O Big Bang ocular

À medida que vamos envelhecendo, somos apresentados a novas e fascinantes aventuras. Como ser vítima de exames de saúde esdrúxulos, patéticos e totalmente incompreensíveis a olho nu. Quem já virou o Cabo da Boa Esperança sabe bem do que eu tô reclamando.

Falando em olho nu, foi assim que os meus se sentiram nessas últimas semanas: devassados, virados do avesso por máquinas estranhas e gente esquisita. Bons tempos aqueles em que a gente ia ao oftalmologista e ele apenas pedia que lêssemos as letrinhas que iam diminuindo, diminuindo, diminuindo, diminuindo... No máximo, uma pupila dilatada para dar mais charme à consulta.

Agora não. Nada como fazer 4.0 e ter de passar por uma curva da pressão ocular. Um exame simpático que envolve enfiar algo dentro do seu olho de duas em duas horas para medir a pressão arterial do olho (nem sei se é arterial, mas ficou mais bonitinho assim). Não basta correr o risco de virar hipertenso depois de certa idade. Há sempre a possibilidade de um glaucoma resolver surgir no horizonte.

Então passei o dia para lá e para cá, pingando um colírio anestésico amarelo em cada olho a cada medição. Que parece o samba do crioulo doido: uma hora dava 12, na outra, 17, na outra, nove... Mas a médica me garantiu que tudo era assim mesmo, meus olhos estavam bem. Ah, bom.

Mas não é só isso: ainda faltavam mais uns cinco exames tresloucados. Uma tal de campometria. Esse aí verifica a visão periférica e a visão central. Você fica uma eternidade, primeiro com o olho direito, depois com o esquerdo, vendo milhões de bolinhas que podem aparecer ou não (eis a graça da coisa) no seu campo de visão. Daí você precisa apertar um botão para cada bolinha que pipoca - ou não – tá ligado?

Por que é que eu não joguei mais videogame na adolescência? Bem que podia ser a ás no joystick, mas olhar e apertar ao mesmo tempo é parada dura. Nem sei se vi demais e apertei de menos ou vice-versa. Saí da máquina zonza, os olhos esgostados. Vi estrelas, literalmente.

Mas não era só isso (o lance é mais pirotécnico que as facas Ginsu): ainda rolou outra simpatia denominada OCT (tomografia dos olhos). Ali, os comandos se resumiam a: “Não pisca! De olhos bem abertos! Aguenta! Não pisca! Não movimenta os olhos! Olhe diretamente e somente para a bolinha verde! Não! Não! Nãoooooooooooooooo!!!!!!! Abrir bem os olhos para alguém que é quase nipônica já é uma tarefa hercúlea. Não piscar por dois segundos que sejam nesse tempo seco do Planalto Central flerta com a tortura.

Entretanto o pior ainda estava por vir: enquanto eu era barbaramente revelada, com minha janela da alma estatisticamente impressa em gráficos e números, o outro técnico na sala de exames mantinha as pessoas em cárcere privado ouvindo Chiclete com Banana. Minha vista sendo espicaçada e meus ouvidos sendo violentados simultaneamente. Crime inafiançável. Nem os maiores torturadores seriam tão criativos assim.

E o golpe de misericórdia: uma retinografia com as pupilas dilatadas. Algo como tirar toda a proteção dos olhos e tascar em cima deles um farol de guiar navio no oceano. Aquela luz mais absurdamente brilhante do universo e você firme, forte e arregalada. Um big bang ocular!

Se continuar enxergando mal, com meus olhos de velha data e seus três graus de miopia e astigmatismo, após essa maratona da morte, só me resta gritar para todo mundo ouvir: sobrevivi! E nunca mais ponho os pés no Hospital Oftalmológico de Brasília. Magoei.

Comentários

  1. Afe, dá até para desconfiar que a pessoa que não tem problema nos olhos passa a ter depois dessa bateria de exames. Gosto nem de pensar, morro de agonia com essas coisas. Ainda bem que nunca tive de usar lente de contato. Mas... Já já estarei fazendo a curva desse Cabo da Boa Esperança e minha irmã já me avisou: se você nunca teve problemas oculares, passará a ter quando completar 40 anos e 1 dia. "Pode marcar na agenda", ela completou. A conferir. Bjs, Débora

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  2. Você tem convênio?

    É a primeira pergunta que te fazem. E aí você entrega a carteirinha e está perdido!

    O problema todo é que os convênios estão pagando uma miséria pela consulta e alguém tem que pagar aquele luxo todo do hospital né?

    Quando eu fui, além dos milhares de exames ainda tentaram me empurrar um tipo de fisioterapia ocular. Mas esta o convênio não paga e portanto eu não fiz.

    No meu caso o exame da pressão do olho foi rápido. Mas vai ver que é porque eu já tenho fama de grossa e o médico iria ter que ser muito convincente para que eu aceitasse passar um dia fazendo exames.

    No dia da mamografia me ligaram dizendo que eu teria que repetir. Eu perguntei a razão e disseram que era de praxe. Eu disse que não iria repetir p... nenhuma a não ser que me fosse explicada a razão. Busquei o laudo, entreguei à médica e eu não tinha nada.

    Realmente com a idade os exames aumentam. Mas precisamos ficar de olho no abuso.

    Lara

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  3. Ah, nem me fale em olhos, Luzinha... estou por conta da aplicação dos colírios de 1 em 1 hora no outro olho operado da minha mãe... agora o direito, affff! Ainda bem que ela não tem um terceiro olho, né? Não é uma vidente!!! rs.

    Continuo inconformada com a minha recente vista cansada... é isso mesmo que a Débora falou aí em cima: fiz 40 e pá! De repente não enxerguei mais as letrinhas miúdas da bula do remédio de pertinho! E nem de longinho, mas aí é normal né, aquelas letras tão pequenininhas... aproximei a bula dos olhos e as letras embaralharam! Eu que sempre tive visão 100%! Oh, vida cruel... assim descobri que a velhice não é uma invenção, ela existe mesmo e pega viu, pega qualquer um.

    Beijos

    Patty

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  4. Cara,

    Cada escrito seu é um flash! Quase que não aguento de rir! Esse exame no oftalmologista foi demais, já fiz várias vezes, "é cômico pra não dizer drástico".

    Você é D+.

    Beijão,
    Selma

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