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Mostrando postagens de julho, 2022

The cleaning lady

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“sentada, quieta uma finíssima energia o começo de um estado de graça todas as lembranças são leves sei que realmente existo sei que tudo o que vejo respira e exala porque as coisas não existem só materialmente a maior verdade do mundo anuncia-se” (Chegada, de Sofia Errés) Não sei vocês, mas chego do trabalho em casa e já assumo a faceta polvo. Com meus múltiplos tentáculos agarro um copo sujo aqui, um prato deixado sobre a estação de trabalho acolá… Uma peça de roupa jogada no sofá retorna ao cabideiro; chinelos desconjuntados viram um par comportado na sapateira; a garrafa de água é devolvida à geladeira. Residência de homens é uma provação para qualquer mulher com TOC. Pensando bem, para qualquer mulher. Se eles são de Marte não posso comprovar, entretanto as diferenças são galácticas. Homens não se importam com a entropia ao redor, céus! Papéis, bermudas, meias… Três pares de pés espalhando chulé e confusão em cada cômodo; toalhas mal esticadas nos banheiros. Homens são capazes de

Elegias

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"A distância, o céu aberto não podem mudar o amor que, embora longe, está perto, como a raiz junto à flor". (Maria Tereza Maldonado) Vovó Paula danada, não cumpriu a parte dela no nosso acordo: ela viveria até completar 100 anos, como as próprias tias centenárias. Vou sentir tremenda falta desta casa de vó, de sua elegância e de sua cultura imensa. De obrigá-la a tirar fotos: "mas eu estou tão feia"... Nada disso, tá linda! Aliás, em nosso último almoço juntas, o da caipirinha de maracujá, uma freirinha que passava vendendo terços lhe disse: "a senhora é tão bonita!". Dona Paula, sogra que foi osso duro de roer, mas se tornou a mais tenra das companhias. Adorava sua casa sábia de músicas clássicas, de livros, de fotos P&B, de histórias do vovô Agenor. Seus maxi colares e seu bolo de nozes. Ah, e aquela torta de bacalhau maravilhosa das noites de Natal... Corajosa e arrojada, pegou o avião sozinha para nos visitar duas vezes em NY. Sem falar nada de i

Cobiças

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alguém para me cutucar catar piolhos imaginários buscando os trieiros escondidos nas matas capilares. Desvendar as cadeias montanhosas das orelhas como escalador detalhista descer a espinha dorsal vale a vale, caminhando devagar entre um desvão e outro. Os dedos são mágicos pincéis atômicos: acessam o que não é sentido na leviana superfície.  Raios-laser naturais, penetram as camadas mais profundas do espírito e tatuam o zelo no incógnito da alma. Curandería . cadê ela? cadela cândida candeia comedida carícia  campestre cachorra  rupestre cadê ela? carapaça caramelo pelúcia  camuflada genuína  canina cosmogonia da alegria corações e feijões partidos a vida não brinca em serviço Ela atrapalha muitos planos: puxa o tapete do fulano quebra a perna de ciclano. Mata de fome a cigarra e a formiga  no país da intriga  que não enche barriga de ninguém.  A vida cobiça o inatingível como não, se agora alcançamos o berçário das estrelas? Entretanto o inferno são os outros quinhentos mas [princi

Friagem

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Sopra o vento de inverno atravessa o rosto, ectoplasma de névoa, deixa apenas o rastro da enregelada manhã. O casal de araras não sente frio. Festeja na palmeira o raiar do dia azul tal qual seus pares de asas: plenos.  Gélida e plena também estou. Contrária ao óbvio, a estação não me contrai: expande. O ar rarefeito do planalto seco me é ânima.  Flama. Ainda que todo ano seja a mesma seca impávida e parda, nunca é igual o coração de quem almeja [primaveras. calotas planas redondas esportivas turbinam carros de terraplanistas. Já as polares derretem,  escorrem pelos oceanos em sangue gélido e transparente. O planeta aquece e gira torto: peão cambaleante,  joguete em mãos vorazes. As calotas automotivas se perdem nas curvas da Serra do Mar,  um cemitério delas ao relento, na sarjeta: ferros velhos, lixo. A Mata Atlântica é saqueada da mesma Serra. Engolidores do fogo da vida incineram árvores; espécies são enterradas como indigentes. Vastas necrópoles de pastos.