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Mostrando postagens de março, 2014

Memes do Ego

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Zapeando pelo FB nas primeiras horas da manhã, faço a panorâmica da vastidão dos sentimentos. Passeio num grande mural psicológico e comportamental. Pessoas à procura de identidade, solidariedade, irmanação, prestação de serviço... Rostos em busca de conexões mágicas, de aprovação, reconhecimento, alento.  Que me desculpem os feios, mas o FB é fundamental no que ele tem de mais emocionante: humanidade. Do sem gosto ao lirismo, tá tudo ali. A espécie em sua transparente imperfeição. Recados, declarações de amor, broncas, ironias finas e estúpidas, obviedades e clarividências. Tudo posto. Tudo exposto.  Mas hoje uns posts me deram choques n’alma. Não, nada sobre o golpe de 64. Sou uma mulher de “desacontecimentos” (roubei da jornalista Eliane Brum). Uma amiga aqui, outra em Fortaleza desabafando sobre a dureza do existir fluida apesar da concretude (ou decrepitude?) do status quo . A vida pede pra gente ser forte todo dia e a gente fraquejando em borboletas, versos e azul

Famigerada

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O dia ainda não amanheceu  Cinza no horizonte debruça-se sobre as folhas.  Ela caminha na penumbra, tateando pelo trajeto conhecido.  Na cozinha tudo paira à espera da rotina  O ar gélido do freezer atinge o rosto sonolento, despertando-o sem delicadeza.  Pães de queijo congelados sobre a bancada olham para ela  Em comunhão suportaram as intempéries do cenário ártico que habitavam há pouco  As mãos pequenas não conseguem separar os gêmeos siameses tiritando de frio  Abre a gaveta de talheres e saca uma lâmina pontiaguda  Tem consciência da péssima ideia às seis da manhã, mas não vislumbra alternativa  Aos poucos, separa os bolinhos a fórceps. Não sem gemidos e resistência, um a um cai sobre o quartzo marrom.  Até que um par empaca. A faca pontuda não os amedronta com seu agressivo cavoucar.  Contudo, a ponta desiste da dureza do gelo, atraída que sempre é pela maciez da carne...  Num átimo, encontra seu alvo no coração da p

Ciranda

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Em memória de Jandyra, Lizette e Theosofia,  mulheres que marcaram a ciranda da minha vida Eram duas meninas, a verde e a vermelha. Irmãs. A verde era a mais velha de todas. A vermelha, a caçula. Cresceram nos subúrbios do Rio de Janeiro, entre um morro e outro de Lins de Vasconcelos. A verde cuidava de todos os irmãos. A vermelha era mimada por todos os irmãos. E ainda havia, entre a irmandade de oito, uma irmã azul.  A irmã Azul era a mais rebelde. Magrinha, magrinha, cresceu, aprendeu a fumar e a beber. Gostava de samba e de cozinhar camarão ensopadinho com chuchu. Casou com um estivador e engravidou algumas vezes, porém só quis ser mãe de um único filho. Verde reprovava o estilo e as escolhas de Azul, mas não conseguia viver sem ela. Uma no Rio, outra em Brasília: inseparáveis.  Azul passava temporadas na casa espartana de Verde. Irmãs em pé de guerra por causa da cerveja, do cigarro e do rádio no último volume. Verde gostava de ordem, disciplina e de São J

Relíquias subjetivas

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Dentre as minhas obsessões encontra-se a memória. A afetiva, de preferência. O que se guarda, o que se conta, o que é revelado depois de tanto tempo. Fragmentos de você. Um momento único. Vergonhas, sonhos, confissões, cantos de olhos, covinhas, nucas, abraços, risadas, bombons. Fósseis, vestígios. Acho que sou uma paleontóloga de sentimentos, sempre pronta para escavar fundo no baú das lembranças, não só minhas; alheias-alhures também.  Se meus bloquinhos de papel (ah, papel, te amo!) se rebelassem vomitando todos os rabiscos... Florezinhas, casinhas de campo, versos, frases soltas, números de telefone ocasionais, entrevistas à moda antiga, endereços, coraçõezinhos agrupados, datas, asteriscos... Páginas e páginas da história da minha vida contadas em garranchos.  Quero chegar com a escovinha e tirar o pó, desnudar, descobrir os contornos. Narrar histórias por meio dos bilhetes amassados de amor em guardanapo. Dos papéis de balinha em nó de beijinho. Olás de viagem em

