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“Quebrou? Osaka conserta!”*

A minha primeira vez foi nos EUA e, depois, nunca mais parei. Pegadinha manjada, mas irresistível. Só que tô falando é da venda de garagem...As “garage sale”, que vemos nas centenas de faixas brancas e amarelas que poluem o visual da cidade. Nessas horas penso por que o brasileiro acha natural nomear as coisas em inglês quando a língua pátria já nos fornece tantas possibilidades... Meu filho Tomás, tadinho, é sempre o Thomas. Mistério... Pois é, acabei fazendo o que considerava um crime inafiançável: também poluí minha cidade, rasgando o passado de militante contra a degradação visual...Teve época em que saíamos, Bernardo e eu, arrancando tudo quanto era faixa que parecia brotar da geração espontânea nos balões, retornos, cruzamentos. Taí, não esperava por isso: encomendar e pagar por duas faixas amarelas de chão para anunciar uma venda de garagem. - Garagem sale, você quer dizer? – perguntou o rapaz da loja de quintal, ou melhor, de subsolo ao anotar o texto que eu estava ditando....

Brasília teimosa

Eu costumava ser orgulhosa do fato de ter nascido em Brasília. A cidade e sua arquitetura única e mal-compreendida parecia perfeita para mim, que sempre procurei a diferença; que sempre me atraí por pessoas, estilos e caminhos alternativos. Brasília e eu éramos complementares em nossa indignação e rudeza. Porque Brasília parece fria e concreta demais aos olhos desavisados, mas doce e acolhedora na face escondida que mostra apenas para os mais corajosos. Brasília costumava ser uma metáfora de mim mesma, tentando brilhar num horizonte que não dá muita bola para os ousados de plantão, a flor rara do cerrado. Ter nascido aqui surpreendia as pessoas. Eram incomuns os brasilienses e isso me destacava, assim como ser canhota e ter o rosto miscigenado, traços que me ajudaram a construir uma identidade muito particular. Porém, durante os longos e tenebrosos anos do governo Roriz, Brasília foi se tornando uma cidade como as outras, com suas mazelas, favelas e falcatruas. Uma cidade que entrou ...

Movimento das marés

Aí está ele, o mar, a menos ininteligível das existências não-humanas. E aqui está a mulher, de pé na praia, o mais ininteligível dos seres vivos. Clarice Lispector Talvez seja mais parecida com a minha mãe do que eu pensava. Não que eu quisesse negar conscientemente a semelhança por implicância ou incompatibilidade de estilos. Era mais uma ignorância mesmo. Como se houvesse um perene eclipse do sol sobre a lua... É que eu tenho a sorte de ter duas mães. Jandyra, minha madrinha, brilhava como o astro-rei, com sua força, onipresença e intensidade. A presença autoritária daquela senhora de personalidade única ofuscou o papel de mamãe durante todos estes anos. Mas agora, que o brilho de uma se apagou, posso reconhecer que sou uma mistura das duas. Ainda tenho tempo, antes que a companhia lunar da mulher que me colocou no mundo se vá definitivamente, para rever a influência dela sobre mim. Mamãe: translúcida, fugidia e misteriosa...Um coração insondável que eu persegui por tantos ano...

Leitura obrigatória

Tá certo,vou admitir: a Luana Piovani é mais inteligente do que eu pensava. Além de escultural, novinha, sexy, também é dona de boas respostas. Pura covardia! A menina deu um show na entrevista da revista Monet, que, aliás, é uma publicação excelente para quem curte cinema, TV, séries, cultura pop, cartoons...Leio de cabo a rabo e sempre me divirto. Nesse mês, eles fizeram uma lista dos 100 melhores desenhos animados “de todos os tempos” e foi muito gostoso poder relembrar Corrida Maluca, Formiga Atômica, Manda-Chuva, Os Flintstones (para mim o BamBamBam, sem trocadilhos) A melhor parte foi compartilhar a leitura com a minha cria, que também pôde conferir alguns de seus desenhos “favoritos” ali na lista. Passado e presente juntos. Ele reconhecendo os dele e conhecendo os meus e vice e versa. Scooby Doo ficou em primeiro lugar. Pode haver controvérsias, mas é sintomático o fato de o meu filho de cinco anos se amarrar nessa turma como eu também gostava quando tinha a mesma idade. Po...

Um novo Big Bang

         Não gosto de ser ave de mau agouro. E apesar de cultivar um certo pessimismo em relação à Humanidade, especificamente à humanidade dos brasileiros, fico muito chateada quando alguma teoria mal humorada que formulo se comprova verdadeira. E desta vez aconteceu tão rápido que me assustei com a minha própria boca de sapo.           Na quinta à noite, eu assisto à reportagem do garoto “herói” dos EUA. Ele leva a irmã mais nova e o celular da mãe para o banheiro e liga para polícia pedindo ajuda porque ladrões invadiram sua casa. Os bandidos arrombam a porta e, quando percebem que o menino conseguiu avisar os policiais, fogem sem machucar ninguém.  Digo para o meu marido: “Se fosse aqui no Brasil, eles teriam atirado na cabeça das duas crianças e dos pais dela e, aí sim, fugiriam. Aqui, ninguém se lixa para a vida alheia porque não dá cadeia. E se der, será por pouco tempo. Afinal, pra que...

“Museu de grandes novidades”

Ultimamente, os versos de Cazuza em “O tempo não para” não me saem da cabeça. Acho que nunca uma música foi tão atual como essa, o que prova o poder do artista como sensível observador da sociedade. Sei que há muita gente que odeia Cazuza. Já recebi emails ofensivos sobre o compositor, citando que o cara era filhinho de papai, drogado, gay, promíscuo. “Se assim não fosse, não teria morrido de Aids, a doença dos perdidos”. Mas, na verdade, o que temos a ver com isso? E daí se a vida dele foi o que foi? O que importa é o valor do cara como artista. E como artista ele é mágico, versátil, inteligente. Assim como outros tantos gênios criativos que também morreram drogados, prostituídos e muitas vezes incompreendidos. Nestas férias rolou uma discussão entre a galera que estava compartilhando a casa de praia: quem foi o grande poeta do rock brasileiro? Cazuza ou Renato Russo? Meu marido votou no Renato, o amigo dele em Cazuza. Eu fiquei, digamos, dividida. Aliás, sem ter conhecimento técn...

Era pra ser uma manhã como as outras

Ela sai da cama na marra. Não, ela não é dorminhoca, pelo contrário. Inveja os que avançam pelo sono durante a manhã. Mas ela precisa. É hora de começar uma rotina de caos: aprontar dois meninos e ela própria para a lida do dia. Colégio, trabalho, café da manhã, lanche, uniforme, choro, chateação, escovar os dentes, lavar as mãos, colocar tênis, trocar o cocô do mais novo, que ignora o vaso sanitário, gotinhas homeopáticas... Ela pensa: um dia terá saudade de tudo isso? Tudo isso é realmente inesquecível? Ou traumático? Não cansa de achar que tem algo errado com a ordem do universo...Por que as mulheres inventaram esta tal emancipação?... A grana no fim do mês é boa, mas fazendo as corretas deduções emocionais, não há lucro. Perda no mais das vezes. Empate se o parceiro for humano o bastante para saber que o fardo precisa ser compartilhado. Não são nem oito horas e parece que o dia está na metade. Ela sai pela porta esbaforida, quase descabelada, cheia de coisas nas mãos: chaves do...