Rolando as pedras

 Acabei de ver dois vídeos que vazaram na rede do kit anti-homofobia que iria ser distribuído nas escolas e foi vetado por questões obscuras... Tão obscuras quanto as que perpetuam a discriminação.

Ainda estou sob o impacto de suas mensagens. Fortes, inevitavelmente. E optei por escrever assim, na lata, para que saia tudo como eu realmente estou sentindo, sem autocensura. Esse assunto é tabu em sua essência, e o que a gente se permite são arremedos, piadas, imagens veladas, filtradas... Os vídeos não, eles são escancarados, expostos, complexos. A sexualidade humana e suas nuanças poderiam ser diferentes?

Admito que me senti na pele das personagens. Os filmes são bem feitos e nos colocam na parede mesmo. Dão tapas na cara da gente. Não sei se nos fazem mais flexíveis, no entanto. Fiquei na dúvida.

Duas pessoas muito importantes na minha vida me confessaram a condição de homossexual em momentos distintos: o primeiro, no fim da adolescência e o outro amigo, já na faculdade. Não foram encontros leves, vocês podem imaginar... Reparo que existe preconceito até nessa escrita, quando digo que eles “confessaram” algo. Confessar não guarda em si algo de pecado, de criminoso?

Também tenho um primo homossexual. Hoje, ator que batalha seu espaço, sofreu inúmeras crises visíveis e invisíveis até “sair do armário”. Eu presenciei esse processo. Tô revelando essas coisas porque me sinto “antenada, por dentro, compreensiva, libertária, sem preconceitos, achando tudo natural”. Mas aí vêm esses vídeos e mostram para mim que eu ainda preciso ir mais fundo nessa história. Que filmes corajosos do caramba! Eu fiquei orgulhosa deles terem sido feitos aqui e aprovados pela Unesco.

Mas ainda não sei se eles abrem a cabeça das pessoas ou chocam num nível de cegueira. Tipo: não quero ver isso, tire da minha frente! Mas aí eu penso: eu estou achando isso porque não tenho 15 anos. Mas será que é isso mesmo? Os adolescentes de hoje estão mais cuca-fresca em relação à sua própria orientação sexual e a dos outros? Então por que é preciso kit anti-homofobia para as escolas?

Achei os vídeos bem sacados. Mas suas mensagens só vão chegar a quem já tem um pouco de abertura para ver. Não são didáticas e, acredito eu - apenas uma bicuda que dá palpite em tudo (tipo assim a Miriam LeitãoPorcão) – que eles realmente não são adequados para crianças. OK, o foco é a adolescência. Mas aí o campo fica nebuloso. A partir de que idade? Achei os roteiros direcionados ao um público-alvo lá na frente, para jovens de 17,20 anos.

Mas aí, com essa idade, os preconceitos não estão já em fase de crescimento? Não seria interessante cortar o mal pela raiz, fazendo uma escolha mais didática? Não se trata de apologia porque ser gay não é crime e nem falar do assunto, portanto, o é. É explicação, clareamento de ideias. Mostrar que há gente branca, negra, amarela e há gente gay.

Eu acho que teria gostado de ter essa conversa lá nos meus 10 anos... Se a gente ouvisse falar dessas coisas de gente normal com normalidade, não haveria emails como o que recebi outro dia de outra jornalista: “Alguém conhece algum homossexual para ser personagem na minha matéria?” Aquilo me deixou tão estupefata... Eu conheço sim, conheço o Carlos e o Zeca (nomes fictícios).

Nunca imaginei em me referir a eles como gays ou homossexuais. Como se alguém me apresentasse assim: “Essa é a Luciana, a heterossexual”.

Vejam os vídeos, tirem suas conclusões. Eu tirei a minha: em matéria de aceitação incondicional, ainda rola muita pedra embaixo dessa ponte. 


