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Mostrando postagens de 2022

Rutilos

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Recesso Amplidões… Tempo largo andante rutila. Fatigada, não tenho nada a dizer aos calhordas. A madrinha falava: o mais triste em envelhecer é se despedir das referências, dos amigos e de parentes valiosos. Viveu até os 94. Enterrou todos os irmãos, exceto a caçula, que pouco durou após. Recomeça o Verão. Deixemos as reminiscências pausadas. Descargas elétricas urgem Arritmia. Salgada A volta à infância que a praia proporciona. Eterna nostalgia de uma Kombi em direção ao mar entre curvas e montanhas. Todos os verões deságuam no Atlântico. Se não, a incompletude da estação. Acomete-me a saudade salgada das conchas que não encontrarei, das ondas que não temerei. Areia arranha lentes, pele arde ao fim da tarde. Cabelos emaranhados sargaços. A praia adentra os orifícios lega seus resquícios. Indícios de uma vida entregue ao sortilégio dos búzios.

Resoluções

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Outras palavras outras paradas probabilidades Outros pactos outros palcos proximidades Outros palácios outras palafitas perplexidades Outros projetos outros processos possibilidades Expanda o diafragma, libere os alvéolos pulmonares reprimidos, suspiros contidos. Inspira profundo... Solta o rugido do leão raivoso. Você, rainha de sua floresta asfáltica. Feche as costelas, aprume as costas doídas. Finda o ano. Os sonhos, não.

Missiva

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Saudades, vovó Paula! A senhora iria aprovar os grupos de trabalho do novo governo. Pessoas muito capacitadas e competentes, sabe? Acabou-se aquela vulgaridade que tanto lhe incomodava nas notícias diárias. Também estaria orgulhosa do neto primogênito: Bruno entrou para o mestrado na UnB. Mais um pós-graduado nesta família de cabeções. Ah, teria amado o recital de formatura de Romulito. Ele todo chique de colete e de gravata do vovô Agenor… Seus amados compadres Elieze e Sebastião prestigiaram o evento e tornaram a tarde ainda mais bonita. Tomás está ótimo, enturmado e feliz no segundo semestre de Economia. Tal pai, tal filho, foi selecionado para a empresa júnior da Faculdade. Acho que vai longe e para longe em poucos anos. Preciso dizer que Bernardo segue descabelado (para a sua exasperação). Apelei para a sua clássica frase: "você não se respeita?" ;) Clarissa Clave de Sol está com uma franjinha assim como eu. Articulada e espoleta daquele jeito, me contou que o tema da fe

Personas

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                                                                                                     "Entender é sempre limitado". (Clarice Lispector) Enigmas enigmáticos: se tudo é relevante, nada é relevante razoável duração do meu tédio analogias e contra-analogias arcabouços substanciais superam os precedentes e afastam sua aplicação desvirtuação da distinção equívocos terminológicos confundem a tese com a ideia. Um passo além sem amadurecer o passo atrás pode gerar graves problemas: efeitos retrospectivos ou prospectivos (como trabalhar as perspectivas?) Exigem (de mim) debate aprofundado a fim de não descompensar o sistema modular temporal, subjetivo e territorial do (meu) microssistema: a estranha no ninho espiã, impostora vã. (Há mais questões do que respostas)

Difusos

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A radiância do dia atordoa límpida, liberta, abstêmia de enevoamentos.  Um clarão de certezas  oprime os de abaixo (deste anil absoluto), carregados de existência. Prelúdio e fuga Tocata e fuga Fantasia e fuga Pra onde tanto foge Bach e o menino acalantado em caraminholas de dós, fás, sóis? Viaja dentro da composição  partitura urdida na manhã  viva, na noite, morta. Partida para longe.   Chove na tela Chove na rua  Rasga os tímpanos o estouro do trovão. A onomatopeia da água em atrito com os pneus shhiiiiiii, mantra, shiiiiii, tantra. O flash fotografa a sala num clarão Pingos sussurram entre folhas pássaros saúdam a umidade. A paisagem hiberna Domingo oco poema mouco.  

