Como manda o figurino

"Uma avó é uma mulher que não tem filhos, por isso gosta dos filhos dos outros. As avós não têm nada para fazer, a não ser estarem ali.

Quando nos levam a passear, andam devagar e não pisam nas flores bonitas e nem nas lagartas. Nunca dizem: Some daqui!, Vai dormir!, Agora não!, Vai pro quarto pensar!

Normalmente são gordas, mas mesmo assim conseguem abotoar os nossos sapatos. Sabem sempre que a gente quer mais uma fatia de bolo ou então, uma fatia maior. Só elas sabem como ninguém a comida que a gente quer comer.

As avós usam óculos e, às vezes, até conseguem tirar os dentes. As Avós não precisam ir ao cabeleireiro, pois estão sempre com os cabelos arrumadinhos e cheirosas... não precisam de chapinha.

Quando nos contam histórias nunca pulam partes e não se importam de contar a mesma história várias vezes. As Avós são as únicas pessoas grandes que sempre têm tempo para nós. Não são tão fracas como dizem, apesar de morrerem mais vezes do que nós.

Todas as pessoas devem fazer o possível para ter uma Avó, ainda mais se não tiverem televisão."
(Suposta redação de uma menina de oito anos)

Recebi esse texto da amiga Márcia, colega de trabalho. Sua presença é doce presente que ganhei no STJ, lugar árido por natureza. Fiquei encantada pela sinceridade pulsante das descrições que li. Não sei se é mesmo uma redação de menina, mas o pensamento parece infantil por causa do enfoque às vezes duro, mas puramente inocente.

Claro que hoje a gente encontra várias versões dessa avó/avô... Tão novas como são os modelos de família atuais. Poucos matriarcas e patriarcas ainda são genuinamente velhinhos tranquilos que paparicam ferozmente as crias de suas crias. Reflexos dessa pós-contemporaniedade que conseguiu mudar até a instuituição "vovozices". Não para melhor, infelizmente.

Será que nós, mulheres descoladas, todavia neuróticas com o acúmulo de funções, saberemos ser avós bacanas, ternas, disponíveis, sobretudo disponíveis para curtir os filhos dos nossos filhos? Ou entraremos numa de adolescente querendo viver a vida sem dar satisfação a ninguém? Eu quero ser essa avó de retrato, quero muito! Que eu consiga, meu Deus! Se bem que, do jeito que fui mãe velha, pode ser que eu venha a ser uma avó senil... Xô Alzheimer!!!!!

A maior parte dos avós que eu conheço hoje está aí super em cima, trabalhando, malhando, viajando, curtindo a vida adoidado junto com e sem os netos. Alguns deles até se esquecem que são avós... Nunca tem tempo para colocar a meninada no colo. Ou não tem paciência, ou não gostam de crianças, sei lá. Lástima. Porque os netos devem ser as coisas mais divertidas da face da Terra.

Esse assunto de avós sempre mexeu comigo, que mal convivi com apenas um deles, o pai da minha mãe: vovô Zequinha. Ele morreu quando eu tinha nove anos. Talvez, por isso, tenha sempre idealizado o papel dos avós como se eles representassem – de fato – o paraíso cheio de anjinhos.

Mas, sem ir muito longe, posso garantir que minha mãe também foi essa avó de redação. Ela era engraçada, divertida, brincava com os netos e curtia trazer chocolates e presentes. Sem contar que passava na minha casa três vezes por semana e ia ficando, ficando... O lance era estar ali, lambendo os filhotes da filhota. Ela foi uma avó como se manda o figurino, como se quisesse recuperar o tempo perdido por não ter sido uma mãe mais dedicada.

Hoje eu entendo que ser mãe é mesmo muito mais difícil do que ser avó. Eu já entendia dessa história, ufa, antes de minha mãe morrer. E pude ficar em paz com ela, enquanto Maria brigava altiva pela lucidez que fugia por causa da morfina. Perdoei meu coração pelas ausências ou faltas que ela cometeu durante a minha infância e adolescência. Eu compreendi que minha mãe fez o melhor que pôde diante das circunstâncias difíceis da nossa família: uma viuvez precoce com sete filhos menores de idade, falta de dinheiro, solidão, desconhecimento do mundo lá fora...

