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Mostrando postagens de janeiro, 2023

Erupções

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"¿Para qué hago versos...? Para que sepáis que bajo mi nieve palpita un volcán" (Vicenta Castro Cambón) Uma mulher aderna, não afunda. Seu corpo canoa larga  equilibra-se entre os remos, pés carcomidos. A canoa ginga esquerda-direita, direita-esquerda. No rio-vida-caudaloso-extenso a canoa singra sem pressa: malemolente persistente.  O corpo balança gangorra no tênue equilíbrio entre pesos direita-esquerda, esquerda-direita. Pendula, existência móvel, inquieta.  Uma mulher é toda ela natureza. Terra firme, rija madeira de lei. Os desejos, voláteis, estes não têm cais.    Veranico Descasco  um continente se forma no braço,  placas tectônicas.  Cordilheiras afloram… Pele rebelada despelada  marca a superfície.  (A)pelo ao breve verão desanuviado, em flerte com o rei Sol. Descobrir um poeta no dia de sua morte* Dele ou sua, desimportante.  A ordem da descoberta dos versos não altera o deleite. Malas prontas, alas organizadas, viaja-se em paz para dentro da gente. Poesia redime.

Júpiter em Sagitário

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Os mapas natais e estudos zodiacais dizem que os piscianos são suscetíveis ao vício. Não me enquadrava nesta ‘fraqueza de caráter' até me dar conta de que não bebo, não fumo, não tenho religião, porém preciso intensamente de novidade na vida. Admito a dependência crônica da surpresa. Enfado, o grande vilão dessa mulher. Talvez fosse mais inteligente se eu fumasse, bebesse e frequentasse grupos de oração. Certamente me sentiria mais confortada, parte do todo, inserida no contexto, essas coisas que as pessoas normais (sem nenhum demérito a elas) experimentam. Eu não sei o que é isso. Ser livre, destituída de penduricalhos existenciais como um ovo frito. Adendo: meu paladar é bastante óbvio. Adoro ovo, arroz com feijão, carne moída com abóbora. Comidinha de casa mesmo, sem malabarismos. Mas falou em rotina... Só de escrever a palavra me entedio fartamente. O tal dia–a-dia, sei lá, me cansa. Podia ser um dia, pular quatro, anoitecer primeiro, amanhecer depois. Lua azul, sol roxo.

Meio Adélia, meio Manoel

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Roça a roça no peito. O chão ancestral alcançava os pés dos morros. O rio passava lá embaixo. As vacas pastavam lá embaixo e seguiam o chamado do curral ao fim da tarde.  Havia uma mangueira às margens da varanda. Mal se divisava o rio  umidificando o vale de cerrado bruto. Dona Maria preta com o lenço alvo na cabeça, engomado a ferro de carvão. Na bica, se acocorava para arear as panelas pretas da lenha do fogão.  Patos e pintinhos amarelos. O sol e o ipê também eram amarelos.  Jesuíno, o vaqueiro, tinha muitos filhos. O mais bonito, João Batista, atiçava os pensamentos da menina-moça.   Matava-se porcos com uma estocada abaixo da pata dianteira esquerda.  O grito atravessava o coração e o fio de sangue escorria pelo terreiro  sem drama algum. Existência natural.

Dos filhos e da cidade

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Observo a geração que não vê diferença entre o real e o virtual alma alimentada de telas e de imagens, imperturbável. Quem se melancoliza sou eu. Cultivo encontros e paisagens ao alcance do toque. Atritar o cascalho, sorver o odor de nossa humanidade. Vídeos e áudios, sentidos elementares. Paladar, olfato e tato refinam a percepção. Sutis, alcançam camadas densas. Não suporto a previsibilidade da superfície. Às vezes me sinto como uma médium: percebo a presença dos filhos jovens dentro de casa. Eles estão, mas não estão. Fantasmagoricamente, ouço o bater de portas e áudios distorcidos; músicas clássicas e pops dos anos 1980; vejo pratos sujos sobre a mesa e toalhas mal estendidas no banheiro; apanho papéis de chocolate que não comi caídos ao chão. Entretanto, ainda não consigo fazer contato com as entidades, sabe?   Moderna, cobiça o barroco. Concreta,  clama pelo adobe. Planejada,  toma ares artesanais  do ferro fundido. Cálculos estruturais almejam a taipa. Coluna Corbusier  sonha An

Diálogos Avulsos

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Costas quietas eretas eriçadas intencionadas a galgar  a escala da serena resistência. As asas demandam. Oratório fé repositório algar confessionário lapa relicário útero abrigo gruta úmida vulva desejos conjurados. Hemoglobina hemácias veias abertas sangue nas veias laços de sangue sangue novo vibrantes romãs ardentes rimas de esperança em brasa país vermelho de batismo braseiro vermelha carne corada urucum nativo.