Deo Gratias!




A luz amarelada do Outono invadia o piso da sala, além do meu coração. A campainha toca, abro a porta. Ele adentra o corredor do apartamento com a serena presença de sempre. Um frescor distante da minha melancolia. 

O lanche da tarde já está sobre a mesa. Ele se senta e começa a mordiscar o pedaço de bolo, conversando sobre o dia na escola. Me posto à sua frente e observo seu rosto de anjo bem esculpido pelos artistas da genética. Meu filho, seria mesmo meu? É uma dádiva. Um menino pronto, bem acabado em forma e conteúdo. Está tão crescido, pubescência. Entretanto ainda resguarda a infância em algumas atitudes, como pedir ao pai ou a mãe que lhe desejem boa-noite ao pé da cama.

Será que teria sido uma criança como ele se tivesse tido uma família a me contemplar com olhos de benevolência? De onde veio a completude desse quase rapaz? Ele gosta de presentear as pessoas, fazer surpresas. Agora mesmo chegam mensagens dos amigos do colégio em Brasília, embevecidos com os souvenirs que ele fez questão de escolher para cada um. É uma coisa dele que é minha, posso reconhecer: esse prazer em pensar que aquela pessoa gostaria daquele mimo e poder ofertar essa alegria. Me orgulho, é claro.

Suas atitudes não são impulsivas. Ele não é enérgico, nem muito curioso. Sua passividade às vezes incomoda os pais, preocupados com a aparente inércia desinteressada. Parece já ter o coração assentado numa tranquilidade de saber que a vida vai ser boa para ele. Ao menos foi o que disse a amiga astróloga quando me mostrou o mapa astral do primogênito: "Veja todos esses planetas em Vênus, todas as portas estarão abertas para esse menino". Até o momento, sim.

Segue conquistando os corações conhecidos e desconhecidos... Do nada, recebo elogios: "Esse menino é seu filho? Tão polite, tão kind". Fez um teste para participar do time de basquete, competição acirrada entre tantos pré-adolescentes, foi pré-selecionado. Nem ele entendeu, modesto: "mas eu fui o segundo pior!!!".

O caçula, oposto absoluto. Sanguíneo, voraz, guloso de conhecimento. Suga nosso ar e nossa energia. O mais velho compreende que é preciso ser o remo de Rômulo. A bússola e o remanso para que o irmão inquieto e insone se ancore a cada dia.

Fico feliz que sigam irmanados nas brigas e nos afetos como jamais pude experimentar com meus irmãos, dispersos pelas contingências das perdas precoces e de suas demandas injustas. Aquieto meu coração nesse pensamento: sempre terão um ao outro. Reconforto. Quem é órfão desde que veio ao mundo carrega a mórbida angústia de achar que vai partir antes da hora. Mas qual seria a hora ideal, enfim?

Por isso, escrevo aos astros, a Deus (ou para mim mesma): grata por enviarem o menino-anjo aos meus cuidados. Sei que não o mereço, mas ele também sabe e ainda me garantiu: "somos uma família feliz, sim, mamis! Com a Frida, ainda mais".

Louvado seja!



Comentários

  1. Nos dias de hoje,com um filho assim, agradecer nunca é demais!

    Rogelma

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  2. Adorei seu texto sobre Tom/Rom!

    Marisa Reis

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  3. Quando garoto ganhei de mamãe um dicionário de português. Um daqueles tijolões, dicionário de mesa, impraticável para ficar andando com ele por aí. O tempo passou e ele ficou esquecido no fundo de uma gaveta. Outro dia o reencontrei. Surrado pelas incontáveis consultas. Indefinível foi a emoção de reler, tanto tempo depois, a cortante dedicatória que ela tinha me feito. Assim como você fez, minha mãe bordou em palavras um insuspeito olhar radiográfico, notando minha admiração e afinidade com as palavras e antevendo uma futura ocupação com isso. De certa forma, acertou em cheio.

    Queria muito estar por perto para ver o impacto da cacetada na moleira emocional de Tomás quando, daqui a algum tempo, ele tiver acesso a essa tocante declaração de amor que você fez a ele.

    Primo Valdeir.

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  4. Oi Lu. Aqui quem escreve é a Ana Cris. Já adoro seus meninos sem conhecê-los. Parabéns pela linda família! Saudades de você. Cuidando bem do meu mimo "da sua casa para a minha", que acabou ficando no trabalho mesmo!

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