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Mostrando postagens de agosto, 2023

Saudades do que já passou...

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Ontem, 30/8, foi aniversário do irmão primogênito: 68 anos. Numa conexão telúrica daquelas que desconfiaríamos: mentira!, começou a tocar  "Have you ever seen the rain?" no rádio, a caminho do trabalho. Ricardo Do meu irmão mais velho, guardo quatro nítidas lembranças. Ele e sua moto: montada, desmontada, montada, desmontada...Zoando no corredor cheio de latas de lixo. Ele e Lobsang Rampa: “Entre os Monges do Tibet, “A Terceira Visão”... experiências metafísicas no esconderijo. Ele e seu quarto: desordem de materiais e de pensamentos. Na vitrola rolando Credence Clearwater revival e Bob Dylan. Um Tim Maia do Planalto Central que comprou o LP Vaca Profana da Gal. Gostaria de ter conhecido meu irmão mais velho. Falar que eu achava ele o cara mais alternativo do universo. Um cabelo que não via pente, um corpo gordo indecente. A gente poderia ter trocado figurinha e ele hoje saberia que levo comigo alguma coisa do pouco que ele me deixou experimentar. Meu irmão mais velho, “I wan

Lost in translation

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ParaKarlola amada, Acho que as cartas são o veículo perfeito para as confissões. Então aqui vou lhe contar segredos da viagem à Grécia. Hoje vesti nossas saias-gêmeas e me lembrei da tentativa de tirar fotos bacanas de nós duas como espelhos uma da outra. Acordei nervo exposto, saudosa do que já não volta. Calcei minha sandália nova, confortabilíssima, meio troiana gladiadora, vibes helênicas. O edema no entesófito do glúteo mínimo segue com o seu incômodo latente. Será para sempre? (só para rimar, deus me livre!). Pois bem, as fotos gêmeas siamesas não vingaram. Me achei enorme de gorda em todas elas. Os peitos fartos pulando do seu delicado bustiê de crochê que você insistiu que eu usasse. Sei que você já me cobrou os registros e eu despistei. Sei que tenho trauma de mamas superdesenvolvidas. Pedi ao cirurgião que me deixasse despeitada como a Nastassja Kinski, mas ele se recusou: tá louca? Hoje, a saia florida rosa (a sua é verde) está mais folgada. Perdi medidas, o que é ótimo. Est

A mulher de 30 anos (de formada)

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Direto do túnel do tempo … Por Freddy Charlson … De repente, olhei para o fundo do Maiorca Bar, no extremo norte do quadradinho, e vi um lindo trio rindo, tomando bons drinks e de olho em tudo. Cacau, Rachel Mello e Luciana Seraphim Medeiros, a Regina George. Pareciam estar na Praia da FAC/UnB no intervalo entre uma aula de Teoria da Comunicação e outra, de Realidade Brasileira. Estavam felizes. … Me juntei ao trio. Eu estava feliz. … Durante horas, voltamos no tempo. Sentamos no banco ao lado do Orelhão, descemos as escadas rumo ao Laboratório de Fotografia, entramos no Centro Acadêmico, o Cacom (ou o New Cacom, vídeo que eu e Ricardo Makoto capitaneamos em outra vida). E até fomos ao estúdio de rádio. … Voltei no tempo. … Voltei no tempo ao ver os inseparáveis Bruno-Dri, Guber-Lu, Ruivo-Nalu, Marcelo Birita (o Capa), Capim, Andrea Mesquita (parceira na concepção das incríveis Ana e Raissa) assim como Wladimir Ganzelevitch Gramacho (se eu precisar editar este texto vou começar por

Rodins

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Menino de rua Nascido do murro Faz da Lua Seu quarto escuro (Renata de Alcântara Stuani) Os pensadores de Rodin são tantos, porém, não filosofam aos moldes franceses. São brasileiros, cabisbaixos, temerosos do dia seguinte, não do amanhã. O futuro não lhes interessa, apenas a hora próxima, as dívidas, o ônibus lotado, a ameaça da fome. Desempregados, desalentados. Os pensadores de Rodin no Brasil se deixam corromper pelo banzo do que nunca experimentaram: dignidade. Podem ser vistos abaixo das marquises, encostados aos muros caiados, em franco contraste com a imundície dos próprios corpos. De cócoras, seguram suas cabeças pesadas de presságios, enevoadas de álcool, embaçadas de cola. Às vezes estão de alma limpa. Às vezes cometem crimes sob o efeito estupefaciente, estupefatos com a insensatez deste país, “subtraído em tenebrosas transações” sob o comando de quem deveria honrá-lo. Simples desejo Espero estar nas áreas isoladas onde as chuvas cairão neste domingo. Nas áreas onde as chuv

