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Mostrando postagens de agosto, 2019

Caudalosa

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Desci na estação Uruguaiana, centrão do Rio. Ao subir pelas escadas o céu estava entre o azul e o cinza. O formigueiro humano me atingiu como um ataque coordenado. Estaria evidente que era brasiliense burguesa no meio do Saara? Deixei para lá, me fundi. Comecei a olhar todos aqueles sobrados decadentes e arruinados lindos e desejei uma revitalização imediata daquele coração da cidade alquebrado pelo descaso.  São Sebastião do Rio de Janeiro seria ainda mais inesquecível se lhe respeitassem como uma anciã detentora dos saberes ancestrais da etnia Brasil.  Olhei para o lado e no fim do beco havia uma fachada barroca monumental. Não resisto ao apelo das igrejas. Elas estão nos meus poros, no meu subconsciente infantil desprotegido.  Que nave! São Francisco de Paula. Rococó exuberante de 1865, inaugurado pelos imperadores Dom Pedro e Teresa Cristina.  Caminhei mais um pouco pelas ruas de pedra e lá estava o Real Gabinete Português de Leitura, desejo antigo enfi

Follow that cat

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Gatos podem passar a vida inteira aquartelados num apartamento. Estoicos, reinventam a si mesmos diariamente. Não parecem se entediar com a rotina geograficamente limitada. Não sofrem de autocomiseração nem buscam aprovação. Deslizam entre os móveis, escalam as janelas, fecham os olhos e deixam o sol amornar o corpo num salutar abraço. Às vezes, concedem aos bípedes um pulo de gato e vêm para o colo. Ficam o tempo que lhes convém e retornam à existência lânguida, impávida e reservada de suas almas plenas. Gatos não perdem a curiosidade. Por isso, encontram prazer em qualquer distração.  Eles encaram os humanos de igual para igual, não como os cães, geralmente submissos. Felinos domesticados, mas só até certo ponto. Não atendem pelo nome se não estiverem a fim, por exemplo. Não pedi para me chamar Leopoldina, o problema é seu. Gatos são muito fotogênicos. Sua figura esguia e flexível é a elegância que gostaríamos de refletir no espelho. Eles são au

O dilema da maçã

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Queria me inspirar para escrever coisas bonitas. Esperei mais de uma hora por uma ideia lírica, mas ela não veio.  Pensei na animação da Branca de Neve e me lembrei daquele aplicativo que envelhece as pessoas. Eu fiquei a própria horrenda bruxa má que entrega a maçã envenenada.  O pensamento saltou para as flores, as abelhas e a desmesurada delicadeza dos japoneses.  Daí parei na foto que acabara de receber da sobrinha-neta Eva Maria, a primeira menina na família após 19 anos. Senti palpitação. A afloração desmesurada de algo que reconheço como amor à primeira vista. Ela me fará pecar pelo excesso de chamegos, pode anotar. Percebi o quanto de sentimento represado e reprimido estava em mim e tive medo. As últimas experiências com meninas foram tanto traumatizantes como perturbadoras. Experiencio um paradoxo: me entregar à paixão ou me manter reticente? Não é fácil escrever sobre essas questões. Contudo, melhor expor para esquecer ou, ao menos, para apascentar. G

Sagração

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O sonho tinha banheira transbordando, barata e um bandido com a cara do Quasímodo da Disney que tentava agarrar o pescoço de Bernardo. Acordo e já é manhãzinha. Bênção. Parece que as palavras com B estão me perseguindo. É o Brasil de B., um pesadelo real.  Os meninos estavam adiantados no café da manhã na cozinha. Fecharam todas as portas para não nos acordar. Que atitude madura e educada. Legal ver os filhos crescendo legais. Apresso-os mais um bocadinho (olha o B aí de novo. Morar no bloco B talvez explique).  Eles se vão para a escola, a dupla uniformizada, sozinha dessa vez. Frida fica desenxabida sem o passeio matinal até o colégio. É uma lady de rotina.  Preparo um chá-mate, o pão com aquela divina geleia caseira da Dorothé. Quase me esqueço que não é sábado. Dormir uma noite inteira para os insones é uma felicidade serena.  Pego o celular e me deparo com um texto magistral de Juliana Otoni sobre um bebê (!) na minha timeline. A poesia da vida começa bem.

A gosto de Deus

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Chegou agosto e com ele o rol de impropérios e de reclamações. Coitado do mês que não tem nada a ver com isso. Quem mandou calhar de acontecer quando a cidade fica ainda mais descampada e árida, à beira do insuportável? Todo oitavo mês do ano é a mesma ladainha: os candangos maldizem o tempo inclemente, a poeira, a baixíssima umidade do ar. Tem quem aprecie, mas é minoria. A maior parte detesta o estresse hídrico imposto aos seres viventes, apenas recompensado pela beleza dos ipês, que florescem como um grito de desespero pela água que só chegará lá para setembro (assim esperamos ardendo, literalmente). Fico com dó de agosto. Ele acaba levando a culpa pelo estado de ânimo sorumbático e azarado que acomete o brasileiro no início do segundo semestre. Outro dia, ouvi uma conversa pela metade. A senhora se chateava por haver nascido em agosto, “mês feio”. Incrível a pessoa ainda se importar com o fato, pois já me parecia completar para lá dos 70. A birra com o mês é an