Confissões da Adolescente




Enfim conferi “Somos Tão Jovens” ontem. Não digo que foi uma decepção porque eu já imaginava, pelo trailler e pelos comentários de alguns amigos, que não era um filmaço. Não sei se foi proposital, mas me pareceu que o diretor optou por mostrar um grande making of. Algo amador, como se fosse um vídeo de formatura dos colegas de Comunicação. A direção de atores é fraca e o roteiro cheio de buracos deixa quem não conhece Renato Russo e a história do rock de Brasília, a fundo, no ar. “Somos Tão Jovens” é mesmo imaturo, verde. Ficou o gostinho de podia ter sido uma obra-prima... 

Mas os acordes iniciais de “Tempo Perdido” na abertura do filme emocionam. Esmagam o coração com pilão de ferro. E a relação de Renato e Aninha me trouxe de volta a um tempo que não foi perdido, como na canção. Eu tive um relacionamento daqueles, igualzinho. E o nome do meu eterno amor adolescente é Claudio Scafuto Filho. 

Não tinha ideia de que Renato tivesse tido sua alma gêmea juvenil nos moldes da minha. Cacau e eu éramos exatamente aqueles dois. Vivia na casa dele, aliás, no apartamento dele, na 108 sul. Quadra modelo, cara da capital federal. Cacau apresentou para a menina ávida de conhecimento um mundo de novidades que não chegariam, de outro modo, aos olhos da garota de família classe média baixa: discos, revistas, viagens... Único ponto divergente entre Aninha e Lulu, pois ela era abastada e antenada com as tendências mundiais. 

No quarto de Cacau, a gente experimentava nossa rebeldia, nossa sexualidade, sonhos e segredos. Era apaixonada por ele e ele por mim, na medida em que um garoto gay podia ser apaixonado por uma menina hétero. Vivíamos o tédio com o T bem grande da nova e provinciana capital. Então, escapávamos nas National Geographics que o filho do diretor da Caixa Econômica Federal colecionava. 

Nas quatro paredes de Cacau, curti Supertramp pela primeira vez. E Geraldo Azevedo, Luiz Melodia e talvez Lô Borges, como Renato e Aninha. Deambulávamos pelas redondezas da profecia de Dom Bosco: 308 sul, Igrejinha, Eixinho... Passei muitas noites da adolescência dormindo na casa da tia Socorro, que me pareceu igualzinha à mãe de Renato: complacente, suave e louca para que o filho arrumasse uma namorada bacana, no caso, eu. 

Cacau relutava em entender sua homossexualidade. E eu também. Ninguém falava abertamente desses assuntos na década de 80. E seu alguém fizesse troça dele, ficava furiosa. Defendia-o com unhas e dentes de qualquer vilania alheia. Choramos nossa paixão impossível. Vibramos nosso amadurecimento em meio ao intenso convívio. Era capaz de voltar para casa depois de 24 horas juntos e ainda falar com Cacau ao telefone por duas horas! 

Minha mãe ficava desesperada! Desliga!! Vocês não se cansam um do outro não? Não!! Cacau mongo, grandissíssimo pirralhinho, me ligava de dentro do chuveiro. Era um menino mimado, cercado pela boa vida do alto funcionalismo público. Adolescente um tanto esnobe, introspectivo e muito inteligente. Seus pais eram separados (uma bizarrice naqueles idos) e compartilhava a morada com a mãe e a irmã mais velha, Cléa, que tinha alegria em me aporrinhar. Com ciúmes, ao certo. 

Eu ia vê-lo nadar na extinta academia Júlio Adnet. Depois, voltávamos para o apê onde o anfitrião me oferecia Caetano e sua “Dans Mon Île”, acompanhando a linda interpretação em perfeito francês. Cacau sempre foi fantástico para aprender línguas e, junto,s entramos para as aulas de Espanhol. 

