Mãecolia









Um dia teremos saudades das cenas que hoje nos irritam. Levar lancheira que o filho esqueceu à escola umas três vezes por mês; apelar diariamente para o grito: saia do banho! Guarde seu material! Coloque a cueca pra lavar! 

Um dia encontraremos uma velha no elevador e você, atrasada e cansada arrastando o pirralho andar abaixo, se dará conta: “ah, como era bom o tempo que eu tinha alguém para levar para a escola”. Sim, testemunho espontâneo comprova: sente-se saudades dessas insanidades. 

Mas mãe é pura insensatez. É não suportar ver o filho falhar na posição ingratíssima e solitária de goleiro. Instala-se o medo das defesas custarem ao garoto um cotovelo, dedos quebrados. “Como vai tocar clarineta se ficar com um problema de funcionalidade como o meu”? A mãe sai de fininho e passeia pelas redondezas durante o jogo para não enfartar de “e se...” 

Terminamos um livro que estamos gostando e dá aquela melancolia. Imagina então terminar um projeto de longo prazo como um filho. Dura muito e é sacal, mas já se avizinha no horizonte uma dorzinha no peito. O pai pergunta: “a namorada também vai para essa viagem de formatura”? A mãe reage imediata e furiosamente (sem disfarces): “Que namorada????” 

Ainda bem que era zoeira do pai, o menino ainda não pensa nisso nesta semana. Mas cogitará na possibilidade até o fim do ano. Aí não vai mais querer que a gente o coloque para dormir. Assim como ficou bravo porque a mãe deu uma incerta na festa do amigo que rolava debaixo do bloco. A reação foi de incredulidade, porém se esforçou e se despediu da “sem-noção” com um beijo no rosto. A mãe se deu por satisfeita porque mãe fica feliz por bestas atitudes filiais. 

Os filhos já têm celulares, zap-zap e contas no Instagram, mas hábitos arraigados são difíceis de abandonar: a mãe ainda os chama de “filhinhos-panqueca”. Eles não respondem mais “tchau, mamãe-panqueca” e fica um vazio esquisito na onda sonora. Releva. Ao menos ainda gostam de assistir filmes na sua companhia. Ainda lhe mostram as notas das provas com olhinhos brilhantes. Ainda aceitam que você dê pitaco na roupa que vão vestir (talvez mais por preguiça do que por concordância). Só não invente de arrumar os cabelos em desalinho daqueles que já estão mais altos do que você, por favor! 

Um dia teremos saudades de insistir para que doem seus brinquedos e pelúcias às crianças mais pobres. Entretanto, já guarda consigo dezenas de desenhos, pinturas e fofuras que pretende transformar em quadros/relicários num futuro com mais paredes. Provavelmente as mesmas que deixarão de ser do quarto dos filhos para se tornar do quarto das lembranças. 


Comentários

  1. Lu, super mãe! Momento de muitas mudanças, né? Esse "negócio" de ser mãe nao deve ser nada fácil não! Ainda bem que vc tem uma boa percepção da realidade para curtir tudo que pode em seu tempo! ;) Beijoooo

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  2. Lindo, Lu! Mas filho é uma obra inacabada, sempre requer muito dos pais por uma vida toda. Você vai entender no dia que tiver netos, as alegrias dessas lembranças!
    bjcas,

    Renata Assumpção

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  3. Prima, fui mãe em todas etapas da minha vida: aos 16, 29 e 42...

    Simone

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  4. Tbm concordo q sentiremos saudades desses estresses diário combos filhotes. Loucura isso, né?

    Djelaine

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  5. Lindeza de texto, LU!

    Juliana Cruz

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  6. Vc Tb? Mãe de goleiro?
    Eu não assisto mais aos jogos
    Sério... fico com falta de ar
    Muito pior do que mandar colocar a roupa no cesto de roupa suja! KKK!

    Noemia

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  7. Demais! Já com suspeitas de namorada? Dói o coração mesmo!

    Maria Heloísa

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  8. Eu li uma vez:
    "Brinque com seus filhos, enquanto eles ainda querem brincar com você".
    Achei perfeito!
    Cada fase é importante, e precisa ser vivida intensamente!
    Beijos,

    Rodrigo Holanda

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  9. Luciana, gostei muuuito!

    Karla

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  10. Já estou numa outra etapa ... vendo os netos crescerem a olhos nus!! Rápido demais!!

    Ambrosina

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  11. Às vezes sinto saudades, mas é muito bom saber que eles hoje andam com suas próprias perna e vivem a vida deles.

    Leila Brandão

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  12. Já estou com saudades ...

    Lara Silva

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  13. Lu, texto maravilhoso! Fui capaz de me ver na mesma situação. Parabéns!

    Beijos,

    Renata Raquel

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  14. Bate sim uma saudadinhas desses tempos...mas feliz por vê-los cada um com sua nova família... tô agora num momento de curtir os netos...só curtir😉

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  15. Texto inspirador. Lembranças não podem ocupar muito espaço, atrapalha o dia a dia. Mas falou e disse. É essa saudade que nos educa, comecei a ficar educada convivendo com meus filhos.

    Paula Mello

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  16. Super Legal! Então, curte bastante. Aproveite

    David

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