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Mostrando postagens de março, 2018

As frutas da discórdia

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Ontem, à mesa de sobremesas do self-service do Clube da Aeronáutica (muito bom e com preço honesto), estava a pegar morangos e fatias de abacaxi (comportadíssima, em face das suculentas tortas de chocolate que se apresentavam brejeiras aos comensais). Atrás de mim, uma menininha esperava comportadamente que eu me servisse.  Devia ter uns sete, oito anos. Terminei minha parte e ela começou a colocar pedaços de manga e morangos no pratinho, mas foi interrompida abruptamente pelo próprio pai:  - Não pega fruta, não!  Ela se recolheu, murcha, enquanto eu paralisava diante de ordem tão absurda. Não me contive, bocuda que sou desde sempre:  - Deixe ela pegar fruta! Acho que é a primeira vez na vida que vejo um pai falar para o filho não comer fruta...  Ele ficou sem graça e tentou consertar o mau feito:  - Ela já comeu muita fruta pela manhã.  Todavia continuei tentando educar o filho de outro:  - Mas fruta a gente pode e deve comer mais de uma v

"Déficit Civilizatório" é eufemismo para buraco negro civilizatório...

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Senta, que lá vem textão! Quando rolou esse lance de intervenção no Rio, achei interessante ser no Rio porque o Rio é para o Brasil o que a cidade de Nova Iorque é para os Estados Unidos: eldorado, mitificação de liberdade, beleza, aventura, tesão. Ainda que doente, podre e violento, difícil encontrar um brasileiro que não ame o Rio ou não tenha o sonho de conhecer suas paisagens e seus homens e mulheres vaidosos e gostosos. As novelas, os filmes, os telejornais. Tudo trabalha para glorificar e horrorizar a capital fluminense. O fato é que somos ‘Riocentrados’ desde a vinda da família real portuguesa para a baía de Guanabara. A massificação carioca promovida pela Rede Globo e as elegias sem fim de músicos e poetas se encarregaram de sacramentar nossa devoção ao “Rio 40 graus, purgatório da beleza e do caos”. Mas, não vem ao caso agora debater a inteligência acima da mídia. E antes que pensem que não gosto do Rio, repensem. Eu achei que a intervenção (proposta nas coxas c

Proibido não ler

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Se existe alguma serventia em fumar é a exigência atual de que se trague longe de todos, segregado, de preferência ao ar livre, de cara para o léu. Coitado, um viciado, precisa de seus minutos fora das quatro paredes corporativas para dar baforadas brancas como as nuvens, porém fedidas como... escapamentos? Vá eu dizer que sou viciada em conferir o céu da hora para ver se tenho chancela de sair duas, três, quatro vezes da sala para apreciar o horizonte? Nananinanão... Mas não me importo. Vagueio entre os  parcos fumantes escorados nas pilastras, sentados nos cantinhos à sombra e tiro minhas fotos. Porque vício, mania, comichão, paúra, larica, TOC só a bailarina que não tem (eis a razão porque voltei às aulas de balé). Mas não deixa de ser um pouco solitário e triste (perceba que não acho que ser solitário é ser triste), a vida de fumante. Antes, ninguém fumava só. Hoje, é de lei. É legal ver que as campanhas de conscientização têm feito um trabalho de persuasão efi

A força do vínculo (ou a fotonovela de um HC)

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Há alguns anos não acompanhava uma sessão de julgamentos do STJ. Todavia, se a História está sendo escrita perto de você, convém participar. Cheguei 20 minutos antes do início dos trabalhos na Quinta Turma, mas a sala já se encontrava apinhada. Convenhamos, não poderia ter sido de outro modo: ali seria decidido um pedido de habeas corpus em favor do ex-presidente da República e atual candidato à canonização: Luís Inácio Lula da Silva.  No caminho para a sessão, a horda de jornalistas aguardava com aquele frisson típico dos colegas. A parafernália de laptops, teleobjetivas e smartphones tomava conta do ambiente. Dentro da sala de julgamentos, não era muito diferente. Lotação esgotada. Porém, o segurança me deixou entrar e pegar a última poltrona vaga. Ser servidora da Casa tem de ter alguma vantagem nessas horas de espetáculo. Do meu lado esquerdo, um repórter-bebê do Correio Braziliense. À direita, um repórter que devia ter a minha idade e que descobri vir a ser

Chiaroscuro

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Quando se pensa que não é possível amar ainda mais o céu da cidade, ele mostra que segue onipresente e onisciente da atração que exerce.  É uma técnica que a arte renascentista já dominava: o chiaroscuro . O contraste entre luz e sombra na representação de um objeto. Niemeyer, que era um cara mais esperto do que eu, sacou que podia utilizar a ideia na arquitetura. Ele, lá na década de 50/60, criou túneis, passagens de nível e subsolos que sempre odiei. Uma capital plena de superfície, com amplidões de Guimarães Rosa, por que raios de tantos buracos de tatu?  Teve de chegar o século 21 e a experiência de toupeira nas catacumbas do Tribunal para talvez começar a compreender que o arquiteto (pretensão minha, teoria minha, quanta arrogância) pretendia valorizar o céu sem limites, os horizontes eternos do planalto central. Porque depois de cada escuridão, alcançar a iluminação é imprescindível. Saia do breu de corredores estéreis para o Sol que tudo fará mais sentido. O que