Comentários

  1. Oi Lu,
    ontem e hoje li seus últimos textos no blog. Very good!!!!!!
    Sobre a homofobia fui lá postar meu comentariozinho e pluft! tudo travado no meu computador. Será que meu computador é homofóbico? hahahahah
    Gostei muito desse texto. Vou tentar postar de novo outro dia.
    Bom, continue navengando em mares profundos e pescando bons textos.
    Bjs,
    Platz

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  2. Lu,
    eu já usava o meu kit junto com a mamadeira. Aliás, o meu já veio inserido no ROM !!! E por garantia coloquei um RAM de megacomputador interligado ao universo. Graças ao bom Deus.

    Davide

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  3. Quando criança, na escola, eu defendi ardentemente a "reputação" de um amigo meu, que sofria com as gracinhas de nossos caros colegas, que o chamavam de homossexual. Eu negava, não, ele não é! Eu acreditava mesmo que ele não era... mas e se fosse? Na escola é onde nascem e se desenvolvem vários preconceitos! É uma terra fecunda! Presenciei professores mesmo humilhando alunos, às vezes não diretamente, mas usando de subterfúgios, estratégias... eu, como sempre fui observadora, percebia esses absurdos. Eles reforçavam as atitudes hostis e perversas dos alunos. Caramba, se um jovem que é meio "feinho" ou gordinho ou "bobinho" sofre bulling, imagine o que não acontece com os gays? O MEC está preocupado com essa realidade, que está trazendo graves consequências, até suicídio! Espero que essa campanha realmente aconteça, mesmo que daqui a algum tempo, acredito que isso acontecerá. Seremos dominados agora por reacionários e fundamentalistas religiosos? E ainda sabemos que por trás dessas bandeiras pela "moral e os bons costumes" há muito de politicagem!

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  4. Luciana,

    mesmo já sabendo que vou ser tachada de preconceituosa, vou emitir a minha opinião, já que num país que se diz democrático todos têm direito a ter uma, ainda que não seja a que está na moda.

    Além disso, o livre arbítrio é bíblico e vale para todos. Assim como os homossexuais têm o direito de escolher sua orientação sexual, eu tenho o direito a ter uma opinião sobre um tema que está sendo debatido no país.

    Li matérias nos jornais (pela internet) dizendo que os vídeos seriam exibidos nas turmas a partir de 7 anos.

    Alguém passa vídeo de heterossexualismo para crianças de 7 anos?

    Sou contra os vídeos por que eles não somente fazem apologia do homossexualismo, mas também incentivam a iniciação sexual precoce (seja homo ou heterossexual).

    Sou contra os vídeos por que não acho que devamos ensinar às crianças que sexo só por diversão é muito bom (seja lá com quem for).

    Sou contra a banalização do sexo, que leva a essa tonelada de gente com depressão nos consultórios dos analistas.

    Não vejo como desvincular a educação sexual dos filhos da orientação religiosa ou doutrinária da família (obviamente estou me referindo às famílias que realmente têm alguma orientação doutrinária, independentemente de serem vinculada a uma instituição).

    São os pais quem têm que passar essas noções aos filhos. São os pais que têm que ensinar aos filhos a não discriminarem os que são diferentes, sejam homossexuais, negros, índios, deficientes, gordos etc. etc. etc.

    Falando nisso, tem alguém que é mais discriminado na escola que o gordo? Que tenha mais apelidos, que sofra mais piadinhas?

    Você sabe disso, mas os seus leitores não sabem. Minha turma de adolescência, que chegou a completar 20 anos juntos (mas juntos mesmo, todo final de semana) foi esfacelada, não pelo preconceito, mas por essa turma do Arco Íris quer enfiar sua prosmiscuidade sexual pela nossa goela abaixo.

    De repente, eu era obrigada a receber na minha casa, num churrasco o "ficante" do fulano. Na semana seguinte, já era outro "ficante". E todo mundo tinha que achar tudo normal. Mas eu nunca autorizei nenhuma amiga minha a ir se esfregar com seus ficantes no meu quarto! Aí, porque eu não autorizava a esfregação gay, eu já era tachada de preconceituosa.

    Eu concordo que esta turma sofre com os preconceitos. Mas é a atitude deles que ajuda a alimentar estes mesmos preconceitos.

    Sou a favor dos direitos humanos. Mas da apologia valeu tudo não. E tenho dito!

