Questão de mérito

Com a consciência um tantinho pesada de ter declarado publicamente gastos astronômicos em apenas um dia na crônica do domingo passado, estava conversando com o meu primo por email e ele me disse: “pare de afirmar que você não é uma destas burguesas fúteis porque eu já sei disso”. Sim, ele sabe, mas e os outros milhares de leitores? Posso ter perdidos muitos fãs naquele dia.

Na mesma troca de correspondência, o primo brincou com a minha reclamação trabalhista: resumir, durante as férias forenses, em uma única matéria, dez decisões importantes de cada ministro do STJ. “Minha cara, tem que ganhar muito bem para fazer uma chatice destas”, ele arrematou.

Sabe, até que não acho chato, mas concordo que o juridiquês é de lascar. Os temas às vezes são muito bons, as questões jurídicas intrigantes, as decisões apaixonadas e até revoltantes. Ou seja, tem um bocado de emoção envolvida, mas precisava ter tanto jargão broxante? Tira todo o clímax da história.

E para recuperar a “beleza” e importância do que os ministros julgam na mais importante corte infraconstitucional (que julga em última instância disputas judiciais que não “afrontem” a Constituição) cá estamos nós, jornalistas sofredores, que não somos formados em Direito e precisamos, aos trancos e barrancos, decifrar o Código da Vinci de cada cérebro ministerial e também de alguns oficiais de gabinete que, não raro, são mais dramáticos que a do próprio magistrado.

Estou há 13 anos encaixando quebra-cabeças jurídicos, tentando levar um pouco de informação digna e compreensível aos cidadãos, mas até hoje me deparo com termos e expressões que nunca vi antes. Onde é que estes juristas estudaram, hein? Pra ser advogado, juiz ou desembargador é fundamental aprender uma língua extraterrestre, acredite.

Astreintes. A palavra inédita da semana. Posso até sentir a falsa sensação de que estou ficando mais culta. Porém, na verdade, estou ficando é mais fechada no umbigo petulante do Judiciário. Os ministros deveriam ler meu protesto, mas tenho a leve impressão de estar ferindo o Código de Conduta do STJ. Ministros, portanto, não leiam, tá?

Já descobriram o que são astreintes? São multas cominatórias. O pior que é não são “culminatórias”, de cúmulo do empolado. Ficaram na mesma? Eu também. Vamos procurar no dicionário ou perguntar aos universitários que cursam Direito, obviamente. Mas só para aqueles que vão passar no exame da Ordem, porque a coisa está feia.

E assim os incautos jornalistas que trabalham com a árdua tarefa de traduzir votos e relatórios vão escrevendo matérias, lendo, relendo e morrendo de medo de ter entendido as decisões de cabeça para baixo porque boa parte dos ministros e de seus assessores acha que se expressar em línguas alienígenas soa mais respeitável ou que sabe chique.

Meu bem, hoje eu estou muito “teratológica”, não vai rolar, falou? Já pensou se a gente encontrasse qualquer fumus boni iuris como desculpa para dizer não? Taí, o juridiquês é uma espécie de língua do P, de Esperanto: só com paciência de paquiderme e “excesso de prazo” suficientes a gente aprende direito (sem trocadilho).

Uma colega da equipe outro dia falou: “vocês já notaram que mandam os jornalistas cobrirem o Judiciário como uma espécie de castigo?” Só pode ser. Quem fez uma cagada na redação agora paga: vai fazer a cobertura do que sai no STJ e no STF para deixar de ser mané.

“Ab initio insta observar, se o crime é um fato típico e antijurídico, como se falar em conduta penalmente punível se o elemento subjetivo não se ultimou?” Pois é, como? E agora, com licença que eu tenho outra missão quase impossível nas mãos: 20 decisões de uma ministra que precisam ser transformadas em uma única matéria frankenstein. E eu nem posso entra com um liminar para a editora me deixar quieta no meu canto! Isso sim é que é cerceamento de defesa!!! Pelo exposto, devidamente “coagida”, haverei que ir em frente. Entretanto, datíssima vênia, férias urgem.

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