Mais cigarras, menos formigas!




Em Brasília, oito horas. O céu está azul estalante. Sento-me na mira do raio de sol que atravessa o vidro. Silêncio, raridade em lugares públicos brasileiros. Uma xícara de achocolatado fervendo com um pingo de café. Admiro. Absorvo. Absorta... Há livros espalhados pelas mesas. Um convite: conheça-me. 

Na minha, “Contos Escolhidos de Machados de Assis”. Faço pouco caso porque o dia está radiante, extrovertido e as árvores sem folhas soltam apelos sussurrantes. Mas quem resiste ao objeto livro ali tão próximo, também pedindo colo... 

Abro. Leio mais uma vez sobre a vida de Joaquim Maria. Entendo mais uma vez sobre o Realismo na literatura brasileira. Penso no realismo das minhas confissões virtuais e no realismo de ser acordada pelo filho atrasada, ainda imersa no sonho. No capitalismo selvagem que nos faz entrar nessa engrenagem “Tempos Modernos” trituradora de pausas. 

Suspiro e tomo um gole. A fórceps, consegui essa quebra. Imperativo aproveitá-la. Que atitude simpática distribuir livros aos comensais. Vou folheando sem me deter. O editor de texto Word não quer aceitar o meu estilo e grifa o “a fórceps”. Duvido de mim, saio em pesquisa para saber se já não sei escrever e descubro que Martha Medeiros tem uma crônica batizada como “A Fórceps”. Ela, sempre ela, me plagiando. 

Engraçado que a crônica da gaúcha fala exatamente da falta de tempo da gente para essas pequenas delicadezas hedonistas imprescindíveis ao frescor da alma humana. Esclareço que fui eu quem escrevi a frase anterior, não a Martha, tá? 

Outro dia, uma amiga perguntou se eu tinha tirado determinado parágrafo do texto que ela gostou da minha cabeça ou se era de autoria alheia. Achei tão divertido... Ué, se fosse de outra pessoa eu teria colocado  as devidas aspas. Ainda não plagio, mas estou pensando seriamente. Se a Martha se deu bem comigo, por que eu não posso me dar bem com algum escrevinhador obscuro, porém brilhante? (percebam a sutileza do meu autoelogio). 

Devolvo o livrinho de bolso para o seu merecido lugar de destaque sobre a mesa. As papilas gustativas se enchem do ácido abacaxi. Cítrica delícia. Não quero abandonar esse posto de privilegiada vista. As manhãs de outono são plácidas e ainda guardam a umidade da madrugada.

É difícil voltar para o moedor de cana, canelas e ossos chamado sociedade. De repente, recordo do que li sobre o filósofo polonês chamado Zygmunt Bauman. Que nome, não? Ele propõe três caminhos para diminuir a pobreza no mundo: 

1- conscientizar as pessoas de que crescimento econômico tem limites; 

2- mudar a lógica social dos governos, para que os cidadãos enriqueçam suas vidas por outros meios que não apenas bens materiais; e 

3- convencer os capitalistas a distribuir lucros não apenas segundo critérios financeiros, mas em função de benefícios sociais e ambientais. 

Salve, oráculo ZB! Da minha parte, estou nessa faz milênios. Entretanto, sou retirada a fórceps do útero quentinho da contemplação, para ser cuspida no realismo das sete horas do engolidor de gente ponto biométrico.

Tema do post de hoje:


Comentários

  1. Na verdade precisamos de pouco pra viver bem. Tento entender a lógica do menos é mais. Adaptá-lá ao nosso dia a dia é um bom exercício. :)

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  2. Eu adorei o texto, Lu! Tinha escrito um monte de coisa que postei, mas sumiu. Então, fica a intenção!

    Cynthia.

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