Missiva

Saudades, vovó Paula!

A senhora iria aprovar os grupos de trabalho do novo governo. Pessoas muito capacitadas e competentes, sabe? Acabou-se aquela vulgaridade que tanto lhe incomodava nas notícias diárias.

Também estaria orgulhosa do neto primogênito: Bruno entrou para o mestrado na UnB. Mais um pós-graduado nesta família de cabeções.

Ah, teria amado o recital de formatura de Romulito. Ele todo chique de colete e de gravata do vovô Agenor… Seus amados compadres Elieze e Sebastião prestigiaram o evento e tornaram a tarde ainda mais bonita.

Tomás está ótimo, enturmado e feliz no segundo semestre de Economia. Tal pai, tal filho, foi selecionado para a empresa júnior da Faculdade. Acho que vai longe e para longe em poucos anos.

Preciso dizer que Bernardo segue descabelado (para a sua exasperação). Apelei para a sua clássica frase: "você não se respeita?" ;)

Clarissa Clave de Sol está com uma franjinha assim como eu. Articulada e espoleta daquele jeito, me contou que o tema da festa de oito anos será espaço sideral. Legal, né?

Vovó Paula, como será o nosso primeiro Natal sem aqueles sapatinhos antigos dos seus filhos ao pé da árvore, ali, naquele cantinho de sempre?

Saudades dos confusos almoços em família e de encher a paciência da senhora com mais uma foto.

Para manter a alma aquecida, resolvi usar os perfumes que a senhora deixou pela metade. É uma maneira de estar perto estando longe. Também apertei algumas saias e vestidos lindos (a senhora sempre foi elegante, embora se achasse feia na maturidade) do seu closet pra mim. Assim, me sinto abraçada por sua presença forte e original.

Gustavo, apressado como de hábito, assistiu ao primeiro jogo da Copa aqui em casa. E viajou a trabalho para Ouro Preto na semana passada.

Marina harpista deve ter ficado dividida no jogo Brasil x Suíça lá em Zurique. Como comemorar a nossa vitória com o namorado suíço ao lado?

Esqueci de dizer que seu neto Tomás é o mais novo motorista da capital federal. Não que ele esteja ligando. O pai é que ficou prosa.

Chove bastante neste novembro. Gosto. Inês está bem, cuidando de outros velhinhos menos supimpas do que a senhora. Sua geladeira e seu micro-ondas ficaram para ela.

Gratidão.

Nina buscou os materiais de matemática do mestrado dela que ficavam guardados no imenso baú da sala, e sua afilhada Guti criou um carinhoso cantinho para a sua imagem de Nossa Senhora no apê dela, aquela que ficava na entrada do seu quarto, lembra?

A vida caminha e se readapta; almejamos um novo Brasil em 2023, um país renascido das cinzas em fênix de radiantes tons verde-amarelos, azuis e brancos.

Falando em cinzas, as da senhora vão mergulhar nas águas salgadas de Atalaia, a sua saudosa e preferida dentre todas as praias brasileiras, no querido Piauí-natal de seu amado marido Agenor.

Aliás, que saudade de ouvir as histórias malucas que a senhora me contava sobre o sogro que não tive a alegria de conhecer.

Ei, vovó, espero uma visita onírica assim que a senhora puder, combinado?

Fico por aqui, curtindo o aconchego desta casa de vó que, em breve, será a casa de outra família. Tudo é impermanente, não? A senhora já estava tranquila com isso. Nós também ficaremos.

Com amor,

sua nora.