Felicidades!

CONFEITO
"Quero comer bolo de noiva,
puro açúcar, puro amor carnal
disfarçado de corações e sininhos:
um branco, outro cor-de-rosa,
um branco, outro cor-de-rosa."
(Adélia Prado)


Era o dia do casamento. Igreja, mas nada muito pomposo, só a vontade de seguir a tradição, viver o ritual. Ter memória desse dia como um dia único, que não volta, mas permanece tatuado no coração.

Entrar com o pai pela nave, os olhares todos nela. A escolha do vestido sempre dolorida, aflita, duvidosa. Fechou num longo justo simples, tomara que caia, alguns drapeados. As curvas sugeridas numa intenção sexy porque não é preciso corar o padre, desmerecer a liturgia. Nunca entendeu as noivas que põem vermelho, decote até a bunda, minissaia. Igreja é igreja e casamento é uma instituição formal, sóbria. Se pretendia ousar ou chocar, casasse no barzinho da esquina ou no salão de festa do prédio.

O cabelo vai preso, com um arranjo de flores brancas para contrastar com os fios negros da cabeleira meio judia russa. Até que fiquei bela, pensa ao se fixar na imagem do espelho. Vou causar boa impressão? Vou chorar? Vou tropeçar no tapete? O buquê pequeno, delicado, umas rosas rosas, lilases... Sapato todo branco? Detalhes dourados? Com renda aplicada? Não, parece coisa de agência financeira... Branco gelo, branco hospital, nude? Salto 15? Melhor mais baixo, senão fico mais alta que o noivo...

Os últimos retoques na maquiagem. A cerimônia marcada para 20h30. Os padrinhos já estão na porta da igreja. A noiva entra no sedan desajeitado do pai, que foi lavado e encerado com delicadeza para o grande dia. Ela espera o seu momento de cinderela.

A música dá o tom e a deixa para a entrada das testemunhas. A igreja recebeu arranjos de flores vaporosos, porém singelos. O sedan cafona do pai para, ele desce e abre a porta para a filha que agora, oficialmente, já é de outro homem. O pai ajeita a gravata na tentativa sutil de demonstrar tranquilidade. Entretanto a noiva não parece afobada tampouco histérica. Confiante está de que todas as decisões eram acertadas. Inclusive a de casar com ele, namorado de cinco anos, rapaz de índole tranquila.

Toca a marcha nupcial de Mendelssohn. Como ser outra se ela é moça de tradição? Minha hora chegou... A hora da estrela, a entrada da top model mais bem paga do casting... Cadê o buquê? Ela pergunta, vibrando a placidez de lago até então. Percebe que esqueceu o buquê no sedan brilhante do pai... Corre a moça do cerimonial até o estacionamento lateral e retorna, dois segundos depois, com o arranjo de rosas rosas, lilases, compacto e fundamental às noivas de todos os casamentos do mundo.

O portão de madeira entalhada com cenas da vida de São Camilo de Léllis é aberto. Uma nova vida se escancara para ela. De braços dados com o pai ela acende o sorriso luminoso para dias memoráveis e, surpreendendo, vira o rosto e diz boa noite para o fantasminha e o minilobisomem postados do lado de fora da igreja, acompanhando, curiosos, o desenrolar daquele conto de fada de verdade.

A dupla responde o cumprimento-surpresa com mãozinhas em tchau. Quase posso vislumbrar um desejo de boa sorte em seus olhinhos boquiabertos. Daqui a 30 anos, recordará a noiva desse vislumbre sobrenatural? E se voltar no tempo, abrirá o mesmo sorriso de fotografia? Espero que sim. E que a cena seja uma das mais queridas tatuadas naquele coração sem arrependimentos.

Comentários

  1. Oi Lu.

    Parabéns pelo primeiro aniversário de teu blog. Sempre inteligente, bem escrito (coisa rara hoje em dia, rs rs rs), interessante e completo em sua diversidade diária.

    Bendita torrente!!!

    E nada mais oportuno que esse "Felicidades". Tu também há um ano atrás abria o "portão de silício" para adentrar num novo mundo que, com certeza encarou sem ser... "afobada tampouco histérica. Confiante de que todas as decisões eram acertadas"..., o que hoje se confirma aqui.

    Mais uma vez Parabéns pela iniciativa e que continue a nos brindar com tuas palavras. Continue sempre inspirada e nos brindando!!!

    Grande beijo de
    Renato, Balbina e toda a turminha aqui de Floripa!

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  2. São tantas citações e referências que aprendi com esse seu conto.
    Mendelssohn?
    Conhecia a melodia, mas sabia que era desse tal Mandelsson.
    São Camilo de Léllis.
    O Google me mostrou uma penca de imagens, todas retratando São Camilo cuidando de doentes.
    Uma alusão à saúde mental da noiva?
    Afinal, casar é uma loucura que só os muito lúcidos se permitem.
    E hora da estrela é uma referência à Clarice, né não?
    É sim.

    Gostei demais desse conto, menina.

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  3. Ops.
    Para o bem e para o mal, o comentário anterior é meu, Valdeir Jr.

    Esqueci de assinar.

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  4. Ah! deu até saudades do meu "dia de noiva", e olha que já faz 36 anos... quando pego meu albúm de casamento ainda sinto a mesma emoção, o sorriso de felicidade e encantamento que hoje, vibram dentro de mim, trazendo uma constatação: de que encontrei "o cara" para trilhar o caminho e que dei os passos certos, sem arrependimentos, e recomeçaria tudo outra vez...boas recordações esse texto me trouxe...
    grata.Namastê!
    Cynthia

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  5. Queridos comentaristas,

    fiquei deveras emocionadas com esses dizeres tão auspiciosos de vocês!! Renato, que surpresa fantástica essa sua postagem!! Quase chorei, porque sei o quanto é difícil os homens serem assim sensíveis e abertos aos comentários nos blogs da vida... Amo vocês todos aí em Floripa, sempre no meu coração de noiva, viu?

    Essa história é real, verdadeira, e aconteceu comigo e os meninos no sábado passado. Buscava os dois de uma festinha de halloween na casa do amiguinho e, ao passar na frente da igreja São Camilo de Léllis, percebi que iria começar um casamento. Eu adoro casamentos! Então quis dar a eles a oportunidade de ver um de perto, pois ainda não viram nenhum... E lá ficamos nós, de penetras, sentados no murinho da porta da igreja. Um menino vestido de fantasma, uma mãe de chinelo e um menino com uma horrenda máscara de lobisomem.

    A noiva realmente olhou para a gente e nos deu boa-noite com o sorriso para dias memoráveis. E eu nunca vou me esquecer disso. Espero que ela também não.

    Grande abraço,

    Lulupisces.

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  6. É esse o feeling dos escritores inspirados... conseguir criar doces fantasias e tirar de uma cena, apesar de bela, tão prosaica, uma poesia tão envolvente e encantadora, que nos faz viajar instantaneamente para esse momento que, através de suas palavras, foi brindado com uma aura quase que divina!
    Aposto que a noiva iria amar esse presente-homenagem.

    Bjs
    Patty

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  7. Já sabe o que vai me servir no dia que te visitar: Bolo de noiva feito com açúcar,recheio de ameixa.
    kkkkkkkkkkkkk!!!!!
    Me deu água na boca. Bjus,
    Davide

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