Postagens

Mostrando postagens de setembro, 2022

Semillas

Imagem
O silêncio é branco, a junção de todas as cores ruidosas transformadas em pétalas de uma flor pálida. Quanto maior o estresse hídrico, mais bela é a resiliência das árvores do cerrado. Já a minha, claudica: há dias nos quais acordo como se estivesse no céu (morta). Noutros, estou no paraíso, evoluída, enxergando a manhã com olhos límpidos, fazendo uma rota diferente para o trabalho com o intuito de sentir o vento no rosto e de crer na possibilidade do encontro com imagens significativas a salvar no baú das retinas (fatigadas sim, porém com lampejos de rebeldia infantil). Uma canção no rádio me revolveu as entranhas ancestrais fictícias ou reais, pouco importa. Processos de identificação não são imperativos biológicos. A alma voou até os Andes Mágicos, onde deixei o par de botas verdes. “Yo soy el hijo del altiplano* Descendiente de Manco Cápac Vivo en el cielo, vivo en el lago Donde navega el Sol En tierras profundas como alma de serpiente voy Surcando entre la muerte para llegar alt

Madurez

Imagem
"Leia, leia, leia. Leia tudo – bobagem, clássicos, bom e ruim, e veja como são feitos. Assim como um carpinteiro que trabalha como um aprendiz e estuda o mestre. Leia! Você irá absorver. Então escreva. Se for bom, você descobrirá. Se não, jogue pela janela". (William Faulkner) Sei que já falei disso por aqui, “mas quais são as palavras que nunca são ditas?”, avisa o trovador solitário. Para quem tem certa aversão à rotina parece um paradoxo repetir experiências e temas, porém a alma humana é este contraditório presságio entre ser e estar, sumir e ficar, reter-largar… Existem as comfort foods e também as comfort readings, ora se não. Lya, Lygia, Luciana. A tríade terrível de eles (quem me dera). Retifico: a dupla de ipsilones talentosa. Sei que a Lya se tornou escritora non grata pelas obviedades de sua coluna na revista Veja. Quem não se vendeu - ao menos um bocadinho - ao sistema que atire a primeira pedra. Ciente estou de que a gaúcha era meio direitona, se arrependeu de el

Poeme-se

Imagem
Há uma certa má vontade com a poesia, sem dúvida. Muita gente diz não curtir o gênero: não lê, não vê sentido, acha que é coisa de intelectual… Poesia realmente não busca sentido além daquele de provocar sensações. A primeira vez que li algo de Manoel de Barros foi numa revista de circulação semanal. Tratava-se de um anúncio de página dupla (não tenho a menor ideia do que a publicidade queria vender mais). Faz muito tempo… Minha sogra ainda assinava a revista Veja e as suas páginas amarelas eram referências jornalísticas de entrevistas de qualidade. “Poesia não é para compreender mas para incorporar Entender é parede: procure ser árvore”. Por outro lado, me lembro muito bem do alumbramento que me tomou aquela frase. Impacto. Que definição perfeita para algo tão abstrato! Afinal, poemas não almejam mais do que serem abstrações, surrealismos, viagens espaciais imaginárias em formato de versos. Marc Chagall recebeu a alcunha de “poeta dos pincéis”. Seria o mesmo que dizer Cecília Meireles

Zoobotânicos

Imagem
Afã Não tarda  a tarde finda ainda. Deserto em pó espiralado em redemoinhos pensamentos aleatórios ruminam. Os olhos lacrimejam de saudade da chuva mas o caminho de nuvens não chega a relâmpago algum. As árvores do tipo ouriçadas querem fazer cócegas na lua: acender um desejo, beijo molhado.  Fosforescente  Uauás  voláteis araçás tupi-guarani alumiando os sertões. Vaga-lumes agrestes boitatás, ciprestes em fogo, pirilampos: pirulitos  de luz. Fachos estelares coriscos  (das visitas) fugazes. Raios, aquíferos fosforescentes luminescentes feixes entre Leão e Peixes.

Cânones

Imagem
(Derivações a partir da letra de Queda d'água/Caetano Veloso) Cresci na roça. Havia a “cachoeira da fazenda”, assim especificada, e a estrada até ela parecia distante a pé para as pernas curtas das crianças. De fato, eram quatro quedas d’água, mas apenas uma morava na raiz do coração. Mato, carrapato. O céu preto com pontinhos brilhantes, constelando exuberantes. A Via Láctea espessa como o leite do curral. Na terra, aprendi a contemplar formigas, pedras, vacas, cavalos no pasto e penetrar na solidão das deidades. (Derivações  a partir da letra de As Vitrines/Chico Buarque) Deambular pelas ruas da metrópole sozinha, alheia, andarilha. Fixar o olhar nas vitrines, cansar os pés, sentar no banco da praça mal cuidada. Chiaroscuros dos prédios gentis ou hostis. Sombras de pessoas hostis ou gentis. Foi em São Paulo que a cidade me mostrou a totalidade da contradição: sim e não. (junção das respectivas derivações) Rural e urbana dicotômica, telúrica. Trafego no vazio de um céu estrelado

Mentoria

Imagem
Na casa dela, o fogão se chama Vesúvio; a geladeira, Frida e a máquina de lavar roupas, Apolônia, “pois é nome de matrona, não acha?” Janjan é uma criança imaginativa e uma vovozinha travessa ao mesmo tempo. Entrou na minha vida por vias oblíquas e trouxe tanta personalidade, que não sei como consegui existir sem o frescor de suas ideias por quase meio século. O esconderijo da garota miúda fica na superquadra das árvores e das mulheres anciãs significativas e autênticas. Perto dela, esqueço que sou uma jovem senhora e viro jovem pupila, atenta para sorver a magia de alguém com profundidade lírica imensurável. Ela me diz: “não me canso de seus contos”. Respondo: poeta, acho bonito você chamar de contos o que eu escrevo. Tô mais para contadora do que para contista. E ela tem o livro com a capa dos fósseis de peixinhos à mão, ao lado da televisão. “Sempre volto a eles. Não tenho mais paciência ou cabeça para os romances cheios de personagens. A memória está por um fim e ontem já é antigam