Não ganhei uma música imortal inspirada em mim, como Aninha, porém muitos postais, perfume de Paris, chocolates e poesias desvairadas. E o melhor: todas essas memórias jovens, refrescantes, iluminadas e inesquecíveis. 

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Comentários

  1. Amei, querida Luzinha, claro que entendi pois acompanhei muito dessa relação bonita! Era um conflito só, né, uma angústia do amor que não podia desabrochar em toda a sua plenitude! E como eu adorava o Cacau! Como gostava de nossas tardes divertidas e cheias de risadas com o que ficou marcado prá mim: Nós assistindo ao tio Sílvio na tv e tomando suco de produtos químicos!

    Bjs
    Patty

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  2. Amei, querida Luzinha!

    Claro que entendi, pois acompanhei muito dessa relação bonita! Era um conflito só, né? Uma angústia do amor que não podia desabrochar em toda a sua plenitude!
    E como eu adorava o Cacau! Como gostava de nossas tardes divertidas e cheias de risadas com o que ficou marcado pra mim: Nós assistindo ao tio Sílvio na TV e tomando suco de produtos químicos!

    Beijos,

    Patty.

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  3. É, os sucos de produtos químicos!! KKK!! Eu ia colocar isso no texto e acabei me esquecendo... Tardes memoráveis! Adolescência memóravel!! Espero que o Cacau, Claudio Scafuto, leia isso onde quer que ele esteja no momento. Acho que ainda em Floripa.

    Beijão!

    Lulupisces.

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  4. Oi Lu, vi também o filme, e gostei muito pois trouxe lembranças ótimas do tempo de "somos tão joooovensss..."um flashback muito legal.Realmente não é um filmão, mas mexeu.E que bacana a sua estorinha, Cacau e Lulu...
    bj.Namastê!
    Cynthia

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  5. Oi Luluzinha querida,

    Fizeste bem em insistir.Realmente ainda não tinha lido. Tenho levado a vida num ritmo bem mais tranquilo que o do mundo virtual. Facebook, uma espiadinha a cada quinzena e confesso que não respeito muito as cronologias dos blogs de amigos queridos. Vou pegando aqui e ali...

    Mas ter um pedacinho de si tão lindamente apresentado para a rede global é outro patamar de sensações. Fiquei muito emocionado! Que experiências lindas que ajudaram a moldar nossas identidades!

    Claro que os paralelos fazem sentido: Brasília, adolescência, experiências, descobertas, música,sexualidade. Mas também é certo que é apenas um paralelo e a tua percepção daquele enredo. Me comparar com aquele mala do Renato Russo? kkkkkkk. Aí não dá né? rsrsrs.

    E nós fomos muito mais que estes dois aí (olha o leãozinho falando,rsrsrs). Sem contar que em se tratando de música e poesia, nos saímos bem melhor também, hehehehe. Nunca curti muito a música deles, lembra? Como não curto rock de uma maneira geral.

    E quanto a nossos conflitos, como aos meus meus mesmo, foram e vão muito além dá questão dá homossexualidade. Esta, de fato, se torna até coadjuvante diante da intensidade de sentimentos que vivenciávamos naquela época. E posso até dizer que estava até bastante bem resolvido sobre esta questão, guardadas às devidas condições, como bem salientaste.

    O que importa mesmo é que nossa história foi linda, de literatura mesmo(melhor que cinema?) e tu fizeste justiça a ela com tuas palavras sempre tão vivas, tão humanas, orgânicas que quase sentimos seus afagos, toques, sussuros. Apesar de sempre sentir falta das tuas poesias, cadê elas?

    Meu eterno amor adolescente, guess what? Estou em Brasília para o aniversário de 90 anos da minha vó. Cheguei ontem e fico até o dia 10. Gostaria muito de te encontrar e dar um abraço bem gostoso e colocar a vida em dia.

    Um beijozão grande,

    Cacauzinho mongo.

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