Perfis comportamentais


Aguardo a sessão de terapia no segundo andar de um prédio com funcionalidades mistas, ou seja,  pessoas vivem e trabalham por aqui ou exercem ambos os cotidianos no mesmo lugar.

As portas estão fechadas. O corredor não é grande, quase familiar. Os únicos objetos a quebrar a monotonia do espaço são os capachos. 

Cada apartamento, cada sala tem a sua cara: a face estampada no tapetinho ao pé da entrada. Um convite, uma recusa? Pelo capacho é possível intuir a personalidade de quem habita ali detrás? O que os objetos que escolhemos falam de e por nós? 



lar doce lar

um lar, um porto seguro, abrigo onde se reenergiza com cores quentes e alegres. É jovial, otimista. Nao abre mão de ficar em casa, arrodeado por memórias e por quinquilharias. 



Aldeia global

Inquieto, vive no entre, between. Almeja chegar apenas para poder partir. Na verdade, parte ao entrar pela porta, aporta ao viajar. “Seu lar é onde estão seus sapatos.”


Mas fique pouco tempo

Polido, discreto, convencional. Recebe as visitas com contida simpatia. Não tem muitos amigos, mas ama os amigos que tem. Reservado, aprecia a solidão e as palavras cruzadas. 



Tríplice coroa

Divertida e sarcástica, adora um balacobaco. Seu cafofo é descolado, cheira a incenso e também a cigarro. Não tem espaço para acúmulos. Faz dos abacaxis um delicioso bolo de pote. 



Burle Max

Aventureira, não dispensa convites para trilhas e cachus. Sempre surrupia uma nova muda de planta, sua casa é um viveiro.  Ecologicamente responsável, vegana, milita pela causa animal. 



Hello Kitty

Cinéfila, seu canto tem conforto e aconchego. Prefere a iluminação indireta do abajur e edredons (até para que ninguém note as bolinhas de pelo espalhadas pelos cantos). Faz home-office porque não curte deixar seu casal de gatos sozinhos. Tímida e terna. 


Passista

Precavida, faça chuva ou faça sol. Pessoa de hábitos: todo Carnaval é em Olinda, todo Natal é com a família. Trabalha na área de gestão de riscos ou de engenharia de produção. Casada, não cogita a maternidade. 


Persa de araque

Tradição é a sua palavra-chave. Reverencia a solidez, a rotina, a elegância. Austero, prático, metódico. Não perde tempo com objetos sem funcionalidade  e melodramas. A casa é seu dormitório. 

Viaja muito a trabalho. 


Tecelã

Desde a infância aprecia trabalhos manuais. Pinta, faz crochê e tapeçaria. Garimpa em brechós e valoriza os produtores locais. Professora de ioga, seu apê é um universo particular de macramés onde reúne suas alunas para papos astrais. 



Doutorando

Definitivamente, não liga para decoração. Sua casa tem o mínimo necessário para a sua subsistência. Só pensa na tese. Aos sábados e domingos se muda para a casa da mãe, onde relaxa com os mimos maternais e traz potes de sorvete com feijão e outros mantimentos para durar até o próximo fim-de-semana. Esquenta o prato no micro-ondas, dorme num colchão jogado no chão frio. Na geladeira, cebolas e alhos rebrotam.




Comentários

  1. Vizinha, que delícia de texto! Um passeio poético pelos tapetinhos que guardam mundos e mundos que guardam gente. Confesso que dei risada e me identifiquei com alguns.

    Na porta do meu canto, está escrito “ALOHA”.
    É a cara do meu "desejo reprimido" de ter virado surfista profissional, morando num vilarejo litorâneo, com cheiro de maresia e uma prancha escorada na varanda.
    Mas como não deu tempo de mudar pro North Shore, transformamos o apê num recanto de boas vibrações, mesmo que o oceano mais próximo esteja a quilômetros de distância.

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    Respostas
    1. Minha sobrinha! Amei cada tapete...vc é o máximo, como sempre! 👏👏👏👏Top demais 😍

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  2. Muito interessante, a diversidade de capachos!!! e a sua escrita/reflexão para cada um…gostei muito do Home do Hello Kitty, e da Passista 🙏🥰
    Cynthia🪷

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  3. Muito legal, Lu. Achados poéticos por onde passam os pés alheios. Você voou com os tapetinhos. Voou bem.

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  4. Hahaha Muito legal! Coitado do doutorando 😅

    Giovana Tempesta

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  5. Legal a sua leitura dos supostos perfis! Ficou divertido e curioso. Bj.

    Rodrigo Holanda

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  6. Amei.

    Madalena Rodrigues

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  7. LuA, você é incrível!
    Adoro observar esses capachos, eles são interessantes e revelam mesmo muito do dono da casa 🤣. Difícil encontrar capachos repetidos em um mesmo andar, né!
    Os meus são sempre de patinhas ou de figuras de cachorrinhos.
    Legal demais!! Parabéns!! 👏👏

    Luciene Miranda

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  8. Amei! Amei! 🥰

    Magda Lúcio

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  9. Amei, Lu! As idiossincrasias humanas...😍

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  10. Adorei o oráculo de tapetinhos, texto bom demais!!!! 😘

    Ana Cristina Aguiar

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  11. Ameeeeiiiii isso! Reconheci alguns, a maioria. :)

    Clarice Veras

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  12. Só você mesma para interpretar os carpetes, o doutorando ainda tá chegando. 😄😄😄

    Cristina

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  13. 👏🏻👏🏻👏🏻
    Me identifico com a tríplice coroa!

    Ana Flávia

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  14. Adorei!

    Bianca Duqueviz

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  15. Kkkkkkk ótimos perfis! Sera q correspondem? Dá vontade de bater na porta e averiguar...

    Isabel Frantz

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  16. Aí deu passeio bom!
    Digo

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  17. Que legal, Luciana!! Fiquei pensando o que diria do meu capacho. Rsrs 😘😘

    Flávia

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  18. Oi Lu
    Criatividade nunca lhe faltou. Vc sempre tem aquele segundo olhar para o que estiver aos olhos e os objetos rotineiros adquirem novos significados , magníficos para quem gosta de ler!
    Fiquei até com vontade de adquirir um capacho.... mas vou atentar bem ao significado do que está além dele.
    Bjs,

    Socorro

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  19. Adorei!!!
    Nunca passaria pela minha cabeça fazer análise dos donos da casa e seus respectivos capachos.
    Daqui para frente vou passar a observar.
    Um beijo.😘

    Tânia Benn

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  20. Interessante sua leitura sobre os capachos.

    Renata Assumpção

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  21. Delicioso!

    Raimundo Pereira

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  22. Que bacana. Quanta sensibilidade para descrever o perfil de cada um dos donos do tapetes....

    Maria Félix Fontella

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  23. O conto dos capachos é genial. Seria interessante se as portas se abrissem ao final e fosse revelado quantas personalidades foram corretamente representadas por meros tapetinhos da porta de entrada. Acho que você teria acertado bastante! O doutorando, pelo menos, é certeza. Hehehe

    Mariana

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