"A linda rosa juvenil"

Um cara toca e canta Djavan ao violão sentado no murinho. Mais à frente, o menino de tênis all star e bermuda larga sopra seu trompete. O som melodioso varando as ondas invisíveis do espaço. Lá dentro do auditório, o rapaz tímido, empunhando baquetas diversas, tira música inusitada dos instrumentos de percussão. Esse lugar de encantamento musical existe. É a Escola de Música de Brasília (EMB).

Durante anos da minha infância eu convivi com a atmosfera dissonante da EMB. Vanja, minha irmã, foi aluna da instituição. De lá, saiu tocando clarineta e flauta transversal. E eu saí apaixonada por música. Agora que voltei a frequentar a EMB por causa da sobrinha do meu marido, que já se formou no básico de harpa -- imaginem vocês, harpa -- é que percebo uma simplicidade: a EMB deve ser responsável por todo o amor que sinto por esse universo.

Cruzar aqueles corredores que exalam tons e sustenidos é um privilégio aberto à população de Brasília, pois a EMB é uma instituição pública. Ali, descobri a música clássica. Em casa, Vanja ensaiava e eu ficava só de butuca, achando o máximo ter uma irmã que sabia tirar composições tão extasiantes daqueles instrumentos de sopro. Quando ela distraía, eu pegava o clarinete e tentava: suu.... suu.... Nada!

Mais tarde, fui fazer violão com uma professora particular (eu queria piano, mas minha mãe não tinha grana pra comprar piano). Não deu. Dom zero, ouvidos idem. Só me restava o consolo de ser uma amante da partitura sem saber lê-la ou tocá-la.

Depois de um hiato de mais de década, eu retorno à EMB. Volto a assistir a recitais em seu auditório que, para minha tristeza, continua exatamente do mesmo jeito, ou seja, revelando anos e anos de descaso do poder público com uma escola única, de importância fundamental para a formação de novos talentos da música popular e erudita. Poltronas quebradas, matagal por todos os lados. A "linda rosa juvenil", com seu tempo a correr, a correr, a correr e o mato crescendo ao redor, ao redor, ao redor...

Abandono. Só o que sobra é a vontade de tocar daqueles jovens. E é emocionante ver rapazes e moças pedindo um bis do Cartola, sabendo quem é Cartola e tantos outros compositores brasileiros fundamentais. Meninos e meninas que dedicam horas e horas de possíveis divertimentos baratos pelo barato de tocar um instrumento e se tornar um músico profissional.

Nesse reencontro com a EMB, prestigiei Marina dedilhando sua doce harpa... Ontem, curti Zacarias e sua percussão erudita. Outro dia, vi um recital de música barroca... As apresentações, assim como a escola, são gratuitas. A EMB é do povo, é nossa, é do Brasil. Pena que só uns gatos pingados se dão conta.

E eu me dou conta de que o desabafo da professora da Escola Parque (outra instituição pública frequentada pelo meu filho) ao microfone, para um auditório lotado de pais e alunos, é o retrato da falta de zelo do país com a formação de nossas crianças e jovens: "A Educação brasileira tem muito de improvisação".

Até quando?

Comentários

  1. Muito bom o texto... Pena que não pude ir!

    Bj
    Nina

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  2. Lembra que eu também fui fazer aulas de violão com você? Só que não no mesmo horário, eram aulas particulares, então... mas me lembro de nós duas estreando no violão... "Caminhando e cantando e seguindo a canção..." os dedos vermelhos marcados pelas cordas duras do violão, doendo à beça...rs... Sua mãozinha pequena então, sofrendo para fazer aqueles acordes...rs... parece que você teve que fazer alguma adaptação no violão, por ser canhota e tal...tudo isso eu me lembro, viu só? Parei logo nos primeiros meses, "estacionei" na bossa-nova. Até hoje, quando pego um violão, só dedilho a mesma musiquinha (e só até o final da terceira frase)..rs.. maior vexame! Mas meu cunhado, que é músico, diz que eu tenho uma boa "munheca" para tocar violão. E vai ficar por isso mesmo... Daquela professora só me lembro de uma coisa: Ela me emprestou o livro "Spartacus" para ler, gostei muito. Valeram as aulas...rs...
    Aqui na cidade temos o Pró-música, onde a Bruna faz piano/teclado... também adoro ouvir todo tipo de música pelos cantos, os papos cabeça sobre música, todo mundo cantarolando, falo que estamos entrando no "Templo da música"...rs...pena que minha filha não seja tão dedicada, morre de preguiça de treinar (parece o Romário..rs...), mas até que gosta de tocar. Eu queria é que ela fosse apaixonada, caxiona, só pensasse em piano, nas músicas que ela tinha que tirar, com perfeição. Frustrações de mãe...

    Beijos
    Patty

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  3. Oi querida Pattygirl,

    claro que me lembro das nossas aulas de violão com a professora quase hiponga que morava na 308 sul. Deliciosos momentos da nossa adolescência. Ela parecia uma versão brasileira da Joan Baez :)

    Rômulo também faz aula de música lá na UnB. Ele curte bastante. Não sei se vai ter talento para tocar algo, mas eu gostaria muito que meus filhos se interessassem por música a ponto de escolher um instrumento.

    Frustrações da mãe de cá...:)

    Beijocas,

    Luzinha.

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  4. Oi Tia Luciana,

    Acabei de ler seu texto no blog, muito legal, gostei mesmo. Fico feliz em saber que você gostou da apresentação e dos meus dedilhados na harpa..rsrsrs

    Desculpe a demora pra responder, eu não sou muito de entrar na internet..

    Beijos, Marina.

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