Tem hora que nem escrever alivia

Aquele papo de "brasileiro não desiste nunca" até que é verdade, né? A gente está sempre achando que tudo vai dar certo. Até mesmo eu, uma Polyanna sombria, comentei há alguns dias que o Rio estava melhorando... Que a cidade maravilhosa estava conquistando o posto que lhe é devido: cartão postal do melhor do Brasil. 

Não quero o restante da letra da Fernandinha Abreu: "capital do sangue quente do melhor e do pior Brasil". Quero sempre apenas o melhor para o Rio, pois a cidade é a nossa mensagem para o mundo. Se o Rio falha, todo o país falha. E, de repente, o sequestro daquele ônibus seguido da execução de uma juíza criminal... Nos dois casos, a participação abjeta da polícia. Essa instituição que deveria existir para nos proteger. 

No sequestro, policiais mal treinados não hesitaram em atirar para matar. O alvo: um ônibus lotado de cidadãos exaustos após mais uma dura jornada de trabalho. Na execução da juíza, policiais corruptos e assassinos tramam com a máfia de traficantes com um único objetivo: silenciar a lei. E sem lei não há liberdade. E sem Justiça não há lei.

Eu me amarro em assistir Law&Order, o primeiríssimo, original, com o fantástico ator Sam Waterston como o incansável promotor Jack McCoy. Eu curto ver as reprises desses episódios porque são uma verdadeira aula do que deve ser o Direito, como utopia e filosofia. Como território de tentativa e erro na busca pela  equanimidade entre as pessoas, numa sociedade sempre tão desigual.

Em alguns episódios, Jack McCoy perde. Assim é essa balança. Mas a derrota não muda a vibrante luta democrática - sem concessões - pela aplicação séria e justa da lei por parte do promotor. E em outros ele ganha, nos deixando com orgulhos de sermos humanos: "Nossa, somos capazes dessas redenções? Desses insights? Dessas utopias?"

Mas com o assassinato brutal da juíza Patrícia não tem escapatória: todo o Brasil perde. E vai continuar perdendo. Se na cidade mais visível e mais linda do país criminosos não se acanham em metralhar o carro de um agente da Justiça, como conseguir a democracia e o pleno exercício do estado de Direito nos confins da Amazônia, na Caatinga, nas cidades selvagens do sul do Pará?

Quando um crime assim atinge uma das bases da República, o Judiciário, com o claro intuito de intimidar juízes e promotores honestos e competentes, o que fica é o medo. É a terrível impotência. É uma dor no peito e um constatação atroz: o país avança três casas, mas retrocede dez posições. Nunca é o bastante. Ainda vivemos no faroeste caboclo, ainda há trevas. 

Tenho duas amigas juízas. Uma delas é juíza criminal. Ao ler a notícia do assassinato da colega em Niterói, instantaneamente a imagem da minha amiga me tomou o sentimento. Impossível não pensar no risco que ela corre diariamente, cara a cara com testemunhas nefastas, com algozes, com ladrões, assassinos, abusadores e pedófilos. 

Lembrei de todas as vezes que ela desabafou sobre as agruras de tentar aplicar a lei de forma correta, segura. E da angústia de pensar na possibilidade de comprar uma arma para proteção pessoal, uma vez que lhe é assegurado o porte legal, sendo juíza. E do coro de vozes lhe demovendo da ideia estapafúrdia: "Não amiga, não faça isso. Não suje suas mãos. As armas de nada adiantam".

Tenho apreço e confiança nessa nova geração de juízes e promotores. Gente empenhada, comprometida, inteligente. Gostaria que eles tivessem o respeito e a dignidade de poder fazer o trabalho deles sem pressões, sem medo, sem pânico, sem se sentir ameaçados por uma Justiça que não funciona. Por leis capengas que colocam marginais nas ruas todos os dias. 

Que eles não pensassem em comprar armas para proteger suas vidas. Que eles não precisassem de escolta policial para o resto da vida por ter colocado um mafioso na cadeia. Por ter condenado um traficante a viver trancafiado em presídio de segurança máxima. Queria apenas que eles pudessem ajudar a construir um país forte, altivo, civilizado.

Mas talvez seja pedir demais até para a contente Polyanna.

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