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Mostrando postagens de fevereiro, 2015

De médica, profeta e louca, a vida tem e muito!

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Todo mundo sabe que lidar com o ser humano na rotina de trabalho é delicado. Quem fica na linha de frente, na infantaria do STJ com o cidadão, trava uma batalha diária entre a graça e o drama. As equipes da Seção de Atendimento ao Cidadão e da Seção de Informações Processuais conhecem muito bem essa situação e tiram de letra. Afinal, as excentricidades fazem parte de atividades de atender telefone, emitir certidões e responder cartas de presidiários.  As situações risíveis ou dramáticas começam pelos nomes. O brasileiro permanece sendo um povo criativo na hora de batizar os filhos. Diariamente, recebemos dezenas de pedidos de certidão em nome da parte de, por exemplo, Sylvester Stallone da Silva, John Lennon Barbosa, Antônio Henrique Cacique de New York, só para citar algumas alcunhas “diferentes”.  Ainda no quesito emissão de certidões, há aqueles departamentos jurídicos que lotam a caixa da seção com solicitações bizarras como: “Venho, através deste, requerer for

Avance uma casa

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“A vida só é possível reinventada”, adiantou Cecília Meireles muito antes de eu vir ao mundo. E amanhã eu renasço. Embrião que cresceu sem pedir licença, dando susto na mãe de cinco, cobaia das pioneiras pílulas anticoncepcionais. Pedante, furei o bloqueio. Tinha de vingar para dar o último sopro de vida ao pai moribundo que me viu nascer, fez honras de churrasco de batizado, encomendou fotos chiques de álbum grande e morreu antes que eu desse os primeiros passos.  O anjo torto assim quis que seguisse canhota e solitária entre as gentes grandes. Medrosa de ficar sozinha e obcecada com uma história sobre baratas. Sentada ao pé da mãe que lia o jornal e noutras vezes sumia em longas viagens.  Fazer aniversário é paradoxal. Alegria de chegar até aqui, com a mala cheia de cicatrizes e memórias agridoces. Mas também melancólica certeza da passagem dos anos que galopam selvagemente ao encontro do futuro de inevitáveis outras perdas. Quanto mais avançamos, mais nos expomo

Quando todo metal é ouro

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No primeiro sonho, ela estava ensimesmada no canto escuro, sentada no sofá da antiga sala apertada de TV. Era uma observadora silente do que acontecia ao redor. E o ao redor era indistinguível, borrão. Ficou a imagem estática dela, sombria senhora, recostada com as pernas por cima do assento como se posasse para o artista plástico exigente.  O impacto da cena não me abandona. Severa, indecifrável e sem conexão com a personalidade quase sempre luminosa, a senhora permaneceu durante os intermináveis minutos, talvez segundos, daquela viagem onírica.  No segundo encontro inconsciente e consecutivo, a senhora decidiu participar da cena. Preparativos para o casamento de um dentre as dezenas de sobrinhos. Corre-corre, quarto simples de uma casa simplória tirada da cartola. A senhora e duas de suas filhas: a mais velha e a mais nova, fechando um ciclo, juntando as pontas. No alvoroço, as formigas que infestavam o chão carregam para o esconderijo, uma a uma, as bijuterias da ca

Os desígnios do vexame

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A Lei de Murphy é, depois da Lei da Gravidade, o normativo que mais regula a nossa vida. Por isso é importante estar preparado para ser protagonista de algum mico a qualquer momento. Mas o problema é que na correria do dia a dia acabamos nos esquecendo de quanto são implacáveis os desígnios do vexame.  Noite dessas, uma amiga querida me convidou para assistir à missa, pois era o aniversário dela. Convite dessa envergadura a gente aceita. Todavia, não teria tempo hábil para sair da aula de Pilates e me aprontar. Avisei que iria direto da aula, fedida e descabelada, lhe dar um abraço. Malucamente, ela me incentivou: “adoro abraço fedido!”  Me arranco da aula uns minutos mais cedo, coloco a pantalona amarelo-ouro que havia usado para trabalhar pela manhã e mantenho a blusa vermelha que havia usado para malhar. Imediatamente me dou conta de que estou vestida de McDonald’s, mas era tarde demais. Não dava para adentrar a igreja com uma calça de lycra justinha. Desembestei

Por uma pitada diária de sal

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Foi o psicanalista e escritor Contardo Calligaris quem afirmou em entrevista que prefere ter uma vida interessante a uma vida feliz. É dos meus. Esse papo de felicidade é por demais efêmero e angustiante. Faço um esforço danado para viver histórias fora do comum e talvez por isso elas ocorram involuntariamente comigo.  Não que eu seja mais especial do que você, não me julgue pretensiosa, mas exatamente porque me deixo levar pelos acontecimentos. Estou aberta aos programas de índio que resultam em experiências quase sempre... interessantes! É o ou não é o objetivo da coisa toda?  E assim aconteceu no sábado. Por motivos alheios à minha vontade, me vi caminhando sob sol forte na periferia de Goiânia. Tive de deixar minha irmã mais velha na saída da cidade a fim de que ela não se perdesse para alcançar Inhumas, lugarejo-origem da nossa família. Quem conhece a capital goiana sabe que os planejadores estavam sofrendo os efeitos de alucinógenos ao desenhar aquela malha viári