As desvantagens da sabedoria



Cavalgar é ser livre. Mas por que diabos escolheram um verbo tão feio para uma das ações mais deliciosas da Natureza? Meus filhos vivem me perguntando o porquê dos nomes, das palavras. Querem encontrar significado para tudo. E agora parece que está na moda fazer livrinhos espirituosos com novas definições para conceitos há muito conhecidos. Podia tentar criar o meu e ver se, enfim, desencantava desta prisão no mundo antes da fama. 

Mãe: espécie que espera que seu filho seja sempre maravilhoso, nunca, “problemático”. 

E vocês me perguntam: por que essa obsessão com a fama? Nem tanto com a fama, mas com a autonomia financeira para viver da escrita que ela me daria. Seria um prazer ser paga para escrever colunas diárias, semanais, crônicas e até romances, se eu soubesse como criá-los. 

O horóscopo de Quiroga para os peixinhos diz hoje: 

As coisas vão, as coisas vêm, as coisas vão e vêm, é esse vaivém de tudo que você precisa assimilar da melhor forma possível e, no entanto, buscar uma alternativa para isso também, pois a vida não é vaivém apenas. 

Aceito sugestões, pois estou sempre na invenção e nada parece sair do lugar. Tudo porque eu adorava brincar naquele brinquedo do parque atrás do meu bloco chamado vaivém. Só pode ter sido um presságio. 

Enquanto meu filho iniciava seu convívio com os cavalos, aproveitava para passear entre as baias do haras do bicampeão mundial de fórmula 1, Nelson Piquet. Sempre tive atração pelos equinos. Os únicos animais pelos quais eu realmente nutro afeto. Junto com os tigres, eles são a mais perfeita criação de Deus ou de alguém que teve realmente muito senso estético e estilístico. 

Numa dessas contemplações vespertinas, encontrei um exemplar que se encaixava de forma exata na definição acima. Era um garanhão divino. Emanava uma luz de lua cheia do fundo da cela. Altivo, gigantesco, imponente. O cavalo branco de Napoleão. O companheiro de São Jorge. Paralisei na portinhola do recinto, seduzida por aquela obra prima natural. 

Comecei a emitir os sons de chamar cavalos: ei, você, venha cá. Apesar de toda aquela majestade, ele veio. Não fez cu doce, não se deu por rogado e nem estava revoltado de ser reduzido ao espaço escuro, feio e fedido da fileira de baias. Ele era mais um na coleção, sem se dar conta de que era o bem mais precioso. 

Quase tive medo de tocá-lo e perder o encanto, entendem? Sua caraça era quase todo o meu corpo. Ele podia atravessar aquele portão de madeira com facilidade e me pisotear. Encostei a mão em sua fronte lisa. Sua respiração audível... Conversamos um pouco. Papo de mamíferos com alguma intimidade. 

Depois, me despedi. Fui saindo, mas o cavalo lua cheia não se conformou. Com a sutil elegância dos cavalos, começou a bater com os cacos na madeira da porta. Como assim, já vai embora? Atiça-me para me deixar aqui? Volte imediatamente! Ainda preciso de alguns minutos de devoção! No fundo, ele também era um carente. A pose de nem te ligo derretera à primeira troca de olhares. Como eu, ao primeiro comentário de algum leitor. Vaidades, vaidades... 

Gostaria de voltar a cavalgar como o meu filho, orgulhoso e sorridente, repleto do tipo de confiança que ofusca o sol. Na idade dele e sem aulas, montava, caía e tornava a desafiar a empolgante relação homem-cavalo. Ser ignorante dos perigos do viver é tão libertador quanto correr a galope pelo pasto. 

Quem mandou almejar a sabedoria...


Comentários

  1. Só agora leio seu texto, com calma, como ele merece ser lido. Porque leio, não passo os olhos.
    Lembro que assim que foi prá Católica, contou que na primeira aula a professora perguntou: Um animal? E você: cavalo! Estava orgulhosa de sua primeira participação no ensino médio...rs
    Cavalos são lindos e imponentes mesmo. Tenho pena dos cavalos, em pé o dia todo, sem reclamar! rs. Morro de dó dos maus tratos que sofrem, não posso nem olhar.
    E falar em sofrer, como sofro quando a Bruna cavalga. Morro de medo dela cair! Como supera isso?
    Bjs
    Patty

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    Respostas
    1. Patty amada,

      lhe deixei tanto tempo sem resposta... Não sei como superar isso. Em relação aos meninos, não tenho medo. Mas em relação a mim, dá muita aflição. Nunca mais subirei num cavalo livre, leve e solta porque o tombo de bicicleta aos 38 anos (deixando meu braço direito para sempre imperfeito) me fez ver que são demais os perigos dessa vida...

      Mas eu subo. Subo e, aos poucos, vou tentando não pensar no assunto. A gente precisa vencer o medo todos os dias. O mesmo faço no avião. É penoso, é torturante, mas eu não posso deixar que a fobia me vença.

      Beijão,

      Lulupisces.

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