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Mostrando postagens de 2008

Ensina-me a viver*

“O mundo do cinema tornou-se um lugar melhor depois de Cantando na chuva”**. A frase não é minha, mas quem dera fosse e, afinal, quem pode discordar? Ainda mais quando 2009 está batendo na porta pedindo licença para entrar. Aliás, quando esta coluna for publicada já estaremos no dia 04 de janeiro. O que eu queria mesmo era escrever um texto do bem, alto astral e carismático nos moldes de Cantando na chuva. Como publicitária de porta de agência acredito em frases feitas e boto fé na primeira impressão é a que fica, no primeiro sutiã a gente não esquece e na química a serviço da vida. Então, estava a fim de trazer um papo legal aos leitores do blog para que todos me amassem assim, logo de cara, e 2009 começasse em paz e transbordante de otimismo. Entretanto, ao contrário do que define a personalidade do meu signo no horóscopo chinês, eu não fujo de briga. Devo ser uma javali fora dos padrões, pelo menos de acordo com o livro que li ao esperar uma garrafinha de água no café da Livrari

Questão de mérito

Com a consciência um tantinho pesada de ter declarado publicamente gastos astronômicos em apenas um dia na crônica do domingo passado, estava conversando com o meu primo por email e ele me disse: “pare de afirmar que você não é uma destas burguesas fúteis porque eu já sei disso”. Sim, ele sabe, mas e os outros milhares de leitores? Posso ter perdidos muitos fãs naquele dia. Na mesma troca de correspondência, o primo brincou com a minha reclamação trabalhista: resumir, durante as férias forenses, em uma única matéria, dez decisões importantes de cada ministro do STJ. “Minha cara, tem que ganhar muito bem para fazer uma chatice destas”, ele arrematou. Sabe, até que não acho chato, mas concordo que o juridiquês é de lascar. Os temas às vezes são muito bons, as questões jurídicas intrigantes, as decisões apaixonadas e até revoltantes. Ou seja, tem um bocado de emoção envolvida, mas precisava ter tanto jargão broxante? Tira todo o clímax da história. E para recuperar a “beleza” e impo

“Vamos bater palmas para a alma do Tom”*

Há umas semanas na vida da gente que são tão musicais...E o melhor de tudo: elas não estão em nenhum cronograma, portanto não podem ser esperadas ou puladas, como aquela consulta do médico que você resolve não ir de última hora. Quando essas semanas musicais acontecem, elas  simplesmente acontecem. A gente só se dá conta a partir do momento em que conta os vários momentos felizes que foram gatilhados por uma canção ao longo de sete dias. Assim aconteceu comigo: começou ao pinçar um cd ao acaso naquele emaranhado de  caixinhas transparentes que você tenta manter em ordem alfabética, de gênero musical, de vozes femininas ou masculinas, mas que não dura muito tempo. De repente, a organização dá espaço ao caos e Elis Regina está do lado da trilha sonora do filme Forrest Gump. A falta de ordem não lhe permite achar aquela música que você quer ouvir agora, mas, por outro lado, lhe propicia o tal “fator-supresa” que tanto faz bem ao cérebro. Você pode fechar os olhos e pegar qualquer um. To

Lorotas de fim de ano

  Na   bat hora do almoço em família na mesa da cozinha, meu filho começou a cantarolar “como é que papai noel não se esquece de ninguém, seja rico ou seja pobre o velhinho sempre vem”. Foi como ser atingida por um tabefe de indignação, um raio de raiva: “mas que música mentirosa essa, não?” soltei revoltada. Pobre garoto que em seus quatro inocentes anos não entendeu nada. Espero que os traumas de ter uma mãe inconformada não sejam profundos... Mas está chegando o Natal e com ele as mesmas histórias de solidariedade, fraternidade, respeito e união. A tragédia de Santa Catarina antecipou em algumas semanas o espírito natalino e magnânimos exemplos solidários se espalham pelo Brasil. Os telejornais não se cansam de mostrar como o brasileiro se une para ajudar a quem precisa. Quanta demonstração de humanidade...   Antes que conjecturem que eu sou uma destas pessoas amargas que odeiam o 25 de dezembro, vão tirando o cavalinho da chuva: eu adoro o Natal! Uma celebração maravilhosa d

