Mulher insustentável

Do nada o marido resolveu religar o boiler do apartamento. Queria testar o aquecimento da água, se valia à pena, ou estava entediado procurando aventura, sei lá. O bichão estava lá escondido num armário na DCE. Teias de abandono cobriam seu invólucro acobreado desde que compramos o apê.

E então ele me chama e diz: “quando for ligar o chuveiro, use a torneira da esquerda porque eu liguei o boiler”. Lógico que minha primeira atitude foi... protestar! Não seria uma esposa se assim não tivesse procedido. Todavia tratou-se de protesto vazio, aquela implicância conjugal de todos os dias que os casais, idiotamente, preservam para o bem-estar de ninguém.

Só que aí eu fui tomar o meu primeiro banho a boiler e o negócio mudou de figura. Abri a torneira e a água começou a correr fria, gelada. Eu vi aquele aguaceiro todo sumindo ralo afora e comecei a ficar fula da vida. Mas que troço mais antiecológico! Tanta água indo para o cano até o treco esquentar em pleno outono-inverno! Agora havia reais motivos para reclamar. Esse sistema é ecologicamente inadequado para a vida de hoje. Abaixo o boiler!

No ano passado, estivemos em Florianópolis. O apartamento do casal amigo no qual nos hospedamos funciona à energia solar. Nossa, que lindo! Tanta preocupação com o meio ambiente até me deixou envergonhada. O que eu realmente faço para melhorar o planeta? Escrevo crônicas pouco lidas aos domingos. Caramba, está na hora de adquirir uma postura mais green. E não falo apenas de usar roupas verdes, como a minha madrinha sempre fazia. Dindinha era a encarnação do "eu acredito em duendes". (Sou rodeada de malucos, acreditem).

Mas, depois deste evento do boiler, me toquei que para esquentar o raio da água aquecida pelos raios do sol também leva um certo tempo. E, nesse certo tempo de torneira aberta e água caindo, lá se vão litros preciosos do nosso maior patrimônio natural. O dilema está lançado: o que fazer, meu Deus? Ei, vocês aí que inventam novas tecnologias biodegradáveis e ecologicamente responsáveis, help me! Dá para sugerir algo que não inclua tomar banho gelado no inverno?

Interessante como esta ladainha de preservação da natureza realmente muda a cabeça da gente. Nunca um ditado popular foi tão verdadeiro quanto “água mole em pedra dura tanto bate até que fura”. Quando éramos crianças, o máximo que ouvíamos falar era de Cubatão e seu ar inespirável, da extinção de algumas espécies e do ameaçante discurso do esgotamento das reservas de petróleo.

Agora me pego fechando a torneira ao escovar os dentes, desligando todas as luzes da casa que meu marido insiste em manter acesas, funcionando a geladeira e o freezer na potência mínima e, também, me preocupando com a água que rola gelada do boiler malvado. Nem vou falar de não jogar lixo no chão porque dessa grosseria eu nunca sofri, tá me estranhando? Poizé, sem que percebamos vamos incorporando a tal educação ambiental! A consciência social e planetária em ação quando menos esperamos.

Por isso, hoje eu sou uma ativista antiboiler e também pretendo “panfletar” pró-cabelos curtos. Mulherada, vocês já repararam o tempo que gastam no chuveiro lavando a cabeça? Credo!!!! E olha que o meu cabelo é tamanho médio. Imagina aquele cabelão de crente, cabeleira afro, ou cabelo da adolescente que acha que todo o poder de sedução se concentra nas longas madeixas?

Eu não lavo a cabeça todos os dias. Mas já ouvi falar de mulheres que fazem escova dia sim, dia não. Predadoras alienadas!:) Miles gastos de energia elétrica + água cano abaixo. Estou revoltada! Vamos fazer uma passeata a favor dos barbeiros e suas máquinas quatro. Maridos, namorados, amantes, incentivem suas mulheres a acreditarem na música do Zeca Baleiro: “nega, você não precisa de salão de beleza/A sua beleza é maior do que a beleza de qualquer salão”.

Já vi que a minha primeira bandeira ecológica vai ter poucos adeptos. Porém, para não perder a pose de engajada, comunico: boiler na minha casa, nunca mais! 

Em tempo: meu nunca mais durou o prazo da reforma ficar pronta. Agora temos boiler a todo vapor e dois chuveiros num único banheiro + banheira, ou seja, virei um caso anacrônico de ativismo de meia tigela. Uma mulher insustentável, afff!



