Se o meu elevador falasse...

O casal 20 mora ao meu lado. Para ser mais sincera, mora abaixo, aos meus pés. Ou mais precisamente: no segundo andar. Ela tem um Volvo, ele um Audi. Nossos encontros casuais se dão geralmente na garagem, quando juntos pegamos o elevador. O charme de ambos é impressionante e a sensação de eterna felicidade que eles passam também.

Nunca pensei que casais 20 pudessem realmente existir e talvez por isso gostasse tanto da série de TV com Robert Wagner e Stephanie Powers. Eles eram puro glamour e romance. The Harts, o mordomo Max e o cachorrinho Freeway em suas aventuras cheias de grana, bom gosto (para a década de 80, esclareço) e adrenalina. Eu sei, eu sei, estou denunciando novamente a minha faixa etária, mas a vida é assim, sempre traiçoeira.

Meus vizinhos não têm cachorrinho frufru. Na minha opinião, mais pontos para eles. Também não rola este lance de mordomo porque seria um pouco demais em um apê classe média. Mas, tirando estes “míseros” detalhes, a vida do casal parece saída da imaginação do Sidney Sheldon.

Ela sobe no elevador repletas de sacolas, como se tivesse dado um passeio pela 5ª Avenida: Bob Store, Cori, Trussardi... Always simpática e pronta para estrear no papel de diva com seu cabelo bem cuidado, longo e liso. A elegância dela contrasta com os meus modelitos brechó-descolados. Será que ela me acha brega? Ou louca?

Os ternos de caimento perfeito complementam o ar intelectual de funcionário do que antes dizíamos “alto escalão” dele. Alto ele é, de fato. A versão brasileira do Tim Robbins. Com óculos que lhe dão extrema personalidade, o gentleman segura a porta do elevador para eu entrar, e no trajeto que separa a vida do monarca da vida da plebeia ainda me pergunta: “Como vão as crianças?”

Outro dia meu filho de quatro anos se encontrou com a bela. Ao sair do elevador cutucou o pai e disse: “ela é bonita, não é papai?” Para uma criança que só se importa com pokemón, dinossauros e “Star Wars – A guerra dos Clones”, perceber a sofisticação desta mulher é a demonstração clara de que não estou exagerando em nenhum pormenor.

Ter um casal 20 morando no prédio da gente é uma dádiva. Volto a acreditar que o casamento não destrói o amor (pelo menos no tempo em que dura a viagem dentro daquela cabine espremida de metal). Eles são a imagem de um relacionamento que dá certo. E não parece propaganda enganosa.

Outro dia flagrei os dois trocando uns beijinhos roubados e românticos enquanto esperavam a vez de pegar o elevador. Eu estacionava o carro na vaga da garagem que fica de frente para a prumada. Do retrovisor, assisti aos sorrisos; flashes de certa descompostura juvenil e apaixonada.

Este par fino, bem de vida e com a vida não está casado há menos de 10 anos. Eles têm um filho adolescente – polido, clean e good looking como os pais – que de vez em quando também encontro no sobe e desce diário da rotina. Que enigma é este que faz alguns casais permanecerem tão resplandecentes mesmo após tantos anos dividindo o mesmo banheiro?

Talvez resida aí o busílis da controvérsia, ou para os íntimos, o xis da questão: eles já devem ter feito uma ultramegaplus reforma no apartamento e tudo deve ser cool, luxuoso, com portas privativas e avisos de “proibida a entrada”.

Preciso arrumar uma desculpa para conhecer o lar dos “Harts” e é pra já. Será que ela vai me achar brega se eu pedir um pouco de açúcar? Ou louca se eu apenas colocar esse texto por debaixo da porta dela? Você decide!