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Mostrando postagens de setembro, 2018

Mermão

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Cosme e Damião: saudade de montão desse tempo bão. Brasília, 27 de setembro na década de 70, tinha cara de subúrbio do Rio de Janeiro. Era um pouco do Méier com Lins Vasconcelos, onde passava as férias de verão. Mas no mês da primavera, a tradição carioca de distribuir balinhas e doces esquisitos como aquele de abóbora em forma de coração laranja, pegava o ônibus e aportava na nova capital federal.  O Cosme e Damião tinha a cara e o gosto da irmã da minha madrinha, tia Lizete, que vinha todos os anos passar uma temporada brasiliense. Com ela, trazia o costume de rechear de guloseimas os saquinhos de papel estampado com a imagem dos santos gêmeos. Suas mãos magras entregavam a alegria às crianças da 709 sul.  Criança daquela época era menos opulenta. A gente se contentava com o pouco que a vida gastronômica nos dava. Balinha chita, soft, erlan, maria mole com gosto de nada... Quem se lembra daquele pirulito-chupeta vermelho e cascorento que arrebentava a boca irresist

Elevação espiritual

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Que seria de nós sem os elevadores nesses tempos de verticalidades? Meio de transporte que bota medo em muita gente e tem participação especial em tantas passagens icônicas do cinema (depois de Vestida para Matar, a abertura automática de portas nunca mais foi a mesma). E aquele filme chamado Demônio, do excêntrico Shyamalan? Se você é claustrofóbico, não veja! Mas os ascensores também propiciam encontros inusitados e poéticos como o que eu tive ontem, chegando em casa (Grata, Mr. Otis!). O elevador de serviço fora de serviço levou um rapaz a esperar na entrada social portando um enorme tapete enrolado e embalado. Devia se entrega da lavanderia. Geralmente, vou de escada ao terceiro andar, entretanto puxava a mochila escolar de Romulito, que pesa uns 550 quilos. Por isso, passei a aguardar junto com o moço pelo elevador que agora sempre vive no sexto andar, onde a família de Amina, a muçulmana linda, mora. (Creio que estão trazendo todos os parentes do Quênia pa

Mãecolia

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Um dia teremos saudades das cenas que hoje nos irritam. Levar lancheira que o filho esqueceu à escola umas três vezes por mês; apelar diariamente para o grito: saia do banho! Guarde seu material! Coloque a cueca pra lavar!  Um dia encontraremos uma velha no elevador e você, atrasada e cansada arrastando o pirralho andar abaixo, se dará conta: “ah, como era bom o tempo que eu tinha alguém para levar para a escola”. Sim, testemunho espontâneo comprova: sente-se saudades dessas insanidades.  Mas mãe é pura insensatez. É não suportar ver o filho falhar na posição ingratíssima e solitária de goleiro. Instala-se o medo das defesas custarem ao garoto um cotovelo, dedos quebrados. “Como vai tocar clarineta se ficar com um problema de funcionalidade como o meu”? A mãe sai de fininho e passeia pelas redondezas durante o jogo para não enfartar de “e se...”  Terminamos um livro que estamos gostando e dá aquela melancolia. Imagina então terminar um projeto de longo praz

Mozart e a Princesa

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Descobriu o câncer e morreu três meses depois. Tsunami. Avalanche. Terremoto. Pábum! Não tinha filhos, herdeiros naturais de qualquer consanguinidade, por isso fez um testamento em nome da dupla de rebentos da melhor amiga.  - Bom-dia, é a senhora Croê quem está falando?  - Sim, é Chloé, responde a mulher revirando os olhos. Quem gostaria?  - Aqui é da parte da dona Sílvia. Precisamos entregar o piano que ela comprou.  - Mas eu já recebi o piano. Deve haver algum engano.  - Não tem não, a nota fiscal diz...  Como assim? Outro piano? A notícia pegou os irmãos-herdeiros de surpresa. A moribunda efetuara a compra apenas um mês antes de suspirar pela última vez.  O irmão Claude (os pais amavam o savoir-fare francês), morador de outro estado com vida solteira, não tinha espaço para tamanho imbróglio. À primogênita, que inaugurara a bela e espaçosa casa há pouco mais de um ano e já recebera o primeiro piano, coube a tarefa de se virar com a enco

Pedaços de mim

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“Além de um livro, “For Freddie”, ela também prepara gravações, anotações e separou até mesmo seu perfume, para que o filho se lembre da letra, da voz e do cheiro da mãe”. Lendo uma matéria sobre a apresentadora da BBC, Rachel Brand, que está morrendo em decorrência do câncer de mama, atesto o quanto esses pequenos fragmentos das pessoas mais importantes da vida da gente são fundamentais para compreender a nossa própria essência.  Meu pai também foi devastado pelo câncer aos 50 anos. Ele morreu em janeiro de 1972. Eu faria 1 ano no mês seguinte. Por motivos vários, pouco da memória dele foi preservada para que a filha caçula montasse o quebra-cabeça paterno. Semana passada, tia-irmã Leila Brandão me diz que, organizando o antigo arquivo da Delegacia do Trabalho, havia encontrado a pasta funcional de papai, que foi fiscal daquele ministério.  Corri pra lá em busca de qualquer traço do homem responsável pela metade do que sou (inclusive no gosto pela poesia e

Frete Errado

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Ainda processando tudo que vi e ouvi na entrevista do Boçalnaro. A primeira vez tentando entender uma personagem bizonha é inesquecível. Por que será que o Brasil gosta de gente caricata? Deve ter começado lá com a Carlota Joaquina, sei lá. Se relacionarmos todas as personas esquisitas eleitas pelos brasileiros ao longo da história, veremos que realmente não nos levamos a sério. O tiro no pé é uma prática recorrente.  Mas agora arrisco que entendo o “efeito Bolsonaro”. Com certo alívio, o que disse para a amiga Lara talvez se confirme: o povão não está com ele. Quem admira e vota em Bolsonaro é classe média deslumbrada com Miami e Disney, os apaixonados pelos EUA (como o próprio). Quem segue o candidato do PSL é quem odeia Lula muito antes da Lava-Jato. É aquele brasileiro que nunca se conformou por um operário com pouco estudo ter chegado à presidência da República. O bordão “Eu odeio o PT” fala direto ao coração dessas pessoas recalcadas pela ascenção dos mais pobres

Despeitada com muito orgulho, com muito amor!

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A menina que pensou em ser médica na adolescência, evidentemente aprecia séries sobre o tema. House foi brilhante até a quarta, quinta temporadas. ER, mais antiga, também via. Grey’s Anatomy foi massa no início, mas se transformou em novelão e Chicago Med carece de personagens cativantes porque os atores são fracos.  Só que ser uma paciente da vida real já é outra história. Aqueles holofotes sobre o seu corpo, todos os aparelhos bipando ao seu redor...  Primeira parte do ritual foi receber as marcações. Me senti como uma representante do povo maori que tanto estudei nas aulas de Antropologia. Os seios ganhando linhas enigmáticas ao estilo cerâmica marajoara ou pintura timbalada.  Dei um suspiro de cansaço e dor nas costas depois do dia exaustivo para chegar ao consultório em Goiânia. O cirurgião pensou que eu fosse desmaiar: - Tudo bem? - Tudo, apenas exausta. - Tô perguntando porque tive uma paciente que desmaiou quando comecei a fazer isso. Eu não vou

Pavio curto

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Aí seu carro resolve arriar a bateria no centro de Goiânia, hora do almoço, sol Pedro Ludovico na cabeça, 15 dias de convalescência...  O maridones aciona o socorro lá de Brasília. Você foge para o ar-condicionado da drogaria Pacheco bem em frente e espera meia hora com a barriga roncando.  Chega o Sr. Leandro, cara de poucos amigos. A gente se abriga à sombra do totem da loja. Um velhinho vem e se refugia também. O capiau acende um cigarro.  Sr. Leandro passa a encarar o velhote com sangue nos olhos. Fico sem entender o porquê daquele ódio.  A carona do velho chega. Sr. Leandro se explica: - Acende esse cigarro fedido bem aqui na cara da gente! Eu sou ex-fumante, mas nunca fumei perto de ninguém. É que eu tenho XYZK curto...  - O senhor tem o quê? Pavio curto, é isso? - É, sou impaciente. Sou mineiro misturado com paulista e dizem que a gente fica assim... Deus é mais! Agora tá explicado o jeitim da sogra... ;)

Trevo de quatro folhas

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Textão! Aliás, quando não escrevo textão? Sou uma obsoleta no mundo do Twitter... No fim do ano passado, ainda em NY, aviei um par de lentes multifocais que ficaram perfeitos numa armação super descolada da Salvatore Ferragamo. Tudo com descontos incríveis do plano de saúde que tínhamos por lá.  Voltei para o Brasil e a danada da armação começou a me incomodar loucamente. Incompatibilidade entre ela e as minhas orelhas de abano.  Com dor no coração, retirei as multifocais zeradinhas da armação e comecei uma longa peregrinação pelas óticas a fim de não perder todo o meu investimento.  A ideia era encontrar outra armação que comportasse as lentes. Afinal, as multifocais são bem caras e precisas. Não podem ser “recortadas” depois de prontas. Há meses me sentia como os encarregados do príncipe tentando encontrar o pé que vestisse o sapatinho de cristal... Hoje, entrei nessa loja que acabou de inaugurar na esquina da 304 Sul (AB Optik). Já havia perdid

Resoluta

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Descendo no elevador para pegar o Uber rumo ao job, encontro Amina, a muçulmana linda. Lembram-se dela? Não? Tenho um texto no blog chamado “Olho Mágico". Corram lá. De livro grosso debaixo do braço e seu indefectível véu colorido, a jovem queniana é pura simpatia. E faz questão de me cumprimentar com beijinhos. - So, how is life? - I am trying to finish high school... - Are you already thinking about a career? - Yeah.. - What do you want to do? - I want to be a pilot! E abre um radiante e alvíssimo sorriso, pleno de feminilidade e resolução. Jamais, em zilhões de anos-luz, imaginaria tal resposta! - Wow! You are a brave woman! I don’t like to fly! Congratulations!!! E ela parte sorrindo enquanto seguimos em rumos diferentes para a vida lá fora. Eis o mundo que eu quero, no qual as jovens mulheres tomem as rédeas dos próprios destinos independentemente de nacionalidade ou religião. #elenunca#elenão!