Finadas histórias


O dia dos mortos já passou, o das bruxas (e há quem brigue também para que seja o do saci) também já se foi. Interessante ser uma data pertinho da outra, interligando a gente com as coisas do além. Um portal para o desconhecido deve se abrir entre o 31 de outubro e dois de novembro. Forças muito poderosas pairam sobre nós. Não do mal, não senhor. Do que transcende, apenas.

Eu curto refletir e celebrar esse mundo sobrenatural. Sempre tive meu lado sombrio e, nesse ponto, me considero totalmente “americanizada”. Acho o halloween divertidíssimo com suas assombrações e abóboras desdentadas macabras. Ter meninos nessa hora ajuda bastante. Os dois pegam o embalo comigo, aceitam ser pintados de fantasma e caveira e vão para baixo do bloco no maior entusiasmo espectral.

Fazer turismo em cemitério: tem gente que passa longe. Eu passo dentro. Há muita beleza estética guardada em alguns mausoléus. Esculturas de anjos, crianças dormindo, santos... Gatos (os seres enigmáticos por excelência) deslizam pelas lápides dando um toque sinistro ao passeio. Mas, mesmo assim, não sou de ir em cemitério só por ir, tipo no dia dos finados. Não vejo razão para render homenagens ao meu pai e à minha mãe em dias específicos e bem ali. Faço isso todos os dias rememorando seus ensinamentos e suas alegrias.

Entretanto não me furto de conhecer a cidade-dos-pés-juntos nos lugares que visito. Gosto de ler os nomes gravados no granito. Imaginar a vida que cada um desfrutou. O passatempo aparentemente mórbido não é privilégio só meu, ainda bem. Outro dia, a massagista me contou que passou umas quatro horas no sepulcrário de Brasília. A proposta inicial era tão somente depositar flores no túmulo da mãe da amiga.

Todavia, vagou por entre as alamedas a ler as mensagens saudosas deixadas pelos familiares, as citações bíblicas, os poemas. Confessou que também aprecia divagar sobre os motivos de aquela ali ter morrido tão jovem, ou se aquele ali foi muito amado...”Deve ter sido, olha o tanto de vasos de flores!”. Em sua excursão intimista, se deparou com um defunto de sobrenome Pessegueiro. Havia um pé de pêssego plantado ao lado da sepultura. Um toque lírico que dá fruta todos os anos. Acredito que, de onde ele estiver, vai sentir o aroma suave desse gesto.

Falando em campo-santo, vocês se lembram do estilista Ronaldo Ésper, preso em flagrante ao tentar furtar dois vasos – bastante simpáticos, é verdade – do cemitério do Araçá em São Paulo? Sem sucesso, sonhou ser eleito deputado federal nessas eleições. Recebeu pouco mais de três mil votos. Provavelmente os eleitores não perdoaram a violação da sepultura que ele alegou ser da tia, mas não encontrou comprovação.

Comprovar, aliás, está no cerne do que a gente não quer quando está passando à meia-noite nas cercanias de uma necrópole. Quem é que tem coragem de ver fogo-fátuo, zumbi e mula sem cabeça de verdade? Esconjuro, tô fora! E assim, saímos correndo do portão do descanso-das-almas de Fernando de Noronha, meu marido e eu, quando nos demos conta de que era sexta-feira, lua cheia...

Nem físico quântico é páreo para o que pode estar, de fato, do lado de lá.


Comentários

  1. Também adoro passear no cemitério... mas tem que ser daqueles antigões, cinzentos, cheirando à fumaça de velas...rs...deve ser coisa de família. Minha mãe, quando era criança, juro, levava seus cadernos e livros para estudar dentro do cemitério, sentava em cima da sepultura e ficava lá, não descansando em paz, (se não eu não estaria aqui agora escrevendo isso), mas, simplesmente, estudando em paz...rs

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  2. Querida Luciana, adorei este texto pois me fez relembrar os tempos em Londres e em particular um cemitério belíssimo e antigo que fica em Hampstead e aonde eu passava todos os dias rumo ao trabalho. E fico feliz em saber que nem mesmo físico quântico é imune aos mistérios guardados nos descanso-das-almas...
    Abraço, Renata (da Suiça)

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  3. Eu sabia que não era maluca sozinha...:) Amei essas histórias finadas que nunca têm fim.

    Oi Renata, que bom que me visitou aqui no blog!! Recomende para os amigos suíços que entendam Português!:)

    Patty, sua mãe é mesmo uma pessoa diferente! Que ideia é essa? Das minhas!:)

    Beijão,

    Lulupisces

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