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Folguedos

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Os meninos-Portinari içam suas pipas coloridas contra o céu zangado. Eram muitos com camisetas vermelhas e pés no asfalto, uma horda de velejadores aéreos a manejar pesos e contrapesos, administrando as rajadas de vento e a permanência das rabiolas na altura dos sonhos mais alegres. Outro grupo, este com meninas, passa uma bola de mão em mão, naquela ciranda instintiva da infância. Disputam espaço com carros estacionados. Sem árvores à vista, a chama do mormaço derrete as crianças-velas sobre a cobertura asfáltica. É uma festa. A algazarra límpida da periferia viceja sem as benesses do planejamento urbano. A elite, enclausurada pelo dinheiro, jamais experimentará o valor destes folguedos. Rupturas recomeços mudar em meio à mudança. Partir repartir. O silêncio passeia pelo interior, mão da criança invisível tateando a parede. De fora chega a nesga do sol e o silvo dos micos costumeiros. Os cães aprisionados ao lado lamuriam. Quero que durmam para sempre. Parafraseando o belo título do...

E nada se faz sozinho...

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Gosto de morar numa casa antiga onde as velhas telhas saem do traçado exato. Guardam memórias de chuvas intensas  nos musgos e de sóis abrasadores no desbotado do barro. Gosto de abrir a janela, admirar os telhados desgastados ao redor. Transpiram as Geraes dum tempo de reverência aos céus dos santos, à ira divina.  Pisos descascados pelos cascos verdes brotam das frestas carcomidas. Rusticidade de uma vida menos farta de excessos.  Noitevagar apascentada junto aos fantasmas. Antepassar. O que eu preciso para sobreviver não é o fogo ardendo com raiva e ódio. Eu tenho muito fogo em mim. O que necessito é de um dente-de-leão na primavera. O amarelo brilhante que significa renascimento ao invés de destruição. A promessa de que a vida pode continuar, não importa o quão terríveis foram nossas perdas. Que pode ser bom novamente." (Katniss Evergreen) Na vibe do Tordo de Jogos Vorazes para começar mais um ano revolucionário! Tenho vestido muitas peças verdes. Percebo que estou ...

De tudo um pouco

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"Vivo no passado e no presente. Na minha cabeça e na rua. Às vezes, olhar para trás é doloroso. Perdi tanta gente. Mas outras vezes uma fotografia ou um livro te permitem trazê-los até o presente e te devolvem essa pessoa por um momento. A imaginação serve para viajar para o desconhecido ou para o conhecido. Tem essa força. Seria um erro não aproveitar esse potencial."   (Patti Smith)   Ideograma Asas são riscos, palavras no céu. Cruzam as folhas sem pauta das nuvens gradativamente mais pesadas. O preto do voo então se funde à página-chumbo e desaparece. O corpo cá no chão plana no azul da piscina a despeito das pedras. Ao fim das tardes, a leveza toma o coração na esquadra de biguás, na arruaça das araras ou na elegância das garças helvéticas a formar ideogramas suaves. Caligrafia imaculada. Na era do cancelamento, até os pães clássicos mudam de nome. - Esta aqui é a língua de sogra? - É sim. - Mas eu gostava muito da minha sogra, comento. - Eu também, diz a atendente da ...

Que o próximo ano não te cancele!

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Adoro o barulho dos pneus espalhando água da chuva. Isto quer dizer que o dia está denso e cinza-reflexivo. Como você pode estar de bom humor numa manhã chuvosa como essa? Estou. A chuva me fecunda. Dias londrinos me dão uma leveza diametralmente oposta ao peso das nuvens no céu.  Natal tem de ser assim: branco. A autora da frase é Claudia, a amiga do mercado comum europeu. Ela não gosta de inverno (um paradoxo para uma austríaca), mas admite que Natal tem de ter neve. É verdade. No caso do Brasil, no mínimo, tem de ter gris-pluviométrico. Família reunida ao redor da mesa trocando presentes combina com noites aconchegantes de inverno. O verão pede festa com amigos no meio da rua. É duro comer tanto pernil, peru e farofa suando em bicas.  Bem que a gente podia ter um mês de frio. Só um mês bem frio, para casacos até os tornozelos e cachecóis. O equilíbrio no mundo poderia existir ao menos no clima. Acontece que com o termostato planetário cada dia mais azuretado, babau. Fico f...

Fatos&fotos

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Mente repleta de pensamentos pífios  Ideias Ikea TOC Tok&Stok Xongas Samsung destempo brastemp Tramontina trampo Deca decaída Veja e multiuse o caos Sempre Livre: absorva a entropia. Perflex seria se eu tivesse uma fada madrinha. Ode A morte da crônica foi anunciada com estardalhaço por Julián Fuks e sobre a minha discordância já escrevi no blog . Porque a crônica é imortal. Crônica é a vida acontecendo nas suas pequenezas vis e belas. O cronista dá importância ao que ninguém mais dá, além do poeta. Ou seja: a crônica também é poesia do banal, do cotidiano. É jogar um ponto focal nos fracos, oprimidos, esquecidos e inanimados. Todos eles ganham lugar de fala numa boa crônica. A crônica é cronicamente deliciosa quando acerta em frisar o nonsense na rotina pueril. “Tudo nesta vida é muito cantável", diz o amado Guimarães Rosa. A crônica é a prova cabal deste aforismo. Roda presa O novo trajeto para o trabalho é mais longo, porém mais idílico. Estamos quites, pois. Faz-me lemb...

Achados amarelados

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“É preciso continuar escrevendo. Inclusive quando não interessa a ninguém.” (Ágota Kristóf, escritora suíça-húngara) Banguela Quando as crianças me olharam nos olhos, era o mesmo momento do vento provocando a inércia das árvores. O sorriso banguela da menina ao balanço claro, aberto… como o céu de um azul azulíssimo! Abracei, pois, a ideia outonal. Voei e caí, madura sobre a grama. Plágio Você não alimenta as minhas fantasias. Eu, louca, louca, escrevo. O que não projeto em palavras, copio de Adélia, de Quintana, de Clarice. Mas você não me entende. Não chega com o seu cavalo branco. Talvez delire demais. Ou seja mulher, o que torna tudo diferente. O que faço com a parafernália de computadores neste corre-engole de fumaça tediosa, de praças imundas e de pessoas sofrendo?  Palavras insípidas não convencem, tampouco tranquilizam. Umbilical Olhava para a sua pupila com insistência. Queria arrancar algum sentimento meu  que pudesse ela guardar. Nada encontrei além daqueles olhos...