Teoria da irmandade
Interessante como as mulheres gostam de mostrar suas dores sem pudores. Estava eu de frente para o inacreditável mar de Maceió, de bem com a vida, sozinha, a desfrutar uma salada na Cabana Lopana. No som, o DJ rolava versões bossa-pop de George Michael, The Carpenters, Pink Floyd, Bonnie Tyler, Bob Marley, U2, Madonna e até A-ha, na voz de Michelle Simonal.
O cara bota para tocar “Wish you were here”... Putz! Aí matou a pau. Covardia com o espécime feminino que também estava sentada alone à mesa ao lado. Entretanto, ao contrário de mim, parecia sofrer com vários holofotes voltados para ela. Mulher nova e charmosa bebendo cerveja sozinha num dia de sol pode saber: tem algo errado. É evidente que este pensamento machista atravessou a minha cabeça e a dos demais felizardos que curtiam aquela cabana. O mesmo devem ter pensado de mim – reparem na falta de modéstia pelos autoelogios – quando ali me postei encarando o mar.
Mas logo adotei uma postura mais confiante: eu me garanto. Estou radiante. Ai, que pentelhação é uma mulher ainda ter de pedir licença para si mesma a fim de se divertir sem companhia alguma em lugares públicos. Ainda somos vítimas da nossa própria patrulha, como se os olhares desconfiados dos outros já não fossem chatos o bastante. Que horror!
Todavia a moça ao lado confirmava o clichê. Ela estava sozinha, mas preferiria estar acompanhada. E logo estampou a dor dela em manchete de jornal, reclamando - para todos ouvirem - que alguém estava mexendo no jipezinho descolado estacionado do outro lado da rua, que calhava de ser exatamente o dela.
Se a moça queria atenção, conseguiu. Estabeleci contato visual com a companheira de solidão e me solidarizei. Ela aproveitou a deixa e lascou: “Mulher sozinha já viu, né? Eles já querem se dar bem...” Eu sei, ela estava procurando um afago. Não podia deixá-la na mão: “É verdade, os espertinhos ficam de plantão”, respondi.
Acudida pelos garçons, a mulher se aquietou, mas foi por apenas alguns minutos. Ela queria quebrar a paz da casa, afinal estava sofrendo, pô! Resolveu implicar com o DJ: “Não tem bossa em Português, não?”, reclamou. Cara, ela realmente deveria estar com o coração em pedaços, pois ninguém em sã consciência poderia não estar adorando a seleção musical de primeira. O DJ não deu muita bola e continuou na malemolência da Michelle Simonal, que até aquele exato dia era totalmente desconhecida para meus ouvidos.
Pouco depois, ouço com o canto do ouvido um trecho de conversa. Era mesmo dor de amor. Lágrimas pungentes fugiram dos óculos escuros dela. Deu vontade de mudar para a mesa ao lado e cantar Fábio Júnior: “o que é que está se passando por essa cabeça?” Mas ela não queria tanta aproximação assim. O lance era apenas mostrar ao mundo que sofria, sem sentimentalismos óbvios.
Voltei a olhar para o mar, mas antes reparei que ela fechou os olhos e se entregou ao som, que agora era do Michael Jackson em arranjo cutecute. Mas quem é esta Michelle? Eu conseguia existir sem conhecê-la? Como? E a moça ao lado já se permitia sorrir e relaxar, a minha companheira de solidão.
E então veio a comichão de escrever. Fui atrás dos garçons, todos palmerizados, e eles me descolaram a fundamental caneta bic azul e um bloquinho minúsculo de papel. Ufa! Vício acachapante apaziguado. Que alívio poder rabiscar umas palavrinhas sem compromisso, assim como a minha vizinha tragava o cigarro dela.
I wanna love you, everyday and everynight... Agora éramos as duas cantarolando o repertório do DJ. Velhas amigas irmanadas em nossos estrógenos. Exagero meu? Tenho certeza de que a minha presença solitária ofereceu àquela mulher que sofria, também sozinha, um abraço reconfortante. A intuição de que mulheres são grandes confidentes mesmo no silêncio.
“Mas você já vai embora?”, ela disse num muxoxo ao me ver levantar. Sorri envaidecida e grata. A minha teoria da cumplicidade feminina acabava de provar sua validade.
