Eremita
De longe, caminhando nos primeiros raios de sol pela erma praia, vi uma movimentação no braço de areia que a maré baixa deixou. Eram crianças que iam e vinham, abaixavam-se e alegravam-se ao levantar. Sim, elas haviam encontrado o mapa da mina. E eu ainda estava tão distante...
Apressei o passo na areia fofa. Meus pés urbanos ressentiram-se da aspereza salina. Enfim, alcancei o grupo de guris que trazia as camisetas transformadas em embornal recheado de estrelas do mar.
Cheguei ao fundo do poço. Admito, foi humilhante chantagear emocionalmente uma criança. Mas, dane-se o pudor, qualquer escrúpulo. Tudo por um tesouro.
- Vocês têm tantas e eu nenhuma... Você me dá uma?
A menina não titubeou. Estendeu a bela estrela branca quase ao alcance do meu nariz. O pixote ao lado repetiu o gesto, mas a dele não era tão bonita e eu gentilmente recusei, afirmando que uma apenas me bastava. Mentira! Pronto, agora sim tinha atingido o ultimato da perfídia. Adulta, enfim. Eles saíram correndo rumo à mulher sentada na distância, mas não sem antes me fornecerem a pista essencial:
- Tem muita ali, ó!
E não é que tinha? Só que eu não tinha camisa-sacola. Somente um chapéu que protegia minhas rosáceas do sol intenso da Barra Grande piauiense. Não titubeei. Dane-se a vaidade feminina. Virei menina catando estrelas do mar na maré que subia. Quando voltei, já passava e muito da hora do café.
- Você foi caminhando até Luís Correia? (Uns 40 KMs), ironizou meu marido. Bem que poderia. No mar, me sinto gigante, me sinto forte, me sinto sozinha e absoluta. As praias desertas do Piauí são um convite à eclosão do meu mundo interior. Aos devaneios respingados de sal. Não quero exteriorizar nada, só implodir de alegria.
O que dizer desta viagem familiar e antropológica a um dos estados mais incompreendidos do Brasil? Nada e tudo; alfa e ômega; dia e noite; quente e frio (apenas do ar-condicionado e dos sorvetes); suavidade e dissonância; yin e yang, som e silêncio... Com certeza, foram as melhores férias que meus filhos tiveram até hoje e uma das mais afetuosas e intensas experiências da minha vida!
Esperam que eu conte tim-tim por tim-tim, que forneça dicas para as próximas férias de alguém. Desculpe-me, não consigo. Pelo menos por enquanto. Ainda estou no processo poético, me abastecendo do alimento sutil que é a Arte. E o Piauí é pura Arte. Arte do encontro com habitantes gentis ao extremo. Com familiares cheios de açúcar de confeiteiro. Com a beleza bruta da Natureza em estado natural.
Passar uma noite no sertão, perambulando ao lado dos grilos, sapos e bodes. Como descrever esse sentimento? As constelações que há muito não lembrava - nessa existência caótica da cidade - me levaram à dimensão da minha infância na roça sem luz elétrica. Nas velas que acendíamos e queimavam nossos dedos.
Os cemitérios das pequenas vilas ficam nas colinas para que as almas cheguem mais rápido ao céu? Esse é o tipo de pensamento que se tem quando se está no oco do mundo, na profundeza de si mesma. Filosofar sem teoria alguma, concluindo que quem vive à beira-mar não liga para ouriço ou concha.
Mas eu ligo, ainda. E no meio das deambulações matinais na companhia das ondas, encontrei um cemitério, não de elefantes, porém de eremitas. Conchas alvíssimas, casulos retorcidos, esquecidos... Casas abandonadas por seus marítimos proprietários que ali encalharam e pereceram.
Dane-se a vaidade feminina! O chapéu-sacola subtraiu o que pude. Ladra desse desejo de ser sereia e, do Atlântico, nunca mais se afastar.
Muito bom. Parabéns. Vc escreve pra caramba. Parabéns. Bj. Selma
ResponderExcluirJá tinha planos de conhecer o Piauí, inclusive me ofereceram uma casa de praia em Barra Grande, depois da sua viagem estou ansiosa pela minha. Muito bom!
ResponderExcluirJá tinha planos de conhecer o Piauí, inclusive me ofereceram uma casa de praia em Barra Grande, depois da sua viagem estou ansiosa pela minha. Muito bom!
ResponderExcluirLuzita querida, faço côro à Anna Luiza. Depois dos seus belos relatos, Piauí é meu próximo destino de férias grandes em 2015. beijos, sereia escritora!
ResponderExcluirLuzita querida, faço côro à Anna Luiza. Depois dos seus belos relatos, Piauí é meu próximo destino de férias grandes em 2015. beijos, sereia escritora!
ResponderExcluirSublime seu texto, Lú! Estava curiosa para saber o que contaria dessa deliciosa viagem.
ResponderExcluirBjs e bom retorno a rotina,
Renata.
Lindo texto, parabéns!
ResponderExcluirCecília.
Um brinde a quem tem olhos para ver e alma para sentir.
ResponderExcluirWainer.
Muito poético, Luciana. Nessas férias eu brinquei com caranguejos eremitas e espetei meu dedo num ouriço, mas não fiquei muito inspirado. Só dolorido, kkkk. Parabéns.
ResponderExcluirBarra Grande! Cheguei de moto-táxi, depois de desembarcar da linha de ônibus Parnaíba-Cajueiro. Foi na pousada da Dra. Luiza, dentista da capital que decidiu ali montar seu consultório para dar um pouco de atenção ao povoado esquecido na beira da praia, que escutei boas histórias e aproveitei inloco o local desse seu relato do paraíso. Platz
ResponderExcluir" A poesia traduz em palavras precisas aquilo que a Alma do poeta vê" fiquei maravilhada com seu relato, suas férias foram deslumbrantes, creio ter inspirado em todos nós seus fiéis leitores uma vontade imensa de explorar essas terras longínquas e belas...que barato que você voltou!
ResponderExcluirNamastê!
Cynthia
Oi Lu, bela inspiração Barra Grande lhe deu, lá é uma delícia mesmo! Uma das boas lembranças de nossa incursão pelo Piauí.
ResponderExcluirÓtimo 2014 pro'cê, com toda a energia vinda do mar.
Bj,
Platz
Muito amor pelo Piauí, pelo mar e por você.
ResponderExcluirBeijos
Débora
Lu, não fui à praia nessas férias, mas consegui molhar os pés, me brozear, e brincar com estrelas-do-mar, enquanto acompanhava mentalmente o seu relato. Adorei!
ResponderExcluirBeijo,
Gabriela
Muuuuuito bom! Eu, que já amo suas amigas só por serem suas amigas, agora estou encantada e absolutamente comprada pela Luciana Assunção, depois desse arroubo de amores dela pelo Piauí, pois, como diz o ditado, "quem meus filhos beija, minha boca adoça"! E além de sua amiga, com esse nome mais lindo, ainda vejo, pelo nome do blog, é pisciana? Fiquei muito feliz com a crônica e agradeço, como piauiense!
ResponderExcluirLuciana Mendes
Lindo texto, Luciana! Realmente um quadro vivo.
ResponderExcluirAndréa Gramacho
Estive em Parnaíba por seis dias com minha família recentemente e também fiquei, primeiro, surpreso e, depois, encantado com o que encontrei por lá. Famílias jantando na calçada em frente aos restaurantes. Vento constante e refrescante, boa comida e a paz dos lugares ainda pouco visados pelo turismo nacional. A receptividade do piauiense, já conhecida, Continua a mesma.
ResponderExcluirYttrio Costa.
Huuumm, Barra Grande, Piauí. O local nunca mais será o mesmo depois da publicação dessa sua narrativa. Todos vão querer conhecer! Luciana para prefeita da cidade! rsrsrs Lu, você como sempre dando um banho, escrevendo certo por linhas certíssimas...
ResponderExcluirBeijocas e saudades!! :)
Marcita
Ah, esqueci de dizer: lance um livro, aquele com as pérolas dos meninos e, agora, um outro com suas aventuranças.... certo?
ResponderExcluirEstarei no primeiro lugar na fila de autógrafos no dia do lançamento :-))
Mais beijocas
Marcita
Gostoso demais seu texto, Lu, como sempre!
ResponderExcluirAdoro seu estilo, os temas que você escolhe, suas impressões sobre os mais diferentes assuntos...
Posso compartilhar no Facebook? :o)
Beijão!
Sabíola
Olha elas aí de novo. Como é mesmo que você diz? Ligações teutônicas? Conexões telúricas?
ResponderExcluirEu vi o filme "A Menina que roubava livros", prima! E me lembrei dele quando li esse seu texto. Essa imagem linda que cê usou (os cemitérios são no alto pras almas chegarem mais rápido no céu). Quando li isso, me lembrei de uma cena bem bonitinha no filme (não me lembro se tá no livro, faz tempo que li): Max, o judeu fugido que ganha abrigo na casa dos pais adotivos da menina que roubava livros, pede a ela que descreva o dia lá fora. Nesse momento, a menina que roubava livros descobre a delícia e a magia de colorir a narrativa com imagens (ela diz que, num dia nublado como aquele, o sol se parecia como uma ostra de prata).
E foi isso.
Mas não me pergunte se gostei do filme.
Beijos roubados.
Valdeir Jr.