Heterogêneas

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Indefinida, indeterminada, insípida, inodora, incolor. Transcendência e transmutação para o estado líquido. Corredeira, cachoeira, não! Íntimo, ínfimo: na poça                                                                          [que possa espelhar um universo além da (bi) dimensão. Gal Fenomenal. Gosto de Gal Atemporal cantando Djavan: Açaí, Topázio, Azul, Nuvem Negra (outro dia mesmo sugeri a canção num post do FB). Gosto da Gal Fatal, cantando malditos benditos: Vapor Barato, Negro Amor, Como dois e dois, Pérola Negra, Imunização Racional. Gosto da Gal Divinal, cantando Vaca Profana, interpretação definitiva. Gosto da Gal da Festa no Interior, de quem mostra a cara e os peitos no Brasil de Cazuza. Gosto até da Gal que me lembra férias baianas, com sua Chuva de Prata caindo sem parar em todas as estações de rádio da adolescência. Evidentemente, a Gal Plural de Baby, de Dom de Iludir, de Meu Bem meu Mal e de Sua Estupidez é magistral. Me identifico com a Gal Surreal de Não Ident

A poesia do detalhe

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Dias atrás li um post que dizia que as garotas feias na adolescência ficavam bonitas na vida adulta, e aquelas da turma das gatinhas da escola acabavam grávidas adolescentes. Eis uma afirmação nua, crua e terrível capaz de abarcar muitas das minhas vivências e de outras gurias nos antigos ginásio e segundo grau. As que não se encaixavam nos estereótipos, sofriam bullying . As consideradas atraentes, eram vítimas de assédio sexual - inclusive por parte de professores - muito antes de qualquer maturidade física e emocional. Na galera do Scooby-Doo, nunca estive do lado da Daphne. Sempre me identifiquei com a Velma. Acho que foi uma maneira saudável de me preservar daquele ambiente hostil onde as loirinhas de olhos claros e as branquinhas de beleza modelo europeizado eram elevadas ao status de deusas. Hoje, os conceitos estéticos andam bem mais flexíveis, ufa! Ainda não chegamos ao nível ideal, evidentemente. Somos um país mestiço e preto que segue reverenciando um Jesus nórdico, a pele b

Cantiga

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Nem tudo são lástimas e penas. Há o amor da noiva que se casa num domingo de primavera e, na segunda, distribui bombons de morango aos colegas. Há o amor de um cão por outro cão. Amor de amigos que se reencontram após considerável hiato. É o genuíno afeto entre duas crianças pequenas que se tocam, se olham e sorriem uma para outra, num reconhecimento tátil-olfativo mútuo. Há ainda o amor deste cão para com o seu tutor. Amor que sofre ao ser deixado sozinho, no mesmo átimo em que se alegra e esquece a dor, ao se colocar ao alcance de um carinho. Há o amor do leitor que fala com admiração do escritor, antes que esse se aproxime. Há o amor natural das folhas verdinhas, renascidas da longa seca. Há o amor das cenas prosaicas, dos ouvidos atentos. Da cantiga de roda que emana da escola pública colorida e bem cuidada. Há o amor celeste dos que têm fé e o amor terrestre dos que caminham de mãos dadas. Desconfio que haja muito mais amor no mundo, embora a atual escuridão nos delimite.

A vida (como ela não deve ser ) em dois episódios

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As camisas da seleção de futebol tremulam ao lado das bandeiras, nas entradas de várias superquadras, as esquinas de Brasília. Domingo quente, falta chuva e já é outubro. O dia estala. Tem esse modelo em azul, tamanho P adulto? As amarelas, neste momento, estão fora de questão. Tem, sim. Eu também sou Lula. Meu marido é bolsonarista, mas eu fui votar no primeiro turno de camisa vermelha e disse: Você tem de me respeitar! Que bom ouvir isso! Meus filhos já gostaram de vestir a camisa Canarinho, mas agora não querem ser confundidos com bolsominions. Triste um país refém de símbolos nacionais sequestrados por facções criminosas. Pois é, como ser Bolsonaro? Eu sou enfermeira em Santa Maria e, na pandemia, tudo o que eu fazia era baixar corpos. A gente trabalhava sem condições, sem material de segurança. Num único dia eu baixei 20 corpos, 20 corpos. E ele vim falar que era gripezinha? Não dá! Domingo de novo. Agora nublado, úmido, grávido de expectativas densas. O caçula me acorda de um son

Imanência e transcendência

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                                                                                           “Cada homem em sua noite parte em direção à sua luz”. (Victor Hugo) Tenho sonhado com casas, com espaços familiares de convivência, com plantas nos jardins. Maior a solidão, mais elaborada a imagem do aconchego. Desterrada, destelhada na vida. Amparada, abraçada no devaneio. Alma de choupana, pau a pique, se resfolega na serenidade das lombadas de livros ao redor, num cômodo com tapetes iranianos libertos, tapeçarias medievais idílicas, grafites de OSGEMEOS. Janelas imensas com vista para a serra, pés descalços na grama, mãos na argamassa da alegria. O banheiro tem uma luz natural que cai enviesada sobre a cerâmica pintada com peixes azuis. Mamãe aparece sem avisar como sempre. Me divirto. Cadê vovó Paula? Ainda não veio... A sobrinha se aninha ao meu lado, calorzinh

Brechó também é cultura

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Zapeando pelo "Coisa e Tal", ouço uma mocinha de cabelos grisalhos papeando com alguém na cabine de provas: Acho que esse está bom para o dia D. Será que vou ter de subir ao palco? Você lembra, no ano passado, a Lu Barreto ficou doida com os meus sapatos? Interrompo a conversa de amigas unidas delas. Luciana Barreto? Eu conheço a Lu, também sou amiga dela. É, parece que eu te conheço também. Você já foi no Sebinho? Claro, muitas vezes. Meu nome também é Luciana. Luciana Assunção, e eu também escrevo. Eu sou Valéria! Dia D. é o Dia do Drummond? Isso. Mas dessa vez será no no início de novembro, dia 3. A amiga escondida pela cortina do provador entra em cena: Luciana, tudo bem? Oi, reconheço Eva e lhe dou um abraço. Ué, vocês se conhecem?, pergunta Valéria. Eu sigo ela no Instagram e adoro. Você já publicou? Valéria quis saber. Sim, meu primeiro livro saiu em 2019. Por qual editora? Confraria do Vento, do Rio. É de poesia? Segue, Valéria. Não, de crônicas. Ah, adoro crônicas.

Dos lagos à Serra

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Armação Neste chove, não molha mormaço 'muguengue' (dizia Maria) sargaço tempo. 'padinha, pastel, têm. Barquinhos de papel sombreros amarelos na falta do Sol têm. Quioscos hermanos moluscos búzios oráculos africanos (também têm). Quebra: molas ossos ondas vão. Sambaquis sambas santas vêm. Muvucal Gaivotas e urubus compartilham peixes e pedras numa versão brasileira de Ebony and Ivory. Ao longe, um bando de garças se espalha pela restinga. De perto, desfaz-se a miragem: é uma única garça rodeada por sacos plásticos. Ainda há um caminho tortuoso a percorrer… A caatinga fluminense é uma vegetação de clima semiárido que ocorre nos municípios de Arraial do Cabo, Armação dos Búzios, Cabo Frio, Iguaba Grande, São Pedro da Aldeia (Região dos Lagos), no estado do Rio de Janeiro. A paisagem apresenta cactos gigantes, arbustos retorcidos e pequenas flores. Eu gostei. Mar e sertão juntos, lado a lado. Não precisa um se transformar no outro como na maldição do Conselheiro. A cor do ocea

Semillas

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O silêncio é branco, a junção de todas as cores ruidosas transformadas em pétalas de uma flor pálida. Quanto maior o estresse hídrico, mais bela é a resiliência das árvores do cerrado. Já a minha, claudica: há dias nos quais acordo como se estivesse no céu (morta). Noutros, estou no paraíso, evoluída, enxergando a manhã com olhos límpidos, fazendo uma rota diferente para o trabalho com o intuito de sentir o vento no rosto e de crer na possibilidade do encontro com imagens significativas a salvar no baú das retinas (fatigadas sim, porém com lampejos de rebeldia infantil). Uma canção no rádio me revolveu as entranhas ancestrais fictícias ou reais, pouco importa. Processos de identificação não são imperativos biológicos. A alma voou até os Andes Mágicos, onde deixei o par de botas verdes. “Yo soy el hijo del altiplano* Descendiente de Manco Cápac Vivo en el cielo, vivo en el lago Donde navega el Sol En tierras profundas como alma de serpiente voy Surcando entre la muerte para llegar alt

Madurez

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"Leia, leia, leia. Leia tudo – bobagem, clássicos, bom e ruim, e veja como são feitos. Assim como um carpinteiro que trabalha como um aprendiz e estuda o mestre. Leia! Você irá absorver. Então escreva. Se for bom, você descobrirá. Se não, jogue pela janela". (William Faulkner) Sei que já falei disso por aqui, “mas quais são as palavras que nunca são ditas?”, avisa o trovador solitário. Para quem tem certa aversão à rotina parece um paradoxo repetir experiências e temas, porém a alma humana é este contraditório presságio entre ser e estar, sumir e ficar, reter-largar… Existem as comfort foods e também as comfort readings, ora se não. Lya, Lygia, Luciana. A tríade terrível de eles (quem me dera). Retifico: a dupla de ipsilones talentosa. Sei que a Lya se tornou escritora non grata pelas obviedades de sua coluna na revista Veja. Quem não se vendeu - ao menos um bocadinho - ao sistema que atire a primeira pedra. Ciente estou de que a gaúcha era meio direitona, se arrependeu de el

Poeme-se

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Há uma certa má vontade com a poesia, sem dúvida. Muita gente diz não curtir o gênero: não lê, não vê sentido, acha que é coisa de intelectual… Poesia realmente não busca sentido além daquele de provocar sensações. A primeira vez que li algo de Manoel de Barros foi numa revista de circulação semanal. Tratava-se de um anúncio de página dupla (não tenho a menor ideia do que a publicidade queria vender mais). Faz muito tempo… Minha sogra ainda assinava a revista Veja e as suas páginas amarelas eram referências jornalísticas de entrevistas de qualidade. “Poesia não é para compreender mas para incorporar Entender é parede: procure ser árvore”. Por outro lado, me lembro muito bem do alumbramento que me tomou aquela frase. Impacto. Que definição perfeita para algo tão abstrato! Afinal, poemas não almejam mais do que serem abstrações, surrealismos, viagens espaciais imaginárias em formato de versos. Marc Chagall recebeu a alcunha de “poeta dos pincéis”. Seria o mesmo que dizer Cecília Meireles

Zoobotânicos

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Afã Não tarda  a tarde finda ainda. Deserto em pó espiralado em redemoinhos pensamentos aleatórios ruminam. Os olhos lacrimejam de saudade da chuva mas o caminho de nuvens não chega a relâmpago algum. As árvores do tipo ouriçadas querem fazer cócegas na lua: acender um desejo, beijo molhado.  Fosforescente  Uauás  voláteis araçás tupi-guarani alumiando os sertões. Vaga-lumes agrestes boitatás, ciprestes em fogo, pirilampos: pirulitos  de luz. Fachos estelares coriscos  (das visitas) fugazes. Raios, aquíferos fosforescentes luminescentes feixes entre Leão e Peixes.

Cânones

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(Derivações a partir da letra de Queda d'água/Caetano Veloso) Cresci na roça. Havia a “cachoeira da fazenda”, assim especificada, e a estrada até ela parecia distante a pé para as pernas curtas das crianças. De fato, eram quatro quedas d’água, mas apenas uma morava na raiz do coração. Mato, carrapato. O céu preto com pontinhos brilhantes, constelando exuberantes. A Via Láctea espessa como o leite do curral. Na terra, aprendi a contemplar formigas, pedras, vacas, cavalos no pasto e penetrar na solidão das deidades. (Derivações  a partir da letra de As Vitrines/Chico Buarque) Deambular pelas ruas da metrópole sozinha, alheia, andarilha. Fixar o olhar nas vitrines, cansar os pés, sentar no banco da praça mal cuidada. Chiaroscuros dos prédios gentis ou hostis. Sombras de pessoas hostis ou gentis. Foi em São Paulo que a cidade me mostrou a totalidade da contradição: sim e não. (junção das respectivas derivações) Rural e urbana dicotômica, telúrica. Trafego no vazio de um céu estrelado

Mentoria

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Na casa dela, o fogão se chama Vesúvio; a geladeira, Frida e a máquina de lavar roupas, Apolônia, “pois é nome de matrona, não acha?” Janjan é uma criança imaginativa e uma vovozinha travessa ao mesmo tempo. Entrou na minha vida por vias oblíquas e trouxe tanta personalidade, que não sei como consegui existir sem o frescor de suas ideias por quase meio século. O esconderijo da garota miúda fica na superquadra das árvores e das mulheres anciãs significativas e autênticas. Perto dela, esqueço que sou uma jovem senhora e viro jovem pupila, atenta para sorver a magia de alguém com profundidade lírica imensurável. Ela me diz: “não me canso de seus contos”. Respondo: poeta, acho bonito você chamar de contos o que eu escrevo. Tô mais para contadora do que para contista. E ela tem o livro com a capa dos fósseis de peixinhos à mão, ao lado da televisão. “Sempre volto a eles. Não tenho mais paciência ou cabeça para os romances cheios de personagens. A memória está por um fim e ontem já é antigam