Imagens da Meca

Dei um pulo em Sampa City na semana passada. Foi a primeira vez que pousei em Congonhas após as tragédias aéreas que abalaram o país. A minha minifobia de avião voltou imediatamente. As mãos soadas, a angústia no peito. Nem a tática de ler uma história envolvente deu certo. Olha que eu estava me deliciando com um conto da Diablo Cody (aquela ex-stripper que ganhou o Oscar de Roteiro Original por Juno) publicado na revista Piauí. Taí uma publicação bem legal que consegue ser intelectual sem ser pedante como a Bravo, que dá no saco com sua aura inatingível (assim como o caderno Ilustrada da Folha). Mas a história da Diablo Cody era hilária, quase me fez esquecer as agruras de estar numa lata de sardinhas no meio das nuvens. Eu ria como uma lunática. Uma cena de filme nonsense. O problema é que o passatempo acabou segundos antes de o avião começar a descer no meio do horizonte de prédios. Como todo fóbico, comecei a me torturar com pensamentos macabros tipo espero rever o sorriso meio b

Berlin - Alexanderplatz

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Há quase um mês não escrevo um texto. Assim começava a minha coluna para este blog, varando a madrugada no quarto do hotel Ibis-Mitch em Berlim. A crise de abstinência me assolou no meio das férias e, viciadamente, derramei palavras num verso do papel da reserva que estava dando sopa por ali, resgatando o sadio e obsoleto hábito de escrever à mão. Postdamer Platz Entretanto, o original se perdeu no meio da bagagem, dos mapas e papeizinhos diversos que acumulamos ao bater perna pelas cidades européias. Provavelmente meu caro esposo tenha jogado meus escritos fora junto com outros lixos sem se dar conta (assim creio para não colocar em crise o casamento). E agora estou lutando para recuperar um pouco da vivacidade do que tinha captado da capital alemã no calor da hora, ou melhor, no frio daquelas horas. Pois é, estou de volta ao hemisfério sul após 18 dias passeando pela Alemanha e adjacências. Aviso aos navegantes: um domingo só não bastará. Vem aí uma pequena série d

Ampelmann verde, ampelmann vermelho, ampelmann verde, ampelmann vermelho... (*)

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Ampelman Uma das marcas registradas da Alemanha é o respeito dos cidadãos às regras de trânsito. Pelo menos foi o que nos pareceu em Munique, Hamburgo e Berlim. Todos com quem atravessamos centenas de ruas – eu disse todos – esperam o sinal ficar verde para seguir caminho. Freqüentemente acontecia de o asfalto ficar deserto e, ainda assim, ninguém atravessava. Eu repito: ninguém. Às vezes, essa retidão exemplar nos dava a agonia típica de um povo que não está acostumado a respeitar nenhuma lei. A gente zombava um pouco da caretice dos alemães: tão quadrados, coitados. Sem jogo-de-cintura... “Autômatos inexpressivos”, como costumava reclamar Albert Einstein, ele próprio um alemão que não combinava com o gosto germânico pelas guerras e idéias de supremacia. Mas será que é idiotice fazer o que é certo, mesmo quando ninguém está olhando, vigiando, punindo? Oktoberfest Os ciclistas também paravam e esperavam o sinal específico para bicicletas abrir. Na Alemanha, existem muitas cic

Com Kafka, mas sem baratas

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Deixamos a elegante e estranha Berlim para trás e pegamos um trem rumo à Praga, a capital da República Tcheca. Os que têm mais de 30, vez ou outra chamam o país de Tchecoslováquia. Confessem, vocês também cometem este ato falho, certo? E lá fomos nós, margeados por uma paisagem de babar, seguindo as montanhas, os vales, o rio e as cidades que mais parecem burgos totalmente preservados da Idade Média. Uma delícia viajar de trem. Por que o Brasil abandonou suas ferrovias para transporte de passageiros? É um meio mais seguro, mais confortável e menos poluente do que ônibus. E como eu não gosto de viajar de avião, também é mais legal. Da janela lateral, apreciávamos a vista, esticávamos bem as pernas, andávamos nos corredores e curtíamos os sons das palavras em tcheco e alemão que ouvíamos ali e acolá. Havia um grupo de adolescentes numa cabine perto da nossa que estava no maior alvoroço, uma viagem entre amigos, tocando violão e trocando risadas divertidas. Ô tempo gostoso da leveza

