Mordidas, nacos, lascas, triscos: desabafos de uma chocólatra




O meu problema é com chocolate. Qual é a probabilidade desta afirmação ter sido proferida por uma mulher? Vou chutar na casa dos 90%. O arqui-inimigo da boa forma, das dietas, da consciência leve como uma pena. Ele, o grande vilão (e por isso mesmo mais charmoso, mais bonito, mais tesudo), reverenciado, desejado e suspirado pela mulherada mundo afora: o lascivo alimento dos deuses maias, astecas, incas e baianos. Quem mandou Ilhéus plantar cacau, pô!

Por que será que nós damos a vida por um chocolate, hein? De onde vem esse fascínio de ter o sangue sugado das veias pelo conde Drácula? O flerte com o perigo das espinhas, da obesidade, da diabetes e, menos fatal, entretanto chato, das cáries?

Depois de passar quase dois anos me afundando em barras amargas, ao leite e meio amargas, tentando ressuscitar minha mãe por meio de muitas mordidas sôfregas e dilacerantes nos crunchs, alpinos, sonhos de valsa, ouros-branco, serenatas de amor e também, sou filha de Deus, nas iguarias gourmet da Stans e Cacahuá, tinha de terminar 2011 com três dentes brocados.

Fazia cinco anos que meus dentes davam show de bom comportamento. Nenhum barulho angustiante de motorzinho e muito menos aquela injeção estafúrdica de anestesia - que faz a gente pensar enquanto sofre: é mesmo melhor com ela do que sem ela? - me fizeram companhia nas consultas de rotina.

Porém, agora, snif, vou sentir a fúria da cadeira maluca da Pequena Loja de Horrores... Tadinho, o meu dentista não tem nada do sádico Steve Martin, a não ser a boa pinta. (Que a mulher dele não me leia, pois ela é a dentista dos meus filhos e pode querer se vingar de mim atacando os pequenos com doses letais de broca. Esposa ciumenta, já viu...)

Chocolate, chocolate... Ai, seu monstro perverso, travestido em suaves tons de licor de cereja ou trufas de morango... Ataca sem piedade os corações saltitantes de emoções e aventura femininos. Tai, deve ser esse o diferencial. Homens são pragmáticos e rotineiros. Sim, há os que optam por vício em seratonina de outra forma: asa delta, alpinismo, fórmula 1, trilhas de bicicleta pirambeira abaixo... Mas as mulheres, sempre tão mais nebulosas, são as vítimas preferenciais dessa energização transcendental traduzida no devorar solitário de um toblerone (o amarelinho, por favor).

Mesmo as moçoilas mais bem resolvidas e atléticas não conseguem dizer não ele. Não adianta praticar ginástica artística, wind surf, maratona, salto triplo, circuito pedal, boxe, SUP... Depois de toda a suadeira, 90% das mulheres ainda se sente carentes da adrenalina que só pode ser saciada pelo sentar no cantinho preferido saboreando nacos de ovos de Páscoa ou raspando aquela panela de brigadeiro que aprendemos a fazer na infância, muito antes de saber fritar um ovo.

Semana passada estava toda satisfeita comigo mesma. Já era quinta-feira e eu não tinha colocado sequer um trisco de marrom-bombom na língua. Mas o diabo tenta, vocês entendem, e não é que me aparece no salão onde faço as unhas um menina fofa, serelepe, vendendo trufas, vestida de chapeuzinho vermelho – ou seria mamãe Noel? Era tão clara a danação, meu Deus! O demo anda perdendo a sutileza, sabe? Mas eu não quis nem saber: comprei logo duas, pra ajudar a ela e a mim.

Sem resistir, como uma viciada absurda, voltei para casa devorando a minha. Hummmm, estava meio derretida pelo sol, escorrendo uma sensação (também adoro, o de morango, por favor) de paraíso... Não lambi os dedos porque iria estragar as unhas ainda fresquinhas. E não dividi com ninguém. Prova de que sou, de fato, dependente química de brownie e sorvete de chocolate.

Todavia bateu, claro, a consciência corpulenta. Mais uma vez eu traía meus nobres propósitos de ser que nem a Angélica (dois homenzinhos eu já tenho). Outra irmã compulsiva, escrava do manjar do Olimpo, mas que domina a arte de não dar a primeira dentada.

Então resolvi, na malignidade de mui amiga, levar a segunda trufa para a nossa terapeuta. Quando avisei que tinha trazido um chocolate para ela, vocês não estão entendendo, em seu rosto abriu-se um clarão de meio-dia. Foi acabar a sessão e ela correr para o abraço terno e sedoso daquele barulhinho de papel se abrindo.