E a saudade que sinto dela, que ainda dói, não é tranquila, é inquieta e faz brotar lágrimas nos olhos a cada pensamento, é mais por dó de saber que meus filhos não tiveram tempo suficiente para conviver com a avó Maria. Aquela avó que não tinha tempo ruim, que estava sempre pronta para fazer um mingau de maisena com chocolate. Para carregar meninos e tralhas no carro dela – diuturnamente imundo - até a fazenda. E para ralhar também, é claro, pois mamãe-vovó Maria era chegada numa boa bronca.

Minha mãe não estava sempre cheirosinha (ela era uma desorganizada crônica e não tinha lá muita vaidade). Porém mantinha os cabelos curtos sempre pintados (às vezes de cores doidas). Vovó Maria também não era gorda, mas tinha alma de gorda... Gostava de comida e, mesmo cansada de ir para o fogão depois de tantos anos cozinhando diariamente, fazia galinha cozida com pequi só para satisfazer a filha caçula e, como não, os apetitosos pernis de fim de ano... Só assim para a Luluzinha comer carne de porco.

Pena... Que pena que meus filhos não provarão desses quitutes marianos... Pena redobrada por eles terem tido duas avós: minha madrinha e minha mãe, que se foram muito antes que os meninos alcançassem a idade da razão... Pois minha madrinha também era uma avó: ranhenta e realmente velha, quase surda, mas cheirosa, essa sim, sempre arrumada, sempre becada. E também sempre pronta para dar um afago e fazer feijão – pagão de jeito nenhum!!!

Meus filhos nunca terão essa avó da redação... Minha sogra vai ficar sem falar comigo durante anos, mas ela não é avó de cartão-postal. Pararica, pero no mucho. Curte, pero no mucho. É avó pós-moderna, com prazo de vovozice fast como a vida atual. Vó Paula é do time da vanguarda feminista que desbravou o mundo dos machos para estarmos aqui hoje: juízas, jornalistas, policiais, mecânicas... Tudo tem seu preço. E, de novo, a pergunta que lateja: que tipo de avó vai surgir dessa nossa geração de mulheres antenadas?

Agora, pensando bem, acho que eu tive avós! Minha mãe e minha madrinha acabaram sendo minhas avós depois que eu fiquei adulta! Elas não me tratavam mais como filha, e sim como neta... Olha que coisa! Só agora me dei conta de que depois que cresci é que pude ser criança para as minhas mães. Que pensamento torto, louco, deliciosamente confortador!

E viva as avós de verdade! E quem sabe meus filhos e os filhos das amigas que também não têm o calor desses avós dipostos e disponíveis, possam encontrar esse chamego único nos braços das tias de sangue e de afeto. Ou sejam adotados por vós “postiças” com colo largo para caber sempre mais um.

Tia Leila, você se habilita?:)

Comentários

  1. Já me habilitei, mesmo quando nossa mãe era viva. Eles são os meus preferidos!Gostaria de ter mais tempo pra eles...

    Quanto aos meus netos e filhos, eles que escolhem um dia da semana pra fazer lanche lá em casa, pra estar em contato comigo, porque os dias que eu posso eles nuncam pode...Filhos!!
    Às vezes eu sinto saudade de quando eu não trabalhava, tinha todo tempo do mundo, lógico, antes de mamãe fica debilitada precisando da minha presença diáriamente.

    Não me arrependo de nada, do tempo que fiquei com ela.. Só deixou saudades!!!

    Vamos combinar qualquer dia pra estarmos juntos com os pentelhinhos.

    Hoje peço um VIVA para a VIDA e, mesmo de longe, ofereço um forte ABRAÇO de irmã mais velha e um monte de beijinho de Vó para meus pentelhinhos!!!!

    Leila

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  2. Eu tenho planos de ser vovo. Nao sei se minhas filhas tem esse mesmo plano tambem...Eu quero ser o tipo de avo que simboliza alivio para a mae e farra para os netos...

