Religare





Vou te contar um segredo: galopar é radical. Nunca voei de asa delta, nem viajei de motocicleta ou mesmo de balão. Também nunca escalei montanhas, se bem que tenha alçado o pico da Bandeira uma única vez, minha trilha mais íngreme. Porém, galopo. 

Aliás, sempre andei a cavalo, criança criada na roça. Todavia essa percepção do perigo só se adquire com a idade e com o medo que vem acoplado indesejavelmente com os anos pesando sobre os ombros. Entretanto não quero me dar por vencida. Não resisto.

Vejo um cavalo selado e me ponho a arder por dentro. Preciso da minha dose – nem que seja eventual – de estimulantes. Entendo o prazer indescritível dos motociclistas e esportistas de aventura. A sensação de liberdade que é alcançada somente quando a gente não pensa em consequências. 

Vou. As patas do cavalo em sintonia com o meu coração vão ganhando velocidade. Em segundos, estamos bailando num galope libertário. Meus cabelos acompanham a crina de Segredo, o garanhão de Marilena, a irmã muito mais amazona do que eu. Afinal, ela teve cavalos para chamar de seu a vida toda. Eu, apenas os empréstimos. 

Quando monto, relembro que meus sentimentos mais profundos estão associados às taperas e aos cavalos... É o animal que venero e que gostaria de poder criar em haras de cinema. Meus pés batem na barriga de Segredo e sinto sua respiração acelerar com a minha. Estamos em sintonia. Motos, parapentes, pranchas... A interação homem-máquina na qual distinguimos quem manda e quem obedece. 

Criaturas soberbas por excelência (Deus caprichou), os cavalos são enigmas. Por isso, nesse relacionamento os papéis são definidos a cada encontro. São dois corações; dois cérebros se misturando para alcançar objetivos complementares: ele, me derrubar; eu, não cair. É uma dança tensa e densa, repleta de detalhes sutis envolvendo destreza, força, inteligência, intuição. É um jogo de vida e morte, sem exagero.

Cavalos são soberanos e capazes de fazer o que lhes der na telha. Resta ao cavaleiro saber convencê-lo do contrário. Ele quer galopar o mais rápido possível, pois acredita que assim estará livre do cabresto o quanto antes. Eu quero galopar o mais rápido possível porque assim me sinto em paz com o cosmo ou  (mais provavelmente) porque sou doida para me por à prova. 

Embora não tão insana a ponto de não recuar na duração do voo a quatro patas assim que me lembro – sempre – do ator Christopher Reeve e, recentemente, da apresentadora do Jornal da Globo, Cristiane Pelajo, que esmigalhou o osso malar e se recupera de uma reconstrução facial, após cair de um cavalo no último feriado de Corpus Christi. 

Sim, galopar é radical e perigoso. Marilena já queria sair a minha procura quando me viu voltar com um sorriso de orelha a orelha. Dizem que a sensação da adrenalina correndo pelo corpo é viciante. Acredito. E vai ser assim a vida inteira: acionar os botões da teimosia, ficar com dores consideráveis no dia seguinte, mas não perder – jamais - a inexplicável luxúria de me religar à alma equina. Religião. 


Comentários

  1. Um barato seu texto, me reportei às poucas cavalgadas que fiz na minha vida, pois fui menina urbanóide total, Rio de Janeiro, praias, Copacabana , Ipanema,Leblon, quando rolava de ir prum sítio era em Pati de Alferes, onde montei pela primeira vez e amei muito...uma sensação deliciosa mesmo.
    Beijos...Namastê!
    Cynthia

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