Tudo pode ser outra coisa
Surpreendida pelo meu filho ontem. Surpreendida todos os dias, aliás. As crianças são o ineditismo e a surpresa encarnados. A cartola do mágico excepcional, que não oferece apenas coelhos e lenços coloridos, mas algo sempre extraordinário, nunca mirado. Acho que só Clarice Lispector consegue provocar tantos “boquiabertismos” quanto à infância. Taí o segredo dessa escritora singular: era adulta por fora, mas infantil no modo de questionar o mundo em que vivemos.
Na cozinha, lanchando, o primogênito pergunta: Mamãe, você acha a lei da vida boa ou ruim? A porta da geladeira permaneceu semiaberta. A reflexão fulminou-me. Queimei de cima abaixo. Sobre qual lei da vida ele me pedia uma opinião? Essa que me fez escolher a profissão equivocada? A que me deixou órfã de pai aos 11 meses de idade? A que deixou a sobrinha morrer afogada aos 13? A que levou minha mãe depois de três anos de dores atrozes? A que me deu uma artrose no cotovelo aos 40?
Por que a lei da vida para mim veio, assim, em forma tão severa? Por que não cruzou meus pensamentos a lei da vida que me fez encontrar um amor de verdade? Que me deu dois filhos perfeitos em suas qualidades e defeitos? Que me ofertou amigos que me enchem de esperança e incentivo? Irmãs que fazem doce de goiaba para mim? Por que insistir no copo meio vazio quando ele pode transbordar de delicadezas?
A lei da vida... Quando eu era criança, brincava sozinha com cascalho. Transformava os seixos em vacas, bois, cavalos e currais. Passava o dia como bicho-preguiça e macaco: trepada em árvores. Não tinha noção da minha unicidade. Da minha singularidade em recriar o ambiente não tão favorável que eu tinha ao meu dispor. Quem dera tivesse a noção da minha raridade ainda nos tenros anos. Talvez tirasse melhor proveito da capacidade de remodelagem que, infelizmente, vai se perdendo com as quedas naturais do amadurecer.
Amadurecimento... A gente tem de tomar cuidado para não confundir com apodrecimento. Muitas pessoas passam do verde para o putrefato e nem se dão conta. Por isso os filhos são de grande valia. Quem os têm ganha uma segunda, terceira, quarta ou até quinta (para os mais animados em procriar, como a amiga Dedéia) oportunidade de reaprender novos modos de sentir. De recolorir o desenho da rosa, da boneca e da casinha com uma chaminé saindo fumaça...
Tem gente que tem sonhos recorrentes. Eu tenho apenas um desenho recorrente que mostra um lugar montanhoso, um lago com patinhos, uma cerca, uma árvore e uma casinha com uma chaminé saindo fumaça... Meu desejo de paz. De proteção. De refúgio. Fecho a geladeira e volto à cena:
- Como assim, lei da vida, meu filho?
- Os carnívoros comem os herbívoros e os herbívoros só comem plantas... Eu acho ruim. E você, mamãe?
Sorrio, renovada. Meus filhos são minha reprogramação mental. Minha reeducação para enxergar o que há de leve. Não é delicioso ver que tudo pode ser outra coisa?
Luciana,
ResponderExcluiradorei seu texto. A "lei da vida" em suas amplas versões e significados.
Muito legal!!
Um beijo,
Paulo.
Li e gostei!!!
ResponderExcluirBeijos...
Dedéia.
Lu do coração,
ResponderExcluirSeu texto de hoje no seu blog encheu meus olhos de lágrimas....
Ainda bem que a gente tem oportunidade de ser melhor... mas isso emociona mesmo!
Beijo e um abraço apertado da Carmem Cecília.
Lu,
ResponderExcluirG-E-N-I-A-L esse teu texto hoje, muito bom e bem clariceano. O filho paz uma "perguntinha" e a mãe põe-se à deriva em reflexões mil... Vou mandar para mil pessoas!
Beijos,
Ana
Corrigindo: "faz"... E essas águas revoltas do fundo, são novas, né?
ResponderExcluirBjo,
Ana Anônima
Texto lindo, Lu.