    A minha Nona era doce e paciente e morreu quando eu tinha 13 anos. A vovo Olga ainda esta viva, quando iamos visita-la no interior de Sao Paulo eu sabia que a limpeza da casa a pia sem loucas e as camas bem arrumada eram mais importante que a visita dos netos.
    Os netos so entravam para comer, tomar banho e dormir. E na rua o dia inteiro eu sempre achei coisa para fazer e criancas para brincar.

    Beijos,

    Eve

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  3. Lu,
    Assim como a Eve, também tenho planos de ser avó. Já faço a cabeça dos meus filhos desde já e digo a eles para encomendar os pimpolhos para eu poder dizer com voz melosa: "- vem com vovó, vem..." E nada de dizer que não vão deixar de viver a vida por causa de filhos, é só colocar na agenda: "sábado: teatro (deixar as crianças com a vó Márcia)." Resolvido.
    Quanto ao doce presente no STJ a que você se refere, só tento repassar, timidamente, com as atitudes, os ensinamentos que absorvo lá na minha Fraternidade. Aliás, espero você lá na roça, um dia, com seu Bernardo e os futuros pais de seus netinhos.
    Beijocas
    Márcia

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  4. Luciana,

    eu vou rezar muito para que a Larissa um dia me dê a chance de ser avó. Eu não tive avó. A mãe do meu pai morreu quando eu era muito criança. Não me lembro dela. A mãe da minha mãe... Bom... Você conhece a história que é muita comprida e muito triste para ser contada aqui.

    A Larissa também não pode dizer que tem avó. A minha mãe nem mora aqui em Brasília. A mãe do Rodrigo... Bem... a mãe do Rodrigo dirige, não trabalha, mora perto lá de casa mas este ano ainda não nos fez nenhuma visita. Precisa explicar mais?

    Enquanto a velhice não chega (os cabelos brancos já estão aqui) procuro ser uma boa mãe. Não chego aos pés da mãe que eu gostaria de ser, mas vou me esforçando.

    Não é fácil chegar do trabalho oito horas da noite e assumir o papel de cabeleireira das Barbies, cozinheira do Teddy, apostar corrida de pets etc. Mas eu vou tentando administrar. Quando o cansaço está muito grande acabo convencendo-a a colorir com umas canetinhas metalizadas ou a ver um episódio da Mulher Maravilha.

    E o tempo, que não perdoa, vai passando.

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  5. Lu,

    A mãe de minha mãe, vovó Zezé, era uma avó diferente. Lá no Rio de Janeiro, a danadinha com oitenta e lá vai fumaça era torcedora cruzmaltina, figurinha carimbada na T.O.V. (Torcida Organizada do Vasco), no Maracanã. Onde quer que o Vasco fosse jogar, a velhinha, neta de espanhóis, com um metro e pouquinho de altura, estava lá vestida a caráter. Levou todos os netinhos para fazerem a escolinha de seu time, em São Januário, pena que nenhum emplacou, pra desgosto da dona Zezé. Mas, que ela tentou, isso ela tentou. Visitava todos os filhos e netos nos finais de semana; saudade daquela mãozinha dando um dinheirinho pra gente quando íamos levá-la até o ponto do ônibus no final de um sábado de visita lá em casa. Detalhe: era analfabeta, só sabia contar dinheiro (esperta)e mal assinar o nome. Mas, não parava: trabalhou até os 95 anos, quando "parou para adoecer" e descansar em paz. Ufa! Beijo, vó!

    Márcia Romão
    (flamenguista, sangue bom)

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  6. Queridas leitoras-comentadoras,

    obrigada por compartilhar comigo suas expectativas e suas próprias vivências com as avós de vocês!! Esse é o grande barato do blog: disseminar ideias, promover o debate e as confissões...Why not?:)

    Beijos,

    Lulupisces.

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  7. Pela parte que me toca, quem agradece sou eu por seu delicioso blog.

    Kisses

    Márcia

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  8. Em tempo: quem me repassou o texto/carta sobre as vovós, de que você gostou tanto, foi nossa colega Sheila da CEIM, com a observação "Genial!" O presente foi dela para todas nós.
    Beijo
    Márcia

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