O breu do céu
O urubu caminha sobre a laje do edifício de apartamentos. Seus passos reflexivos percorrem sempre o mesmo trajeto de ida e volta. Parece preocupado. Ou seria eu, projetando minhas angústias? O solitário urubu anda entre as antenas parabólicas. Estamos frente a frente. Ele para por breves momentos e logo retoma a caminhada. Do lado oposto, na varanda, reconheço nos passos do urubu uns trejeitos de barata. Nunca tive nada contra abutres, mas a semelhança me provocou arrepios de asco. Seria eu projetando um desconforto existencial? A ave segue em seu posto de vigília. Do lado de cá também não arredo o pé. Logo, logo o urubu vai se confundir com o breu do céu. Mas antes da noite, ele estanca e mira na minha direção. Será que descobriu estar sendo observado? Não, não. Ele se coça, espreguiça as asas... Apenas abraça a solidão dos incompreendidos, como a sua espiã.