ResponderExcluirBjs,
Hylda.
Me emocionando, como sempre! Abraço grande, Marina
ResponderExcluirheheheh! muito bom!
ResponderExcluirabs
Fabiana
Uau! que texto lindo...
ResponderExcluirbj.Namastê!
Cynthia
O dia já tinha começado. Ainda dá tempo de começar de novo... Lindo, Luciana!
ResponderExcluirMega. Adorei. Dá umas lambidas no Tomás por mim. Eu e Manu adoramos nos comunicar por lambidas. Mas como ele é seu filho (e se for igual ao Vítor, odeia um cuspinho básico), deixo por sua conta uma lambida do tipo "minha cria". Um fofo esse garoto.
ResponderExcluirBeijos,
Má.
Gostei muito Luciana! Esbanjando sensibilidade!
ResponderExcluirLulu (vou chamar assim, em razão da tua apresentação. Não é excesso de liberdade...rsrsr).
ResponderExcluirAdorei o teu texto e outros posts tb. Principalmente, a fotos da chapada., Fantástico.
Em relação ao texto, enquanto lia, passava um filme da minha infância e surgiam gostasas recordações. Que gostoso ler um texto bem estruturada e de qualidade. Parabéns!
E o filhos são assim mesmo. Nos surpreende porque são puros e nos estamos estigmatizados pelas marcas do tempo. Que benção daqueles que conseguem manter a pureza e simplicidade das crianças. Deveria ser um exercício diária para todos nós.
Adorei.
Já estou seguindo o teu blog.
Também tenho um blog. Só que escrevo sobre corridas de rua. Outra linha. Cada qual na sua área. Diversidade.
Se puder me faça uma visita on-line. Será um prazer...rsrsr.
Valeu !
Julian
http://julianrunner.blogspot.com.br/
Oi Julian,
Excluirclaro que pode me chamar de Lulu!! Obrigada pela visita e pelo incentivo!! Vou agora mesmo visitar o seu blog!
Apareça e comente sempre que desejar!!
Um abraço,
Lulupisces.
Que texto LINDO! E a tal cadeia alimentar já pegou o baixinho hein...
ResponderExcluirAfe, essa" Vidalogia" judia desses meninos rs rs rs!
Beijos,
Juliana.
Achei o seu texto muito lindinho e mandei pra minha família, que está num momento sensível, você sabe. Precisa ver o sucesso que foi, todo mundo adorou... Maurício até compartilhou no feicibúqui...
ResponderExcluirBeijos,
Dani.
Oi Dani,
Excluirpuxa, fico comovida! Obrigada! Às vezes a gente acerta no texto... Ele sai redondinho, do fundo da alma mesmo. E aí bate no coração das pessoas.
Esse "encontro" é o que há de melhor para quem um dia sonhou em ser escritora. Aliás, que sonha e se realiza um pouco por meio do blog.
Um mega abraço para todos vocês! Pode ter certeza, Dani, que a sua família é muito cara para mim! Sempre penso em todos com carinho e não esqueço que sempre fui muito bem acolhida na sua casa.
Abraços fraternos,
Lulupisces.
Academicamente, o que diferencia uma crônica de um artigo? Ou de ensaio? Ou de opinião? O texto do cara sobre Paulo Leminski que você enviou é bom, mas esse seu texto "Tudo pode ser outra coisa" é, pra mim, uma crônica muito melhor.
ResponderExcluirSem puxasaquismo explícito porque eu não preciso disso.Nem você.
Valdeir Jr.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirEstou viciada nos seus textos, Lu! Sempre me dão um alento, um alerta, uma resposta...
ResponderExcluirBeijocas,
Jay-Jay
Oi Usado e sem uso,
Excluirde onde esse codinome, guria? KKK!!
Fico contente em saber que você está curtindo os textos. Que bom! É tudo o que uma escritora gosta de ouvir.
No sábado eu vou dar um pulo no condomínio verde (onde mora o namorado daquela minha amiga que é amigona do Marcone (blergh!!)). É perto do seu? Eu podia entrar para lhe dar um abracinho...
Beijos grandes, querida Jay-Jay!,
Lulupisces, Lu.