Sem anestesia

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Acabo de assistir a um filminho no FB que mostra vacas sendo libertadas no pasto depois de anos confinadas para produzir leite. Elas saltam eufóricas como crianças num parque... Talvez nunca tenha visto uma vaca nesse estado de felicidade. Sempre convivi com gado. Mas os rebanhos da minha infância eram criados livres no campo. Recolhidos de quando em quando apenas para vacinas, ordenha ou marcação.  As vacas seriam enviadas para um abatedouro, pois o dono já não lucrava mais com a produção. Por isso, cidadãos conscientes de algum canto da Alemanha fundaram uma ONG a fim de livrar as vaquinhas do destino natural de virar bife ou strogonoff. Que lindo!  No vídeo, a fundadora da ONG chora ao pensar que as vacas seriam mortas. E vendo esse filme eu só conseguia ficar mais revoltada com a morte daquela mãe-mulher-favelada - pariu quatro e criava mais quatro sobrinhos, arrastada pelas ruas do Rio por nossa Polícia Militar psicopata.  Eu queria dar na cara da alemã civil

Visita Egoísta

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Sabe quando as palavras ficam curtas para explicar tudo que acontece com você? Eu não sei. KKKK! Até que seria interessante não ter palavras a jorrar de vez em quando. Mas meu rio continua caudaloso. Amazonas, Negro, às vezes mais pra São Francisco, sofrido. Noutras, olho d’agua, ribeirão, nascente, riachinho, vertente...  Há males que vêm para o bem, garante o dito popular. Eu só acredito se for um malzinho besta, pecadilho como o que aconteceu ontem. Tinha um exame marcado e a secretária da clínica liga - exatamente no segundo depois que já havia perdido minha paciência procurando vagas no impossível Setor Hospitalar Sul - pra avisar que não seria atendida no horário.  Ó como era gostosa a minha Brasília prosaica, cidade do interior! Hoje estamos bufando por aí no trânsito caótico, na abundância de carros e escassez de gentileza... Praguejei mentalmente todos os impropérios. Fazer o quê, agora? Ficar naquela ante sala minúscula repleta de mulheres grávidas e seus

Bravo!

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“Menos argumento e mais trabalho”, ordena o horóscopo de hoje. E se o argumento for a essência do trabalho, como é que fica? Quanto menos argumento um escritor tem, menos ele escreve, sô! Aí o marido vai esnobar: tá vendo, zodíaco é bobagem. Mas bobagem divertida, sem pretensão, já nasce perdoada, marido!  Semana de emoções artísticas. Ontem (11 de março de 2014), a Escola de Música de Brasília (EMB) fez 40 anos. Não recordo a primeira vez que pus meus pés naqueles corredores musicais, porém deve ter sido em tenra idade. Minha irmã é nove anos mais velha do que eu e entrou para a instituição ainda criança. Então, posso concluir que quase vim ao mundo com os primeiros acordes da EMB... Pelo menos ao mundo dos instrumentos, da Arte.  A Escola de Música de Brasília foi o meu primeiro contato com o que há de mais belo numa sociedade civilizada. Levino de Alcântara, fundador da EMB, costumava dizer que dificilmente uma criança exposta ao poder da música se transformaria e

Cerco vivo

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Clareou a segunda com a vitória dos garis. O lixo ganhou do luxo. É gostosamente utópico quando Davi vence Golias, pelo menos uma vez. A gente volta a acreditar no sonho. No idílico desejo de viver numa sociedade fraterna, liberta e igualitária. Quem limpa a sujeira burguesa, respirando o podre da vida, merece dignidade plena ainda longe de ser experimentada.  O moço negro (como não?) de dente quebrado e simpatia inteira acordou com mais disposição hoje. Pegou a condução desumana, sacolejou por provavelmente minutos que viraram horas, mas não se importou. Hoje não. Amanheceu esvaziando lixeiras mais gente, mais cidadão. Vestiu o uniforme laranja ciente de que é parte da sociedade. Que seu trabalho inferior é determinante para o bem-estar dos demais.  Essa constatação me deixou um pouco menos alquebrada de ser brasileira. O povo que não desiste nunca, sei não, tá ganhando contorno de lenda urbana. Tô quase jogando a toalha, empunhando a bandeira branca, batendo a mão no

Nua no universo

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Céu carregadim. Vô panhá gotas da chuva pra molhar o rosto, pensar que é lágrima que não cai. Estiagem.  As copas das árvores fazem cócegas nas nuvens que riem até chorar. Chacoalham-se todas em trovoadas, raios de alegria.  Os pinheiros-palhaços me observam pela janela. Olhos verdes de inquisição. Dou de ombros, continuo, na minha divagação.  Se gosto de chuva? Ah, se não! Os tempos amarrados são férteis, ebulição. Sol a pino é um convite a incivilização! Corpos de fora, sedução.  No cinza, tudo se apazígua. A chuva água os espíritos indômitos. Explosão vira implosão. Corre a gota até o coração.  Um dia sem sol, cem palavras ao vento. Um dia de sol, sem palavras ao relento.  Sei lá a razão de tanta rima, pouco verso. Culpa da canção da tempestade que não cai, mas se insinua, nua, no universo.