Não, não é o do armário

Qual Mário já não foi vítima dessa brincadeira infame? Eu mesma conheço um Mário muito amigo meu que provavelmente deve ter sido vítima do Mário, que Mário? Aquele que...atrás do armário?É, a vida às vezes é infame e o que nos resta é falar do Mário. Não o do armário, mas do Quintana. Este Mário que nasceu no dia 30 de julho de 1906, na cidadezinha de Alegrete/RS, e se transformou num dos meus poetas prediletos. Quando soube que meu segundo filho nasceria no final de julho, torci intimamente para que ele nascesse no dia 30, o dia do meu amigo de cabeceira, do velhinho ranzinza que me dava vontade de apertar as bochechas. Rômulo nasceu no dia 27, que é o dia do motociclista, e acabo de descobrir que 31 de julho é o dia mundial do orgasmo, mas voltemos para o dia do Mário. Quem me dera lhe tirar do armário do desconhecimento que as pessoas têm da obra dele... Mário Quintana, recebeste minha cartinha de tiete antes de virar anjo Malaquias? E vocês que zombam do nome Mário já pararam

Teoria da pós-maternidade

É a primeira vez que assisto a uma olimpíada com o olhar de mãe. Bem, e o que uma coisa tem a ver com a outra? Nem eu tinha ideia até perceber que agora entendo todos os micos que os pais pagam para torcer de coração aberto pelos filhos. Solidarizo-me com eles e digo: faria o mesmo. São gritos, choros, faixas na porta de casa, faixas nos estádios... Para os que não habitam esse universo “umbilicante” da maternidade/paternidade, pode parecer apenas exagero ou vontade de aparecer. Para nós, papais e mamães, é um sentimento que aflora pelo simples e indiscutível fato de que - sempre e sempre - vamos nos orgulhar dos feitos divertidos, inocentes e vitoriosos das crias da gente. Ser mãe é algo realmente muito louco. Depois da maternidade, não consigo mais assistir a um filme-cabeça que trate de qualquer tema relacionado à violência infantil e suas vertentes macabras. E antes eu queria ser antropóloga...Muito esquisita essa mudança que me fez sair correndo de um pseudodocumentário

“Minha vida é andar por este país...”

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Nunca havia visitado o Nordeste fora do verão. É como estar em outro lugar. O estado de espírito da região nesta época de inverno é totalmente diferente. Fiquei bolada, sacou? Não? Nem eu, até conhecer Aracaju e descobrir que estar bolado é o mesmo que estar chocado, passado. O regionalismo linguístico é algo fascinante. As vivências culturais que levam uma comunidade a usar determinadas expressões...Quanta nuança a ser descoberta em cada cidade que ousamos conhecer! Fui até a padaria da esquina da rua em que me hospedei, que não por acaso chamava-se Augusto Franco. E aqui abro um parêntesis para me indignar com o ranço coronelista que ainda mostra a sua cara em vários estados nordestinos. Estas famílias que dominam a cena política por séculos e fizeram de tudo, menos melhorar a vida de seus conterrâneos. No Maranhão, o embrulho no estômago é grande com aquele ode eterno ao clã dos Sarney. Em Maceió, os Bulhões, os Liras, os Mellos dão nome a hospitais, ruas, praças, ginásios de es

Aberta a temporada de torcida pelas zebras

“Já estou de saco cheio desse papo de Pequim, Pequim”. A afirmação eu ouvi de uma colega de trabalho que folheava o jornal abarrotado de notícias sobre as Olimpíadas 2008. Eu consigo entender o “enjôo” das pessoas em relação ao assunto. Com a overdose de informação nos atacando de todos os lados, fica mesmo difícil se desligar do tema. A sensação, muitas vezes, é de enfado, tamanho o bombardeio de enfoques. Cada veículo de comunicação quer atrair por um aspecto distinto do apresentado pelo outro. Mas, se a gente conseguir abstrair um pouco do que é mais gritante, dos holofotes, podemos nos ater no que é mais bonito: o esporte em si, com toda a carga de superação e espírito de equipe que ele envolve. Eu sei que sou suspeita para defender os jogos olímpicos porque sempre fui fascinada pelo evento. Desde pequena, acompanho com atenção todas as edições. Acho realmente encantador ver aquela gente de tantas línguas e culturas diferentes convivendo num mesmo espaço, lutando pelos mesmos rec

