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Mostrando postagens de setembro, 2019

Mantra das sextas

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"Toda sexta-feira toda roupa é branca Toda pele é preta Todo mundo canta Todo céu magenta Toda sexta-feira todo canto é santo E toda conta Toda gota Toda onda Toda moça Toda renda Toda sexta-feira Todo o mundo é baiano junto" (Adriana Calcanhoto) Respire profundamente. Você está vivo nesse dia úmido de setembro. O singelo milagre que se repete: desaba do alto a água que revigora. Até quando? Reflita e agradeça.  Suspire sonoramente e olhe para o céu (não ao atravessar a faixa para pedestres, não seja imprudente).  Depois, mude o foco ao reles do chão. Perceba as flores que caíram com a chuva da madrugada.  Tire o peso dos ombros numa espreguiçada sem pudor.  Repare que o tom da terra se transmutou do ocre para o marrom-escuro: fecundo. Germine a renovação dentro de você.  Observe aquela árvore que você ainda não havia descoberto. Deixe o vento desalinhar os cabelos, inflar a ro

Ao vivo e on-line

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Não queria soar pedante, mas algumas coisas só acontecem comigo. Tá bom, narcisismo. Serei uma mãe narcisista, daquelas que deixam sequelas irreversíveis nos filhos? Hoje li uma matéria sobre o assunto e fiquei meio cabreira. Mas não é disso que quero falar, e sou eu quem mando aqui, não você, texto. ;) Semana passada arrumei um crush. Para ser exata, foi o crush quem me arrumou. Ele me encontrou no Insta, onde posto um bocado de fotos pseudoartísticas, com legendas descoladinhas, ou poemas alheios e poucas selfies. Aí o cara começou a me seguir, um tal de Ben Watson. Legal. Após uns 30 corações nas minhas postagens, Ben Watson me manda um privado: Hi, Beautiful! Epa, o que foi isso? Resolvi dar uma cordinha, e decidi segui-lo também. Descubro que o cara diz ser sargento do exército americano, residente em Miami e guapo. Respondo a mensagem dele e pergunto como ele me encontrou no mar de gente do Insta. Ele: you are a godness! E me printa uma foto que pedi para Bernar

Pedalando com Potter e Cora Coralina

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Para Monsieur Rodrigô,  que ouve todas as minhas insanidades sem a aquela cara que parece estar dizendo: e eu com isso?  (Mario Quintana com adaptações de quem escreve esse blog).  O conjunto de tubos metálicos agora está por toda parte. As duas rodas com seus raios concêntricos parecem dois sóis a refletir o astro-rei nesses dias insanos de calor. Para onde se olha, lá está uma bicicleta refutada. Às vezes, em pé e digna, aceita com altivez sua sina de objeto de consumo fácil. Noutras, jogada ao chão, retorcida. Corpo inerte, estendido sobre a folhagem ressecada.  Sinto comiseração pelas bikes ao relento. A imagem estática e solitária das magrelas nos mais inusitados pontos da cidade me dá certa angústia. Remete às cenas de abdução, de extermínio, de ataque nuclear que costumamos assistir no cinema ou na TV.  Num átimo, toda a humanidade desaparece sem aviso e sem piedade. Resta apenas a certeza de que estavam ali um minuto atrás. Mulheres e homens

Aos que ficam

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“Quem é que quer flores depois de morto?”  (J.D.Salinger)  Desde muito pequena convive com defuntos. Não, não é daquelas que veem fantasmas ou têm premonições funestas. Ela não vê gente morta, só sabe que a ausência delas é presença quase física, bloco de concreto no meio do caminho que precisa ser refeito em atalhos mais serenos.  O pai foi o primeiro de cujos que teve de aprender a decifrar em tenra idade. Como alguém que não estava perto dos olhos podia fazer tanta falta ao coração? Ainda na infância também houve o padrinho, uns tios e o avô materno, o único dos avós que chegou a conhecer. Acostumou-se a velórios e a enterros, portanto.  Sem falar naquela “tia” por afinidade, a vizinha de bloco, Denize Cellano, uma bruxa boa que lhe acolhia para aulas de artesanato e para curativos nos ralados oriundos da molecagem de rua. Passou, então, a pensar que a vida era feita de precoces e constantes perdas.  Na adolescência, teve certeza: o segundo pai morre de r

Bússolas

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"Livro é tão bom que deveria ser elogio. Tipo: 'você é tão livro!'" (frase de camiseta) Na noite em que pisei numa livraria como autora pela primeira vez, estava em pânico. Fui apresentada a algumas pessoas do meio literário carioca, sorri, fingi naturalidade, me achei gorda e temi pelo desastre. Sem poder fugir do compromisso que eu mesma havia assumido, vaguei pelo espaço a folhear livros sem vê-los. A ansiedade me comia viva. Decidi respirar um pouco do lado de fora, foi quando me dei conta que a vitrine esquerda da Blooks estava tomada pelos livros de Lygia Bojunga. Todos eles em nova e padronizada edição.  Senti alegria, alívio e certeza de que Lygia me salvaria de achar que nada daquilo ali me dizia respeito. Porque foi Lygia quem me reconduziu ao mundo quando eu pensava que não pertencia a ele. Foi com “A Bolsa Amarela” que descobri que outras meninas podiam nascer em famílias grandes e se sentirem deslocadas no tempo-espaço

Vermelhas e Amarelos

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Característica carioca marcante são as bancas de vendas de livros espalhadas pela região central ou pelas calçadas da zona sul. Foi numa delas, ao lado do prédio do Banco Central, que garimpei a adaptação de “O Mágico de Oz” que leio agora.  Gosto muito do filme, mas o roteiro tem algumas pontas soltas. As personagens soam um pouco forçadas a se reunir num encontro amalucado. A obra, claro, resolve a questão, ainda que não esteja lendo o original.  Estou me divertindo muito com essa fuga estratégica para um lugar mítico que faz parte da minha cinefilia. Ontem, pouco antes de dormir, invejava Dorothy Gale tombar, inebriada pelos efeitos sedantes dos campos vermelhos de papoulas. Tudo o que eu queria era um opioide que também me fizesse apagar todas as noites, a noite inteira.  Lembrei da pobre Judy Garland e do seu vício nos chamados barbitúricos, tão em voga naqueles tempos. Eram comprimidos para dormir, para acordar e para se manter magra e viável na pele da menin

Cutucando o Bem com vara curta

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Cortar o mal pela raiz (ou ao menos pelo broto). Adélio Bispo de Oliveira, quem diria, foi um grande visionário, verdadeiro patriota. Delirante como o xará Arthur Bispo do Rosário, Adélio (também AB) idealizou uma obra de arte aos moldes de Caravaggio: violenta, cabal. Poderia haver criado um mártir de araque, todavia, forjou um mito fajuto e com ele, diversas teorias da conspiração. Mas se tivesse dado certo? Bolsonaro sairia da vida para entrar para os livros de História como o improvável que, se não fosse o louco, receberia a faixa presidencial. Ah, os quase, os por um triz, os senões do destino. Ao meu ver, o Brasil estaria melhor sem a família B, esse ninho de cobras, cabeça de Medusa que transforma corações em pedras brutas; que espalha truculência e salga a terra por onde olha e pisa.  Desde que o ilibado jurista Milton Luiz Pereira me explicou que o direito coletivo DEVERIA se sobrepor ao direito individual, penso que extirpar (ou estripar B., como pretendi