África do meu coração


Ao Vítor, representante do maravilhamento  nessa nova geração.



Acompanhando a belíssima série "Africa", que esteve de passagem no Discovery Channel, bateu uma super saudade de "O Mundo Animal". Com esse programa, transmitido pela Globo por muitos anos, aprendi a amar os grandes mamíferos e a sonhar com o safári que, um dia, ainda espero concretizar. 

Não perdia um episódio. De segunda a sexta, visitava as savanas antes de ir para o colégio Notre Dame. Era um mundo tão distante, tão exótico e inatingível, que só me restava cair de amores por ele. Fisgada pela tela da TV Sharp, de qualidade hoje considerada patética, embarcava na voz dublada do narrador. O teto podia desabar, mas não abandonava meus leões e elefantes. 

Na década de 70, o Brasil vivia na periferia do planeta. Um país confundido com as demais nações pobres do hemisfério sul. Brasília, então, era o fim da estrada onde o vento faz a curva. Dead End. Capital incompreendida e desprezada pelo restante da população verde e amarela. Grota. Candango era sinônimo de calango caipira. Uma criança sem recursos financeiros expressivos não tinha muitas possibilidades de se ver frente a frente com outras ideias e imagens. 

Por isso, fazia dos dicionários, da enciclopédia Delta Larousse e, é claro, do “O Mundo Animal”, a minha internet. Ferramentas que me traziam uma nesga da aldeia global da qual nem imaginava a metade. Adorava ficar lendo os nomes dos países grafados debaixo dos desenhos das bandeiras nacionais. Idealizava o futuro passeio na cratera do Ngorongoro, revivendo a arca de Noé. 

Não saberia dizer qual episódio era mais embasbacante do que o outro... O Saara sempre deslumbra, né? Eu gostava e ainda gosto de quase qualquer documentário sobre a África. Meus genes batem no peito e dizem: eu reconheço esse continente como parte da minha essência. É uma pena que meus filhos não façam o mesmo. E a maioria das crianças, idem. 

Ontem, tive uma prova de que nem sempre o amplo acesso à informação traz conhecimento e deslumbramento na mesma medida. Meus garotos e uma amiguinha da quadra brincavam de, segundo eles, "Deserto no Texas". Fiquei orgulhosa pela inventividade, pois eu também me amarrava em criar nomes malucos para brincadeiras originais que oferecia a quem topava viajar comigo na grama da 715 sul. 

Só que nesse deserto do Texas, havia camelos, dromedários, diabos da Tasmânia e outros bichanos deslocados de seu habitat natural pelo bel prazer da ignorância de geografia e animalia dos participantes. Fiquei pasma! Se eles tivessem sido introduzidos aos cenários africanos desde a tenra idade não cometeriam heresia dessas! Que falta fez “O Mundo Animal” na bagagem dessa meninada! 

A cegonha bico-de-sapato é apavorante! E a lei da selva também. Chorei vendo o filhote ser maltratado e abandonado à própria sorte... Coisa de mãe, OK. Confesso que presenciar o nu e cru natural após a maternidade tornou-se ainda mais comovente e, também, dilacerante. Insetos me dão gastura profunda! Quase não consegui assistir ao momento que os gafanhotos gigantes atacam o ninho, matando filhotes indefesos. 

A série África trouxe momentos nunca dantes captados da diversidade daquele lugar encantado. Domingo: os meninos dormem e eu curto. Aprendi que hoje existem grupos da etnia Massai que preferem proteger os leões e receber seus nomes, do que matar os felinos e lhes dar o nome do guerreiro, como sempre fizeram ao longo da trajetória desse povo nômade. E até o episódio dedicado ao making of da produção, mostrando como os cinegrafistas conseguiram tantas imagens fascinantes, foi fascinante. 

Mas o que me preparou para essa sensibilidade ao desconhecido? Para essa curiosidade mamífera? Provavelmente “O Mundo Animal”. Ou a escassez de alternativas de entretenimento. Ou, quem sabe - como disse meu primo-irmão, tenhamos nascido com esse maravilhamento. 

Tenho minhas dúvidas. Creio que a abundância de tudo tornou, repito, essa nova leva de crianças completamente ávida por tudo que não dure muito tempo. O excesso de opções, esse buraco negro angustiante, tende a deixar a gurizada insensível para o ineditismo, a surpresa, a delicadeza e a raridade das coisas. 

Meninas e meninos perdem. Nós também. E o planeta.


Recordar é Viver:





Comentários

  1. Também era assídua. Lembro de ficar sentada numa cadeirinha em frente à tv..rs

    Patty.

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  2. Lú,

    como sempre, muito bom o seu texto. Em cada crônica sua me coloco no seu mundo, como faço com tudo o que leio...
    Vejo algumas semelhanças entre nós. Também fui amante de enciclopédias, dicionários. Viajei muito dentro dos livros e
    fora deles. Tenho uma personalidade e característica de viver no mundo da lua... Esse conhecimento me abriu muitas
    portas, mas me fechou muitas também.
    Quando fiquei sabendo que estava grávida, isso nunca foi um sonho na minha vida. Nessa época, era uma jovem medrosa, morria de medo de hospitais... Entrei em diversas livrarias, lugar que busco toda vez que não domino alguma coisa, e saí com
    uma montanha de livros sobre o assunto e sobre educação.
    Meus pais viram minha movimentação e como sempre me observaram... Tive o privilégio de ter pais maravilhosos e muito presentes em minha vida. Dois grandes amigos que tive.
    Romeu não conhecia esse meu lado e levou um susto... Em pouco tempo, li tudo e parecia uma enciclopédia ambulante! Rrsrs
    Como sempre, papai e mamãe me chamaram para uma conversa daquelas. Me falaram: "olha, minha filha, filhos não vêm com manual de instrução, bula sei lá o quê mais...
    Mas o mais importante é a sensibilidade na forma de criá-los. A capacidade de se colocar no lugar deles. Tudo o que você leu foi muito válido, mas esqueça! Sua filha irá nascer em um mundo novo e esteja alerta às mudanças deles e não fique você achando que na sua época era melhor que não é. A nossa foi melhor que a dos nossos pais e sua é melhor que a nossa. Então, esteja atenta a passar o maior conhecimento que puder, mas sem esperar nada em troca. Conhecimento se constrói todos os dias, com experiências. Fique tranquila que você não criará nenhum alienado, mas o mais importante é estar sempre por perto".
    Olhei para os dois e como sempre fiz na minha vida escutei, guardei e comecei a observá-los ainda mais. Nunca tive dificuldade de conversar com a dupla e percebi que esses anos todos eles evoluíram, muitas vezes, mais rápido do que eu com a evolução do mundo. Papai parava sempre tudo o que estava fazendo para rir das loucuras da Nana. Ela sente uma falta enorme do avô que sempre esteve tão presente na juventude louca dela. Sempre fui muito presente na vida dela, somos muito próximas. Aprendi com a dupla da minha vida a deixar a vida me levar...
    Seus filhos são maravilhosos, com uma carga grande de conhecimento. Eles serão seres incríveis, você vai ver! Muito mais do que você e Bernardo. Mariana é muito melhor que eu em tudo, tenho orgulho disso.
    Obrigada por me levar de volta ao meu mundo doce de ontem.

    Bjs,

    Renata

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  3. "É PROIBIDA A ENTRADA A QUEM NÃO ANDAR ESPANTADO DE EXISTIR". José Gomes Ferreira, autor português.

    Isso me lembrou o seu texto, