Ensaiando o retorno




Tirei férias de escrever e não consigo voltar. Tudo é disciplina nessa vida. Escrever não é igual a andar de bicicleta, que dizem não ser possível esquecer jamais. Será? Acho que tudo se esquece, sim, menos dor de cotovelo e as gracinhas dos filhos. 

Na verdade, estava cansada de mim, de me abrir, flor na primavera exposta no jardim. Perdi o objetivo, o foco. Escrever para quê e para quem? Quem me lê? O que tenho a dizer importa? Essas crises existenciais malucas das mulheres de 40... Mas não se preocupem, não estão sendo levadas muito a sério. 

Entretanto, não quer dizer que eu volte a escrever. Que eu retorne com minhas autopropagandas na caixa de entrada dos incautos que fazem parte da minha lista. Ninguém deu falta, não é verdade? Ou pior: percebeu e ficou aliviado. Isso, pise em você mesma. Faça drama como uma herdeira trágica do número 4 do Eneagrama. 

Não, não sou mais essa melancolia absurda e transbordante. Mas é bom beber da raiz da dor de vez em quando. Às vezes, produz textos sobre os quais posso me orgulhar. Milhares de artistas são depressivos. Complicada a relação entre Arte e Vida. E como disse a colega de trabalho Gabriela, numa síntese brilhante: “há que haver uma conexão com o Eterno ou a profundidade extrema acaba por destruir seu possuidor”. 

Talvez por isso não esteja mais em crise criativa. Não estar deprimida ou melancólica teria extirpado a minha pulsão escrevinhadora? Não que eu esteja exultante, esclareço. Apenas estou. Fim de ano, automatismo é bem-vindo. Não me animo a dar murro em ponta de faca nessa altura do campeonato não. 

Alegrezinha somente por estar viva até aqui. Por meus rebentos seguirem bem de saúde, bonitões e risonhos. Ainda não durmo direito e quando durmo é à base de fenergan ou miosan, que rimam e me transportam para o mundo dos sonhos, raridade nas minhas noites. 

Por isso, termino essa tentativa de volta com a graciosidade de um deles. Quem sonha toda madrugada não sabe o presente que é poder viajar de olhos fechados e da viagem se lembrar: 

"Hoje eu tive um sonho que foi o mais bonito que eu sonhei em toda minha vida..." Acordei com essa música na cabeça depois que sonhei com meus amigos Marisa e Mário, afilhados de casamento, companheiros da UnB. Foi um sonho bacana demais, confortador, acolhedor, sabe? 

Engraçado que eu nunca tinha sonhado com a casa do lago... Não que eu me lembre. Nunca imaginei a casa do lago como a minha casa mesmo. Sempre que sonho com lar, sonho com a fazenda e, às vezes, com a casa da 715 sul. 

Mas estava no meu quartinho minúsculo da casa do lago junto com o Mário. Mil lembranças espalhadas pela cama, como se estivéssemos fazendo uma faxina de cacarecos sentimentais. E aí ele me dá um monóculo todo cravejado de pedrinhas coloridas, super único, como uma peça indiana, persa. 

Olho e vejo uma foto da minha mãe comigo, as duas rindo, eu segurando uma bolsa que comprei agora, toda cravejada de pedrinhas coloridas, artesanato malásio... E aí a Má entra no quarto e se junta a nós nessa faxina: retendo o mais importante, jogando fora o que não precisa ser mais guardado... Uma intimidade, uma cumplicidade... 

Acordei totalmente descansada, às 7h19. Atrasadíssima para o trabalho, mas feliz e abraçada por sentimentos de afeto e amizade. 

Obrigada, Cynthia, por me cobrar um texto. Não sei se saiu do seu agrado, mas saiu!




Comentários

  1. Expondo totalmente meu ego imenso, exultei por fazer parte do seu texto de reentrada criativa, assim como por fazer parte do seu sonho. Ainda mais que, fazendo uma análise dele (que prometi que não ia fazer mas fiz, é lógico, embora só pra mim mesma), atribuí a mim mesma uma importância fenomenal nas sua vida. Beijo egoico E, felizmente, igualmente amoroso.

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  2. Tão egoica que comentei duas vezes! rsss

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  3. Isso mesmo!
    Cansada de mim é meu script rsrsrs, ainda que seja a escorpiana, simbolizada pela fênix, que renasce das cinzas!
    Beijo,
    AC

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  4. Ah! como curti o seu retorno...você não faz nem idéia.
    Ler você me faz bem, e isto é tudo...bj grande.
    Namastê!

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  5. Esqueci de assinar, sou eu Cynthia.

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  6. Cansada de mim, é assim que me sentia ontem. Que dia longo que foi, que vontade de ir no laptop e a apagar tudo o que eu escrevi e começa tudo de novo. Pra quê? Para escrever a mesma historinha da minha vida de novo? Eu queria ser outra pessoa ontem.
    Mas eu fiquei firme dentro de mim. Não fiz nada que eu pudesse me arrepender depois. Passei o dia inteirinho lendo e pensando. Como é que algumas pessoas conseguem e eu não? Não é fácil, viu! Então eu admiro você que venceu a sua crise de existência e escreveu um texto que me fez entender a mim mesma! Obrigada!

    Beijos e welcome back!

    Evelyn

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    1. Querida Eve,

      Puxa, sua mensagem encheu meus olhos de água. Comovida mesmo em saber que pude trazer um estalo, uma luz para alguém com um texto. Meu coração ficou tão agradecido!! Obrigada!

      Lulupisces.

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  7. Disciplina e faxina mental. Honre o tempo que se fizer necessário.
    Dão-me estalos teus textos. Obrigado.

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    1. Caro Wainer,

      que surpresa deliciosa ver um comentário seu aqui no blog!!! Estalos, é? Gostei do conceito!!! Agradecida de coração!

      Lulupisces.

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  8. Que lindo, Lu, adorei!!!
    Sinto-me honrada com sua citação!

    Tive um professor na faculdade (Artes Plásticas, UnB) – que talvez até seja conhecido seu, o Maravalhas – esqueci seu prenome (!) – o qual passou um bom tempo com “gastura” dos pincéis e sem conseguir produzir.

    Deve ter superado, porque há algum tempo encontrei um catálogo de uma de suas exposições, surpreendentemente adquirido por minha mãe – acasos do destino – será?

    Faço votos que sua inspiração retorne, sem a necessidade da dor. Que seja uma inspiração divina, um sopro do Altíssimo no seu ser, que renove as suas forças, suas idéias e sua alegria, para que continuemos a desfrutar do prazer de lê-la!

    Beijo,
    Gabriela

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  9. Pisceszinha,

    Os "comentaristas" têm razão: escreva para nós. Gostamos de vê-la através dos textos. Melhor ainda, de nos vermos através de seus escritos. Quando você viaja, viajamos juntos; quando retorna, aterrissamos; Seu diário nos tira da monotonia, ou seja, gostamos de bisbilhotar você. Ora bolas, você tem um fã-clube! Te amamos.

    Marcita

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