Cantiga
Nem tudo são lástimas e penas. Há o amor da noiva que se casa num domingo de primavera e, na segunda, distribui bombons de morango aos colegas. Há o amor de um cão por outro cão. Amor de amigos que se reencontram após considerável hiato. É o genuíno afeto entre duas crianças pequenas que se tocam, se olham e sorriem uma para outra, num reconhecimento tátil-olfativo mútuo. Há ainda o amor deste cão para com o seu tutor. Amor que sofre ao ser deixado sozinho, no mesmo átimo em que se alegra e esquece a dor, ao se colocar ao alcance de um carinho. Há o amor do leitor que fala com admiração do escritor, antes que esse se aproxime. Há o amor natural das folhas verdinhas, renascidas da longa seca. Há o amor das cenas prosaicas, dos ouvidos atentos. Da cantiga de roda que emana da escola pública colorida e bem cuidada. Há o amor celeste dos que têm fé e o amor terrestre dos que caminham de mãos dadas. Desconfio que haja muito mais amor no mundo, embora a atual escuridão nos delimite.