto lhe informar que ela vai lhe pegar desprevenida, mesmo com todo esse trabalho mental. :) Todos nós sabíamos que mamãe estava morrendo, mas nada amenizou o fato. A morte é assim: dura na queda!

      De qualquer modo, você tem a sua fé, a visão espírita. Então você acredita que há vida em outros planos. Eu não sei nada disso. Eu não penso sobre isso. Eu só penso na saudade que sinto, apenas.

      Mas também tento não ficar sofrendo por antecipação. Já tive muitas perdas significativas. Agora já sei que o tempo ajuda a amenizar o sofrimento.

      Um beijão e obrigada por me ler e por me incentivar a continuar escrevendo.

      Lulupisces.

      Excluir
  4. Apesar de também ser espírita, eu também acho impossível, pelo menos para quem não tem mediunidade ostensiva, aceitar a morte numa boa. A dor da ausência é cruel. Com relação à própria morte, acho que ser espírita torna as coisas ainda piores, pois é a certeza de que gente como eu, vai ter que estagiar no umbral. Só de pensar já me dá arrepios!

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Ousadia

Presentim de Natal

Horizonte de Eventos