Comentários

  1. É difícil demais sermos politicamente corretos num mundo politicamente incorreto.
    Gustavo ontem falou que gostaria de deixar de comer carne, por causa do sacrifício de animais, essa coisa toda. Prá mim tudo bem, inclusive, eu amo um restaurante vegeteriano (porque vai se lá que vamos comer, não vou fazer comida natural que dá o maior trabalho, né?!). Bom, que lindo, não comemos carne. Mas e os ovos da pobres galinhas sacrificadas? Tudo bem, sem ovos! (aí já vou sofrer um pouquinho). Mas e a nossa roupa feita do algodão das pobres das ovelhas depiladas? Tudo bem, tira a roupa! Bom, a essa altura já vou estar mais magra e, sem roupa, mais sexy também.... Mas, e...por aí vai. Li sobre uma mulher que só come grãos e como ela faz quando tem que viajar... ela deixa os grãos na janela do hotel para germinarem, para que ela possa comer de manhã! Olha que loucura! Bom, já viu né, se formos radicais é melhor deitarmos logo numa cama e "vegetarmos"...rsrsrs
    Tem gente que pensa que se criar o filho comendo só verde ele vai gostar e nunca comerá nada de diferente. Ledo engano! Ele vai ter sim é uma overdose de carne no primeiro churrasco que participar na casa do amigo... e, prepare-se: ele vai querer ser adotado pelos pais desse amigo!!!
    No seu caso aí, economiza-se luz, mas, gasta-se água... e a consciência dói de qualquer jeito!
    Bom, o jeito mesmo é relaxar, não acha? rsrsrs
    Bjs
    Patty

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  2. Pois é... Coisa interessante...

    O meu colega de trabalho estava aqui reclamando justamente do contrário. O boiler dele está querendo cozinhá-lo vivo. Vai entender né?

    Já ouviu falar de umas mulheres que defendem um tal de coletor menstrual? Imagina ter que lavar aquela coisa...Eca!!!

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  3. Lu!
    Isso mesmo! Abaixo as madeixas, abaixo o banho, abaixo o salto alto! Vamos viver no mar, pela brisa, deixando a areia encontrar caminho pelos dedos... os olhos entorpecerem-se com a paisagem e o balançar das ondas tontear o juízo... Ser ecologicamente solto no pensamento, porque na real... banho... escova... progressiva... salto... depilação ... porque dói ser mulher...
    Adorei o texto! Beijos em você e nos seus duendes! ahaha saudades...

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  4. Voce ja pensou na ideia de tomar banho um dia sim um dia nao?

    Bjos,

    Eve

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  5. Oi Eve,

    meu marido já adotou essa prática, mas não sei se foi por ser ecológico...:) Sim, eu já pensei sobre o assunto... E já fiquei sem tomar banho de um dia para o outro sim (óóó). Mas o Brasil é quente, né? A gente sua, prega, pinga... Fica difícil não tomar banho todo dia.

    O que eu faço é não demorar no banho. E só rola banho de banheira uma vez por semana. Pelos meninos, eles tomariam banho na banheira todo dia, mas não dá, né? A consciência pesa.

    Beijão,

    Lulupisces.

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  6. Oi Luciana,

    Voce sabe que depois que eu li o seu texto agora eu olho para meninas e mulheres com cabelos compridos com outros olhos? Antes eu admirava o capricho e o compromisso de cuidar dos cabelos. Agora não gosto nem um pouco. É um desperdício de água. Corta o cabelo mulherada!! Sabia que eu cortei o meu cabelo curto também? Na época nao foi uma decisão green, mas agora até que eu me sinto bem com esse corte. Nao sei se voce sabe, mas eu sou green também :)
    Eu adotei a prática do banho dia sim, dia não no outono e inverno (ohhhhhh) mais concordo com você,no verão não tem jeito:)

    Beijao, Evelyn

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  7. Lu, também sempre detestei os tais boilers. Quando solteira, tinha um na minha casa... O lance dos cabelos me matou de rir... Agora estou mais ecológica, faço selagem térmica, o que me dispensa da escova depois do banho rs... Mas pensar no tanto de química que ela leva, aí já é demais, né? Vamo que vamo... Bj, Ana Cláudia

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