Amigo Imaginário







"He walked toward the corner, thinking little at all about nothing in particular." 
(Ray Bradbury in Fahrenheit 451)




Na juventude, ao contrário da maioria dos jovens, eu ia para cama cedo. Às dez da noite já estava lendo o meu livro de cabeceira.

Veio a maturidade e os filhos com toda a fuzarca de atenção, barulho, ordens, brincadeiras, sermões e demandas emocionais e físicas que a vida familiar impõe. Fui me tornando mais noturna, apesar de ainda ser uma pessoa de relógio biológico matutino. Minha energia criadora geralmente acontece pela manhã, mesmo que conviva com a marvada insônia há tempos.

Entretanto, não pensem que aprovo o horário de verão. Ele penaliza os mais pobres, obrigados a acordar no breu da noite alta a fim de enfrentar frio e medo rumo às paradas de ônibus, trens e metrôs. Sinto que é um fardo a mais para boa parte da população, agravando a lista de nossas injustiças sociais absurdas.

Mas, voltando ao ponto inicial dessa divagação, atualmente vou para cama perto da meia-noite  porque me dou de presente duas, três horas de contemplação da casa em repouso. Aproveito a solidão e assisto aos filmes e séries que não me levam a lugar algum além do descanso. Momentos sem julgamentos ou interferências. Leveza. E volto a ser jovem, copiando trechos de filmes à mão num caderno, como fazia na adolescência.

Mergulho numa bolha curativa, pois ser mãe é ter ouvidos e olhos em todos os poros saturados de imagens, responsabilidades e solicitações.

Apenas a alta noite me permite esbaldar a companhia do silêncio, meu amigo imaginário da velhice que se aproxima.



" - Why are you so driven to write?
 - I guess it's a way of keeping things alive. You know, saving things that will eventually die.
If I write it down, then... it'll last forever."

(trecho do filme Animais Noturnos,
 baseado no livro "Tony and Susan", de Austin Wrigth)




Comentários

  1. Meu amigo imaginário são meus cadernos. Todo ano compro e escrevo o que me dá vontade, desde uma equação a citações que escuto em uma conversa ou leio nos livros. Sinto a liberdade, pois posso escrever qualquer coisa, com sentido ou não. Bjs!

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  2. Meu amigo imaginário são meus cadernos. Todo ano compro e escrevo o que me dá vontade, desde uma equação a citações que escuto em uma conversa ou leio nos livros. Sinto a liberdade, pois posso escrever qualquer coisa, com sentido ou não. Bjs!

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