Procuram-se rebeldes, ansiosamente!

Eu acho o politicamente correto um pouco chato no que tem de excesso. Mas talvez o excesso, a patrulha, sejam necessários até que a humanidade encontre o equilíbrio, o caminho do meio.  No caso de descer a lenhar nessas piadas grosseiras e estúpidas, podem contar comigo. O que a cultura tem a ganhar com essas pessoas que lucram com baixarias?

Piada sobre negro, mulher feia, judeu, gordos e deficientes físicos são mais velhas do que a fome. Existem desde que o mundo é mundo e, por isso mesmo, já deveriam ter sido aposentadas. Quando nada se cria, tudo se copia, perdemos a oportunidade de realmente ir além, transgredir, polemizar. Só assim a gente amadurece, saindo do confortinho "burguês". (Gostaram do toque marxista ultrapassado?;)) 

"Eu que não me sento
No trono de um apartamento
Com a boca escancarada
Cheia de dentes
Esperando a morte chegar..."

Eis aí um cara que realmente estava à frente de seu tempo e que muito contribuiu para a nossa cultura rock/pop: Raul Seixas. Mas essa galerinha que dá poder, sucesso e grana para gente que fala água - repetindo discriminação que meu avô já devia reproduzir sentado na cadeira de macarrão da varanda da casa dele -- essa galerinha não deve sacar nada de vanguarda.

Rafinha do CQC não é futuro, é passado azedado. Piada boa se faz sobre comportamentos e seus desvios. Características físicas, raciais e orientação sexual não podem ser o fim da história, mas apenas um meio. E não vale atacar de Maquiavel e dizer que um justifica o outro.

Claro que se pode rir de “estereótipos” como a mãe judia, por exemplo. Woody Allen (outro transgressor que muito bem contribui para o imaginário mundial) fez isso hilariamente em Contos de Nova Iorque. Aposto que nenhuma mamãe onipresente se ofendeu. Porque o risível na tela estava calcado no comportamento de quem, até do céu, continua controlando a vida do filho. 

Outro dia eu estava vendo o "polêmico" clip da Lady Gaga: “Born this way”. Aí me dei conta que virou clichê transformar em polêmica algo totalmente trivial. Deve ser truque de marketing fazer pessoas como eu, desconfiadas com a falta de inventividade geral, conferir. Nenhuma polemização à vista, aparente ou subjacente.

Lady Gaga é só um repeteco de tudo que já se fez antes. Também assisti a uns 20 minutos da turnê Monster Ball (eu quis me certificar de que não estava sendo cri-cri) e tudo que meus olhos viram e meus ouvidos ouviram era pateticamente similar ao que já desfrutamos nas apresentações da Madona. Uma artista que, de fato, transgrediu, excedeu e deixou a sua marca no mundo. Ou cópia de Michael Jackson, esse sim, um rei revolucionário sem contestação.

A dona Gaga não choca ninguém. Isso não quer dizer que não seja legal. O chato é ficar criando factóide. Que mutreta! E eu não gosto de me sentir enganada. Como se beijar na boca de mulher, homem beijando homem, falar mal da Igreja, mostra freira devassa e outros truques bocejantes para quem já viveu mais de 20 anos traduzissem alguma inovação...

A juventude de hoje acha novidade o que pra gente já é velhice... Falta leitura, falta educação, falta bagagem, falta saber do passado para refletir o presente, falta ideologia de verdade para criar arte realmente nova.

Seria super vanguarda se os jovens de agora acreditassem que podem sacudir o mundo, derrubar ditaduras, acabar com a miséria, banir a discriminação racial e sexual... Acreditar no poder da solidariedade, da humanidade. Tai algo que sempre gerou muitas mudanças radicais.

O sucesso de pessoas sem nada a dizer está diretamente ligado a um público sem formação cultural/educacional capaz de acender nas cabecinhas o enferrujado senso crítico fundamental. Sem parâmetros para assimilar o que esses “artistas” fazem como pura repetição de padrões, imbuídos de rebeldias falsas e tolas, meninos e meninas alimentam "um museu de grandes novidades”. (Ave, Cazuza!)

Será que vou ter de reencarnar umas mil vezes para ver o Planeta Terra realmente antenado em outras ondas? Do jeito que a coisa anda, tirar o foco do próprio umbigo por dez minutos já pode ser considerada a maior transgressão da juventude sem calças, ops, causas.

Comentários

  1. Talvez eu esteja ficando velho... Mas eu gosto mais da rebeldia na época em que jovens íam às aos gritos pela liberdade, pelo amor, pela educação... Não a de hoje, munidos de canetas e bloquinhos, a correr atrás de Gagas, Stones, Vox, sei lá (energia mal distribuída!).

    Gosto de ser saudoso quando vejo imagens de crianças, jovens e adultos perdidos, confusos em meio a shows, aos gritos, implorando por referenciais ao mundo, mas, infelizmente, ele não tem, e nos contentamos com caldeirões vazios, sem rapas.

    R : )

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  2. Concordo com tudo o que foi dito. E aproveito para deixar mais uma vez por escrito, que não adianta ficarem me mandando aquelas dezenas de Power Points, piadas sem graça e etc. porque na minha caixa postal tem filtro. Vai tudo direto para a lixeira que é o lugar certo para o lixo!

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  3. Reproduzo aqui parte de um texto do André Barcinski, por concordar com ele: "Danilo Gentili e Bastos são como 'ombudsmen' da classe média careta, fazendo observações óbvias para deleite de um público que se julga muito superior às vítimas das piadas."

    Prima, você mandou bem no seu registro dessa onda de falsos rebeldes e subversivos.

    Valdeir Jr

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