Esse americanismo vale a pena imitar

Passei um ano e dois meses nos Estados Unidos. Não foi intercâmbio de estudante, mas me sentia como tal: livre, sem grana e sem emprego a descobrir as maravilhas da América. Meu marido sim, estava bastante ocupado com um pós-doutorado na IBM. Moramos no desbundante estado de Nova Iorque, que nem precisava ser tão bonito tendo Manhattan para ofertar, mas é. Ô pedaço de chão de tirar o fôlego! Fiz um curso de aperfeiçoamento de inglês no Hunter College e acabei amigona da professora, a very nice Mrs. Molly McGrath. Ela se encantava com os brasileiros e o tal calor humano que realmente temos e eles não. Saíamos muito, conversávamos à beça extraclasse, e com ela curti momentos preciosos da rotina nova-iorquina. Fizemos até um amigo oculto ao estilo brasileiro no Natal. A turma toda foi para a casa dela, cada um levou um prato típico do país de origem (Coréia do Sul, Brasil, Peru, Polônia...Assim é Manhattan: o mundo todo numa só ilha) e a noite foi linda e divertida. Infelizmente, não

Sobre a baixa estima coletiva

No jornal de hoje me deparo com a foto do presidente da Huyndai – uma das maiores empresas da Ásia – numa creche, vestindo um avental. Foi flagrado pelas lentes do fotógrafo ao dar mamadeira para um bebezinho. Que situação surreal para nosotros desse país tropical. O empresário septuagenário foi condenado por fraude e corrupção e, ao invés de ir para prisão, o judiciário sul-coreano determinou que ele cumprisse 300 horas de prestação de serviço à comunidade da qual ele deveria pensar 300 vezes antes de roubar. Aqui no Brasil nem isso acontece. Ninguém que tem poder vira um reles mortal pagando penitência. Ninguém com dinheiro é preso e muito menos tem de passar por essa expiação. As pessoas atropelam, matam e pagam seu crime com cestas básicas. Marcos Valério, ‘mensaleiro”, é condenado a pagar uma multa ridícula de dois salários-mínimos por se lambuzar com muita, muita grana pública. Está achando que isso é clichê? Não é não, meus caros. Eu trabalho no Judiciário e vejo

A ponta do iceberg

milhares de anos antes da existência da América o Egito já chegara à maturidade” Ahdaf Soueif Estou quase terminado um romance muito interessante: O Mapa do Amor , da escritora egípcia Ahdaf Soueif. Quando chegar à última página, terei a certeza de que não é o melhor livro que já li, mas ressuscitou, dentro de mim, a antropóloga que gostaria de ter sido. Com uma narrativa delicada, embrenhada de fatos sociais e históricos para mim desconhecidos sobre o mitológico Egito, o livro resgatou o conceito de relativismo cultural que estava ligeiramente empoeirado, coitado, pelo excesso de informação globalizada da mídia. Globalizada, uma ova! Lendo este livro me peguei matutando: serão mesmo as mulheres árabes umas pobres coitadas massacradas, violentadas em suas liberdades, seres inferiores para seus homens? Antes que me tachem de simpatizante do nazismo e de outras ideologias hediondas, informo que sou contra qualquer tipo de tortura, degradação e aniquilamento da espécie humana, sem

“Onde há escola, há esperança”*

O Brasil é mesmo um país surreal, ou como definiu Luís Fernando Veríssimo em várias de suas crônicas sobre os problemas brasileiros anacrônicos, um país “além da imaginação”. Viver num lugar que supera nossa capacidade de compreensão não é mole. Meu coração está na garganta desde a manhã de hoje, quando fui prestigiar a festinha de encerramento da escola do meu filho mais velho. Não é novidade para os que acompanham esta coluna que Tomás frequenta o Jardim de Infância da 303 Sul, ou seja, ele estuda na rede pública de ensino. Não foi uma decisão fácil apostar nosso tesouro, o bem maior de todo pai e mãe, e matricular nosso pimpolho de cérebro aberto para o mundo numa “escola do governo”. Agora, ao final deste primeiro ano, não poderíamos estar mais satisfeitos e orgulhosos de nossa escolha. Os preconceitos que envolvem a escola pública são tantos que a família de classe média não consegue enxergar o que acontece na ponta do nariz. Nem pára para olhar da janela do apartamento o que