Clave de Dó




Se eu transformasse esse teclado de computador nas teclas de um piano e meus dedos corressem pelas letras como se bailassem por agudos e graves - ebony and ivory - e criasse música com as minhas ideias? Ah, se fosse tão fácil tocar quanto escrever! E aí o pianista dirá: ah, se fosse tão fácil escrever quanto tocar...

As mãos escorregam para lá e para cá. Não fito o teclado nada elegante. OK, é uma máquina IBM, mas preferiria dedilhar um Steinway & Sons. Falsa ergonomia não produz composições e, sim, espamos nos ombros e nos dedos. Os pianistas também sofrem de lesões por esforço repetitivo? É cruel executar Beethoven como é parir jorros de textos inesgotáveis?

Gostaria de acreditar que sou uma artista da palavra porque assim eu seria uma artista. E artista é tudo o que eu gostaria de ter o talento de ser. Pianista arrepiando o cangote de todos com a interpretação dos Noturnos de Chopin. Violoncelista a arrancar melodias dissonantes daquele instrumento erótico, fincado no meio das pernas da mulher. Quem inventou o violoncelo, Marquês de Sade?

Continuo seguindo partituras imaginárias. Às vezes tranquila, noutras dilacerada. Parece que a sinfonia mental das divagações ainda precisa de notas musicais que lhe deem consistência. Devo aprender a reproduzir o que sou capaz de pensar. Minhas histórias são melhores  do que a forma que as conto. Tenho a técnica, não o dom.

Por isso, não é raro me sentir uma impostora. Como quando tentei aprender violão e o que consegui foi decorar posições gestuais. O som não saía de dentro. O mesmo não digo das palavras que brotam dos músculos e dos nervos tensos. Eu sinto. Dói! E dá prazer também. Apenas não alcançam a dimensão da eternidade que só as verdadeiras linguagens escalam.

Perguntam-me quando vou lançar um livro, quando escreverei um romance, quando, quando, quando, quando, quando. Samba de uma nota só. Dedinho de criança que desafina o piano com sua curiosidade sonora. Ainda estou crua. Não passei da fase dos tediosos (porém indispensáveis) estudos.

Os mais de 300 textos deste espaço ainda não costuram uma sinfonia. Arranho claves de dó com dó de mim, esperando um dia atingir a popularidade da clave de sol. Afinada, busco a primeira linha: o filho na vitrine da mais clássica livraria.

Mas como ser digna da clave de sol, delicada representante (na pauta) da mão direita nos instrumentos de teclado, se minha escrita é torta, canhota, bisonha, sinistra? Ingrato piano a zombar de mim, sempre a faltar uma nota.


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