O marido, espantado, não conseguia entender tanta efusão em torno de uma trufa caseira, provavelmente tosca e megadoce. “O que acontece entre vocês e o chocolate, mulheres?”, perguntava sua boca silenciosa esbanjando ironia debochada.


Comentários

  1. Ai meu Desus, ainda bem que já vim hoje com uma barra de chocolate da Arcor lá do supermercado(estava em promoção, então tive essa desculpa para comprá-la, rs), antes de ler sua crônica, senão estaria aguando aqui! Que desfile de delícias!
    Quando compro uma barra, nada de comê-la dura não. Derreto-a um pouquinho no microondas. O meu chocolate preferido para isso? O branco com frutas vermelhas da Nestlé! E lá se vão mais de 4,00 do meu bolsinho nela, dói viu, mas, vale a pena!
    Às vezes como chocolate puro e, se tem morango em casa, meto prá dentro junto! Hum, fica um bombom de morango (de pobre) genial! rsrsrs
    Vc sabe, não sou só chocólatra, sou doçólatra mesmo, como doces, inclusive o marronzinho ou o branquinho em questão... então, amo muito tudo isso!
    O Gustavo diz que chocolate branco não é chocolate, é só uma massa com manteiga de cacau...que insulto! E se for, qual é o problema, algum preconceito mano? Mando prá dentro do mesmo jeito, sem distinção de marca ou cor!

    Bjs
    Patty

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  2. Oi Lu,

    Se tem duas coisas no mundo que poderia sumir para sempre e que nao iam me fazer falta alguma: Chocolate e bebida alcolica :)
    Deve ser dificil ser chocolotra ne?
    Sorry girl, can't help you there :)))
    Eve

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  3. Diquinha básica pra salvar um dia marromenos: derreter no microondas pedaços da barra de chocolate ao leite clássico da Nestlé e misturar com uvinhas sem caroço. Nó! Me consolo dizendo que estou comendo mais frutas que chocolate, haahahahaha. Nem vem que não tem. Não quero entender nada, quero só achar muito bom comer dessa maravilha descansadinha no sofá. Penso assim: ela vem, ela vai. Procuro não alimentá-la (essa paixão é perigosa pros quadris), mas tb não vou negar-lhe um colinho de vez em quando, né? E assim, la nave va. bjim Isa
    ps qual o problema com o toblerone branco? Por favor...

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  4. Olá comentadoras,

    nada contra o toblerone branco, mas eu prefiro o amarelinho. Branco eu gosto mesmo é do Galak e desse com frutas vermelhas que a Patty mencionou. É bom nem passar perto das Lojas Americanas... Caso contrário, o crime é cometido.:)

    Beijolates,

    Lulupisces.

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  5. Caraca!

    Vocês sentem culpa por comer chocolate?!?

    Graças a Deus culpa é uma palavra que não existe no meu dicionário. Responsabilidade até vá lá. Mas para outras coisas. Chocolate só rima com prazer. E eu não acho que as cáries sejam por culpa dele. Escova os dentes depois de comer que fica tudo certo (risos)

    Mas, já que você falou em dentista... Somente para você se sentir menos agredida pelas brocas vou te contar o meu caso...

    Lá fui eu, disciplinadíssima, como sempre, fazer minha limpeza semestral. Daí resolvi comentar com o dentista que há duas semanas estavam aparecendo umas bolhinhas na gengiva, sempre abaixo do mesmo dente. Raio X, manda para o endodontista ver, ele pede uma tomografia da boca blá, blá, blá... Resumo da ópera: tenho uma fratura no osso e não há outro tratamento senão extrair o dente são e colocar um implante.

    Minha filha querida me houve contando esta tragédia e me pergunta: mamãe, vai doer?

    Vai, minha filha, vai, vai doer MMMUUUIIITTTOOOO NO BOLSO! Porque é claro, o plano de saúde não cobre. Ainda não levei a facada, o dentista está fazendo suspense e vai me dar o veredito amanhã.

    Mas, tudo, absolutamente tudo na vida tem o lado bom. Após a cirurgia (provavelmente terça-feira) eu já saio do consultório com a prescrição: TOMAR MUITO SORVETE!

    Acho que vou começar com o de chocolate...

    Ah! Você não é assim tão viciada... Você doou uma das suas trufas (50% do seu patrimônio) à terapeuta... Imagina se eu iria fazer isso!

    NEMM!

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