Tudo pode ser outra coisa
Surpreendida pelo meu filho ontem. Surpreendida todos os dias, aliás. As crianças são o ineditismo e a surpresa encarnados. A cartola do mágico excepcional, que não oferece apenas coelhos e lenços coloridos, mas algo sempre extraordinário, nunca mirado. Acho que só Clarice Lispector consegue provocar tantos “boquiabertismos” quanto à infância. Taí o segredo dessa escritora singular: era adulta por fora, mas infantil no modo de questionar o mundo em que vivemos. Na cozinha, lanchando, o primogênito pergunta: Mamãe, você acha a lei da vida boa ou ruim? A porta da geladeira permaneceu semiaberta. A reflexão fulminou-me. Queimei de cima abaixo. Sobre qual lei da vida ele me pedia uma opinião? Essa que me fez escolher a profissão equivocada? A que me deixou órfã de pai aos 11 meses de idade? A que deixou a sobrinha morrer afogada aos 13? A que levou minha mãe depois de três anos de dores atrozes? A que me deu uma artrose no cotovelo aos 40? Por que a lei da vida par...