Três vezes louca

De repente me dou conta de que estou sendo apresentada às irmãs da Adélia Prado. São três. Um trio miserável como as três – não as Três Marias de Raquel de Queiroz, tampouco as Três Irmãs de Tchekhov -, mas sim as três irmãs de Campina Grande/PB, cegas de nascença cantando ladainhas de amor e dor, acompanhadas pelo chocalhar monocórdico do ganzá, nas esquinas da cidade para garantir a farinha do mês na boca.

Estou no meio delas, conversando, trocando ideias e me perguntando: por que a Adélia não ajuda as miseráveis irmãs? Vá lá que poeta no Brasil não tem sucesso comercial e, consequentemente, muito menos grana farta, mas não farta nada na mesa da Adélia. Aposto. E as irmãs, coitadinhas, todas rotas como os Três Porquinhos Pobres do Érico Veríssimo!!!!

Mas o papo saia fluido e prosaico. A casa era tapera, as cores eram sépia, o filme estava rodando e eu lá, entre elas, a desafiar as convenções como o bando de Los Tres Amigos, aprontando nos confins do norte de Minas, ressecado e torto, portal do Saara nordestino. As três irmãs de Adélia não se fizeram de rogadas: acolheram-me em suas vidas caatingas e patéticas – qualquer semelhança com os Três Patetas também estava valendo.

E não mais que de repente outra vez, entramos numa estação de fim de mundo. O tom sépia quase beirando o preto e branco. O Expresso da Meia-Noite vai passar ao meio-dia na terra do sol, onde deus e seu contrário, o coisa ruim, podem estar num redemoinho qualquer, qualquer hora, descansando na curva do rio Jequitinhonha. O tridente fincado no barro das margens à espera do duelo com os Três Mosqueteiros, ou melhor, com as irmãs de Adélia e Dartagnan, que era o papel que me cabia nesse onírico folhetim.

O calor impregna, a câmera fecha nos olhares aflitos. Corte para um close da mão que me passa o bilhete. É daqueles de papel fino, sebento, amanteigado de vapores corporais. A passagem está amassada, contudo devidamente adquirida com o suor do meu rosto, que escorre lento. Destino: Grande-Sertão: Veredas.

Se esse (três)loucado sonho tivesse se esticado um cadiquim pra frente, capaz era d’eu morrer na linha férrea, ressuscitar no terceiro dia e ser conduzida pelo anjo Malaquias-Quintana para me sentar à direita de Drummond-Pai, todo poderoso.

Benza Deus! Blasfêma pouca é bestagê, sô!

Comentários

  1. Parabéns pelo texto! Muito sucesso e um dia de muita paz.

    Davide

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  2. Baby, estou esperando os seus belos textos. Estou relapso com o blog, mas os leitores cobram as suas crônicas. Beijos.
    Vicente.

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  3. Lu,
    Até Freud teria sérias dificuldades com um sonho mineiro, pois mineiro é esfinge, não sabia?!
    Fui ouvir Martha Medeiros ontem. MARAVILHOSA. Estou até com ressaca de adrenalina... Foi num teatro chamado Paiol, promovido por um jornal de literatura chamado Rascunho, talvez vc consiga pegar algo pela internet.
    Bjs e bom dia aí no Planalto Central,
    Ana

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  4. "Por que a Adélia não ajuda as miseráveis irmãs?"

    Se o sonho fosse meu e eu realmente quisesse tentar decifrá-lo começaria por esta parte. Porque é a mensagem que fica. O resto é a nossa incapacidade de traduzir para este plano o que trazemos do outro, enquanto estamos dormindo.

    Eu me perguntaria quem seria a Adélia? Eu mesma? Alguém com quem estou convivendo atualmente? Se sou eu mesma, a quem eu estou deixando de ajudar? Se não sou, porque fui eu quem sonhou? Eu tenho alguma participação?

    E provavelmente eu iria pirar antes de descobrir as respostas (risos)

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  5. Lu adorei "como sempre" os últimos textos, visto que fiquei um tempo sem ver o blog,li vorazmente todos e os que mais gostei foram os de Goiania, um olhar bem bacana sobre a cidade , e o sonho...muitcho louco...interpretar? eu? quem?não sou louca não!!!!beijo grande...paz profunda...não nos abandone nunca viu?
    Namastê!
    Cynthia

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  6. Poizé, Larinha, sonhos são tão interessantes, né? Eu queria ter continuado nele para ver como seria, na minha cabeça, a cidade Grande Sertão: Veredas.

    Acho que a Adélia sou eu e a vontade de estar rodeada de mulheres... Eu sinto falta das minhas mulheres: mamãe, dindinha, minhas irmãs e sobrinhas que se fragmentaram... Era um clube da Luluzinha poderoso. E ficou o vazio.

    E essa vontade ajudar eu tenho, mas ainda não descobri uma maneira real de fazer isso. Eu vou encontrar, eu sei, mas não será pelo viés da religião ou da doutrina espírita ou budista... Já tentei fazer parte de voluntariado via igreja e comunidades religiosas e não dá certo porque eu não sou frequentadora assidua da missa ou dos encontros... Tem de ser de outra forma.

    Sinto que agora, depois de anos de depressão, estou voltando a ter a energia e a alegria da Luciana que já estava quase derrotada lá dentro.

    Daqui para frente vai tudo ficar bem melhor.

    Um beijo,

    Lulupisces.

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  7. Gustei muintu,sô!!!

    Bjs.

    Ana Catarina

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