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  5. Agora vai.
    Pois é, agora a Dilma disse que não fará "propaganda de opções sexuais". O caminho será longo, pois se a própria Presidenta ("opção" ortográfica dela) acha que é uma opção... Vamos lá ser didático para nossa Presidenta. Opção, segundo o Aurélio: "Ato ou faculdade de optar; livre escolha." Agora uma pergunta aos héteros: Você escolheu ser heterossexual?
    Agora para aqueles que são contra a união homoafetiva: se você é contra o casamento gay, que tal você se casar com uma pessoa do sexo oposto!
    O que mais chama a atenção na decisão do Supremo é a reação dessa gente "boa" e "normal" na vida privada das pessoas. Para essas pessoas - pedindo permissão para a Lu e já usando seu blog - deixo a música do Gilberto Gil "... gente estúpida... ô u ô ô gente hipócrita ô u ô ô".
    E só pra finalizar, para as pessoas que continuam tendo problemas com a sexualidade alheia, dou uma dica: vai se tratar, pois para mim você é problema seu.
    Lu, como disse antes, continue navegando em mares profundos.
    Platz

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  6. Lara,
    Querer associar à "turma do arco-íris" toda a promiscuidade que você já presenciou, desculpe-me, acho que você poderia refletir um pouco mais antes de reproduzir preconceitos.
    Ums coisa é promiscuidade, outra, sexualidade. A primeira diz respeito a entrega sexual com facilidade ou variada ou continua e diversificada. Já a segunda, a um conjunto de fenômenos da vida sexual. Associá-las é puro preconceito.
    Cuidado com essa venda casada que estão fazendo para esvaziar o discurso de direitos iguais.
    Quando iníciar a educação sexual de seus filhos é um direito seu, ser respeitado como indivíduo é direito de todos.
    Pense a respeito.

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  7. Caríssimos comentadores (de verdade mesmo),

    obrigada por fomentar o debate, que é sempre bem-vindo, né? Quanto mais a gente falar a respeito, mais perto do entendimento nós chegaremos. Os preconceitos são mesmo arraigados...

    Claro que existe gente gay promíscua, assim como existe gente hetero promíscua... Gente é gente, e nasce de tudo quanto é jeito e se comporta idem.

    Acho que não podemos realmente confundir várias coisas. Primeiro: orientação sexual não é OPÇÃO, ESCOLHA. A pessoa é assim, nasce assim, acredito eu. Ninguém diz de repente: "sei lá, vou virar gay hoje". Então, não dá para começar um debate falando que a pessoa é gay porque quer. Às vezes dá para a gente falar que a pessoa é gorda (e mesmo essa afirmação pode ser muito complicada)porque quer, mas ninguém nasce chinês, nepalês ou brasileiro porque assim quis. Acontece. Existe. Nasceu. Eu, por exemplo, acho que gostaria de ter nascido na Europa (brincadeirinha).:)

    Segundo: se o cara ou a cara é hetero e promíscuo/a, no máximo a gente chama de galinha, de piranha, cafajeste, sacana... Gay promíscuo é doente, animal, aberração, amoral, Sodoma e Gomorra... Peraí. Isso é a tal discriminação vindo em forma de linguagem, em forma de não aceitação do que não é conhecido. Por isso é importante desvendar,tirar o pano, conversar, debater. Para que a gente fique por dentro do assunto e possa elaborá-lo melhor sem reproduzir estigmas.

    Terceiro: como escrevi no texto, acho que esses vídeos não são para crianças e pré-adolescentes. Se vamos falar de sexualidade (ampla e irrestrista) para esse público, precisamos de uma linguagem acessível, clara, didática. É preciso reunir comunicólogos, antropólogos, pedagogos e psicólogos nessa força-tarefa para levar um assunto tão importante para dentro da sala de aula.

    E, é claro, a família precisa fazer o seu dever de casa, né? Os pais precisam conversar com os filhos sobre sexo. A escola deve ser apenas complementação. Não cabe à escola prover TODAS as informações sobre sexualidade. Seria pedir demais.

    Bem, acho que é isso, mas isso é somente a ponta do iceberg...

    Abreijos,

    Lulupisces.

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