Postagens

Mostrando postagens de junho, 2016

Cinco vezes mais rica

Imagem
A chateação de uma ida ao cartório teria de ser recompensada de algum modo. O sebo estava ali do lado, recordou. O que são uns minutinhos a mais numa segunda fria? Entrou e bateu os olhos em um livro infanto-juvenil de capa azul: Ei! Tem alguém aí?. Pareceu-lhe promissor.  Seguiu a ziguezaguear pelas estantes atulhadas. Há alguma ordem por gêneros literários no Pindorama, mas a verdade é que há livros demais no mundo. E na hora que você quer lembrar de um título ou autor, quem disse?  Mas é legal não ter ideia pré-concebida também. Se saltar na sua frente é porque tem de ser seu (essas coisas que só quem crê em conexões telúricas diria). Respeitando a premissa, quase agarrou “Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres”, da Clarice. Deu vontade, mas reconsiderou. O que lhe falta ler é “Laços de Família”. E ele não estava se exibindo no momento.  Daí viu “A Asa Esquerda do Anjo”, da Lya Luft. Sempre curtiu esse título bem bolado. Não resistiu e abraçou o exemplar ju

Indivisível

Imagem
Semana que findou tive duas experiências espirituais distintas, mas ambas de grande delicadeza e aprendizado. Na missa de Sétimo Dia da morte do meu cunhado Jairo, fui surpreendida pela homilia de ninguém menos do que Dom Terra. Já havia ouvido falar muito dele, principalmente depois que conheci a amiga Carmem Cecília. Não o reconheci, mas comentei ao pé do ouvido com o marido enquanto aquele ancião falava coisas sábias ali na frente: “fazia tempo que não participava de sermão tão interessante e culto”. Depois vim a saber que se tratava de Dom Terra, um homem que tem o tamanho de seu sobrenome, tendo vivido no oriente e de lá trazido uma espiritualidade mais global, que difere muito das apresentadas pelos padres tradicionais. E ontem, domingo, estava dentro de uma igreja evangélica, a convite de outra amiga, Juliana Tavares, que junto com uma orquestra, louvou ao Senhor aos acordes de violinos, fagote e violoncelos. Arranjos suaves e bem executados a glorificar uma

Alvissareiro

Imagem
Pelos corredores do subsolo vislumbro a figura de um ser alienígena descendo a rampa. Uma criança caminha displicente, balançando o que seria uma lancheira. Um guri de uns sete, oito anos às oito da manhã nos corredores sombrios dos subterrâneos do STJ.  Estou indo de encontro a ele. A gente chega quase juntos à bifurcação, mas ele toma a frente e segue corredor afora. Eu vou logo atrás e observo. Daqui a pouco ele dá meia volta e vem na minha direção. Percebo, enfim o emblema do que descubro ser um uniforme escolar. Ser míope nos força a ver a vida mais de perto. Se é bom ou ruim, não sei.  O bordado é para mim longo conhecido. Colégio Notre Dame! “Tudo bem com você, está perdido?” Desconfiado, ele balança negativamente a cabeça. “Sabia que eu estudei na sua escola quando eu era do seu tamanho?” Ele arregala os olhos e aponta para o emblema branco no fundo azul-marinho, buscando confirmação. (Na minha época a farda era vinho com amarelo, mas não vem ao caso). 

Para não esquecer*

Imagem
Clarice na visão de Giorgio de Chirico “Escrevo-te em desordem, bem sei. Mas é como vivo.  Eu só trabalho com achados e perdidos”. (C.L.) “Do Leme ao Pontal, não há nada igual”, eternizou o fluminense Tim Maia. Agora o pontal do bairro do Leme ainda tem mais motivos para ser único no mundo: o bairro acaba de ganhar (no último dia 15 de maio) uma estátua em homenagem à escritora Clarice Lispector, ilustre e enigmática moradora das redondezas por doze anos. A peça, em tamanho natural, vem acompanhada de Ulisses, o amado cãozinho sentado aos pés da dona. Merecida celebração à mulher que intriga e encanta gerações de brasileiros e estrangeiros com sua escrita inigualável, há décadas.  Clarice Lispector não é brasileira de nascimento, mas de amor (naturalizou-se verde e amarela aos 23 anos). Veio ao mundo na longínqua Ucrânia no dia dez de dezembro de 1920 e chegou ao Brasil uma bebezinha de dois anos, junto com os pais e as duas irmãs mais velhas. A família de orige

Da intolerável suavidade

Imagem
O velhinho que vende biju paulista no semáforo não desiste. O sol a pino, o chapéu desestruturado na cabeça e o bom humor são suas companhias constantes. E os carros parados, é claro, prontos para partir em baforadas estressadas. No dia em que lhe dei dez reais e não pedi troco, o velhinho me sorriu e respondeu como se tivesse ganhado na mega-sena. Não havia vendido nada até então e já passava das três da tarde.  Por que as pessoas não gostam mais de bijus paulistas? Aquele biscoito em forma de canudo finíssimo e quebradiço faz parte das doces memórias da infância. Comprei por isso. Hoje compro para não mais sentir o nó na garganta que sufoca toda vez que vejo o velhinho. Por que o velhinho é pedra no meu caminho do trabalho para casa? Por que ele insiste em existir com sua fé na humanidade incômoda a me desmontar? Tem dias que traço outro percurso mais longo, só para não dar de cara com a cara do velhinho. Não posso comprar bijus paulistas todos os dias. Meus