O cara bota para tocar “Wish you were here”... Putz! Aí matou a pau. Covardia com o espécime feminino que também estava sentada alone à mesa ao lado. Entretanto, ao contrário de mim, parecia sofrer com vários holofotes voltados para ela. Mulher nova e charmosa bebendo cerveja sozinha num dia de sol pode saber: tem algo errado. É evidente que este pensamento machista atravessou a minha cabeça e a dos demais felizardos que curtiam aquela cabana. O mesmo devem ter pensado de mim – reparem na falta de modéstia pelos autoelogios – quando ali me postei encarando o mar.
Mas logo adotei uma postura mais confiante: eu me garanto. Estou radiante. Ai, que pentelhação é uma mulher ainda ter de pedir licença para si mesma a fim de se divertir sem companhia alguma em lugares públicos. Ainda somos vítimas da nossa própria patrulha, como se os olhares desconfiados dos outros já não fossem chatos o bastante. Que horror!
Todavia a moça ao lado confirmava o clichê. Ela estava sozinha, mas preferiria estar acompanhada. E logo estampou a dor dela em manchete de jornal, reclamando - para todos ouvirem - que alguém estava mexendo no jipezinho descolado estacionado do outro lado da rua, que calhava de ser exatamente o dela.
Se a moça queria atenção, conseguiu. Estabeleci contato visual com a companheira de solidão e me solidarizei. Ela aproveitou a deixa e lascou: “Mulher sozinha já viu, né? Eles já querem se dar bem...” Eu sei, ela estava procurando um afago. Não podia deixá-la na mão: “É verdade, os espertinhos ficam de plantão”, respondi.
Acudida pelos garçons, a mulher se aquietou, mas foi por apenas alguns minutos. Ela queria quebrar a paz da casa, afinal estava sofrendo, pô! Resolveu implicar com o DJ: “Não tem bossa em Português, não?”, reclamou. Cara, ela realmente deveria estar com o coração em pedaços, pois ninguém em sã consciência poderia não estar adorando a seleção musical de primeira. O DJ não deu muita bola e continuou na malemolência da Michelle Simonal, que até aquele exato dia era totalmente desconhecida para meus ouvidos.
Pouco depois, ouço com o canto do ouvido um trecho de conversa. Era mesmo dor de amor. Lágrimas pungentes fugiram dos óculos escuros dela. Deu vontade de mudar para a mesa ao lado e cantar Fábio Júnior: “o que é que está se passando por essa cabeça?” Mas ela não queria tanta aproximação assim. O lance era apenas mostrar ao mundo que sofria, sem sentimentalismos óbvios.
Voltei a olhar para o mar, mas antes reparei que ela fechou os olhos e se entregou ao som, que agora era do Michael Jackson em arranjo cutecute. Mas quem é esta Michelle? Eu conseguia existir sem conhecê-la? Como? E a moça ao lado já se permitia sorrir e relaxar, a minha companheira de solidão.
E então veio a comichão de escrever. Fui atrás dos garçons, todos palmerizados, e eles me descolaram a fundamental caneta bic azul e um bloquinho minúsculo de papel. Ufa! Vício acachapante apaziguado. Que alívio poder rabiscar umas palavrinhas sem compromisso, assim como a minha vizinha tragava o cigarro dela.
I wanna love you, everyday and everynight... Agora éramos as duas cantarolando o repertório do DJ. Velhas amigas irmanadas em nossos estrógenos. Exagero meu? Tenho certeza de que a minha presença solitária ofereceu àquela mulher que sofria, também sozinha, um abraço reconfortante. A intuição de que mulheres são grandes confidentes mesmo no silêncio.
“Mas você já vai embora?”, ela disse num muxoxo ao me ver levantar. Sorri envaidecida e grata. A minha teoria da cumplicidade feminina acabava de provar sua validade.
Que texto bacana esse da garota do jipe!
ResponderExcluirBjs.,
Dani Veloso
Já estive no Cabana Lopana Lu, é muito maneiro...o mar de Maceió é lindo, um tom muito diferente...muito bom texto...valeu!
ResponderExcluirNamastê!
cynthia