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Mostrando postagens de julho, 2019

Missiva para um jornalista de Campo Grande

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Foto perfeita de Inácio Galvão Planalto Central 30 de julho (aniversário de nascimento de Mario Quintana), de 2019. Caro Dante, realmente o livro de Amós Oz é estupendo. “A Caixa Preta” nos dá aflição e diversão simultâneas. Obrigada por me fazer lembrar que a obra estava aqui na estante, esperando para ser lida. O que nos leva a gostar de um escritor a ponto de ler tudo ou quase tudo dele? Seria um processo consciente ou não? O que você me diz? No caso de Oz, há uma identificação entre Israel e Brasília: uma espécie de forçação de barra, uma artificialidade encravada no meio do nada. Quando ele descreve Jerusalém parece haver passeado pela aridez da minha terra-natal. Minha primeira fixação literária foi Agatha Christie. Uma de minhas três irmãs fazia parte do Círculo do Livro, num tempo em que as livrarias eram escassas na capital da República. “Um Gato entre Pombos” me chamou a atenção, afinal, era assim que eu me sentia sendo uma filha temporã e órf

Poesia da rua

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"As coisas simples, mudas, são subitamente cobertas por uma tênue radiação primordial. Iluminadas de dentro de sua alma, e iluminadas de volta. A alegria do ser e sua simplicidade descem e cobrem tudo com o mistério das coisas que existiam antes da criação do conhecimento".  (Amós Oz) Gestos impensados de afeto sãos os mais poéticos. Atitudes gentis que colhemos ao caminhar poucos metros pela calçada sem perder o olhar para o outro.  Como o pai que ajeita a manta sobre o bebê que carrega nos braços. A mãe, ao lado, puxa o filho mais velho para si, com o claro intuito de lhe certificar de que também é parte do clã e deve ser protegido. O amigo mais velho que acolhe as mãos dos mais novo numa concha em volta da concha e despeja uma porção de balinhas, a garantir que nenhuma se espalhe pelo chão. As adolescentes que unem os rostos para registrar mais uma selfie de Best Friends Forever.  Os cachorros sem dono, agasalhados com casacos de feltro azul,

Parcialmente nublado

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Prefiro o céu com nuvens: conclusão.  Cores absolutas não nos dão trégua. A imperfeição apazigua,  o tom estourado, não.  Explode como um soco na cara. Os alvos flocos desiguais dão margem a releituras, reinterpretações e reminiscências.  O azul a pino ecoa apenas o reflexo da amplidão. Nimbos, imagens ilimitadas e desformes, remetem ao humano. O azul celeste, não.

Átomo puro de carbono

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Primeira viagem dos pais de primeira viagem. Agosto de 2004. O bebê de quatro meses na bagagem, que era muita, com carrinho, fraldas, dezenas de macaquinhos, pagãs e mantinhas. Ao menos não era preciso se preocupar com as papinhas. O filho só se alimentava de leite materno.  A avó e a tia-avó maternas foram convidadas a participar da aventura. Que recém-mãe não quer os conselhos e cuidados de outras mães mais experientes? Sei lá, há mulheres que não admitem “pitacos familiares” na maneira como cria os rebentos.  Ela, não: sempre deixou as portas abertas e pediu ajuda. Família é isso: chateação e zelo que se enroscam em laços de afeto e de desencontros. Porém, somos mais fortes no clã. Diamantina foi o destino escolhido pelo casal. Minas Gerais não tem erro: é bonito, bom e relativamente próximo para uma viagem de carro. O bebê não dava trabalho. Muito pacífico, dormiu o trajeto inteiro. Visitamos Serro, Diamantina, Milho Verde…  O carrinho se mostrou um trambolhã

Terceira dimensão

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(...) “Minha paixão há de brilhar na noite No céu de uma cidade do interior…” (Caetano Veloso) Os sonhos ainda revisitam as curvas e a companhia das montanhas das rodovias do norte argentino. Algo muito profundo ficou em mim dessa viagem pela qual não havia gerado nenhuma expectativa e se mostrou uma road trip intensa, um lance de conexão de alma com a ancestralidade. Primeiro encontro com as minhas raízes indígenas que, por algum mistério, estão mais para uma linhagem hispano-americana do que brasileira. Seria interessante conhecer a árvore genealógica da minha família paterna e descobrir de onde vem o fenótipo que me faz ser confundida com paraguaias, nicaraguenses, panamenhas, equatorianas, peruanas, colombianas… Infelizmente, não há memória preservada nesse sentido. Pouco restou do meu próprio pai e quase nada de seus pais, avós, bisavós... Ao pé da Cordilheira me senti totalmente em casa, como se ali fosse meu lugar de fala e, mais ainda, de cala. Tudo

Fímbrias devoções

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Os argentinos são fervorosos, sanguíneos e católicos, ainda. Nos grandes sertões das províncias de Mendoza, San Juan e La Rioja, demos de cara com o nonada e também com demônios dentro de redemoinhos, ruínas, esqueletos triássicos e cidadezinhas encravadas no semiárido, a comprovar que surpreendente é mesmo o ser humano: sempre capaz de habitar lugares impossíveis. Nessas paragens, os templos evangélicos são tímidos ou inexistentes. O país do papa Francisco é das igrejas de torres e sinos, das procissões, dos santos e das quermesses. Caminhando junto com as manifestações religiosas há, por supuesto, as superstições e os milagres operados por seus milagreiros extraoficiais, distantes dos altares formais, porém bem próximos dos corações alvicelestes. Durante todo o trajeto pelas rodovias insólitas e solitárias do norte argentino, a gente se depara com capelinhas na beira do asfalto. A princípio, pensamos em homenagens aos entes amados que perderam a vida no trânsi