En-ga-tes

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Hífen Tudo é brinquedo. Tudo é brinquedo antes da descoberta da tristeza. Ontem, tempestade de areia lusco-fusco ao meio-dia palavras partidas, farelos de bo-la-cha. Hoje, ventania cabelos selvagens cavalos libertos galope. Infância não tem cabresto. Miolo Engato paquero enrosco azaro. Conexão comunhão entrosamento afin-idade. “Coração americano Acordei de um sonho estranho Um gosto, vidro e corte Um sabor de chocolate No corpo e na cidade Um sabor de vida e morte Coração americano Um sabor de vidro e corte”... (Milton Nascimento/Fernando Brant) Sim, acordei. Insone quando sonha é de muita valia. Todos em alerta máximo: a pandemia iria retornar no próximo ano. Voltava de viagem, vovó Paula à janela de madeira da sua amada casa na QI 17 do Lago Sul, tal como ficava presa à janela do apartamento da 108 norte, no auge da paranoia pandêmica. Netos e filhos lá embaixo, único encontro real possível por tantos meses. Conversar gritada, não diálogos, entre uma anciã quase surda e os seus ent

Eu posso estar morrendo, mas a crônica, jamais!

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Gosto de fechar os olhos Fugir do tempo, de me perder Posso até perder a hora Mas sei que já passou das 6h… (Herbert Vianna) Não perdi o hábito de ouvir rádio no carro. Não cai na tentação das playlists para o dia a dia no trânsito. É bom ser surpreendida por canções há muito não tocadas. E também mudar de estação quando rola aquele jabá chiclete que, de cinco em cinco minutos, explode nos altos falantes. Hoje foi um dia no qual dirigi mais do que o habitual. Estive no Lago Sul, cruzei da Asa Sul até o fim da Asa Norte, o trajeto das tardes de quarta, retornei para a Asa Sul. Não é nada comparado com o que a maior parte dos motoristas enfrenta diariamente, se não estão no Plano Piloto. Mas fico cansada, pois sempre preferi navegar a pilotar. Por outro lado, escutei vários versos boníssimos de nossos MPB/rock como Cheguei a tempo de te ver acordar Eu vim correndo à frente do sol Abri a porta e antes de entrar Revi a vida inteira. É quando eu me encontro perdido nas coisas que eu criei E

Ousadia

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Era uma vez um corpo trôpego, desconstruído, exaurido de noites insones. Um corpo acordado que sonhava balés Posturas exatas, pianos de cauda. Era uma vez um corpo que deseja leveza de ninfa, equilíbrio das garças numa perna só. Mas o corpo é um pouco troncho. Cai, tropeça, quebra cotovelos, torce os pés. O corpo quer apenas ser estável. Caminhar descalço sem incômodo. Era uma vez um corpo que almeja rios fluidos, cachoeiras densas e transparentes, simultaneamente. Um corpo planador, indolor. Era uma vez um corpo ousado. Bora? Prima harpista radicada em Zurique e primo clarinetista ainda em Brasília, pela primeira vez compartilhando o palco do Teatro Levino de Alcântara, na Escola de Música de Brasília (EMB), num recital gratuito e singular! Te vejo lá!

Concretude rima com finitude

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As casas são projeções idílicas ou megalomaníacas dos nossos desejos. Sigo passeando pela intimidade alheia, às vezes já destituída de alma, mas as impressões do que ali se viveu persistem. Dentro de uma casa, a gente consegue captar o cômodo xodó, a essência de quem a habitou e também o que não lhe era mais importante. Piscina aterrada por concreto, jardim abandonado, cubículos escuros, paredes brancas… As casas podem refletir a esquizofrenia de cada família. Decoração destoante com a arquitetura; espaços sem personalidade alguma, impostos por arquitetos da moda ou cantinhos abençoados com a mais pura honestidade dos moradores. Os corretores devem ficar intrigados. Enquanto o marido anota todas as informações pertinentes, a esposa se entretém nos detalhes inúteis: que muro bonito! Adorei esse recorte da luz; plantinhas felizes, hein; maçaneta bacana… Ele segue o vendedor e as funcionalidades; eu perscruto a pessoa que, nalgum dia, deu vida àquele patrimônio: o senhor é mineiro? Quem t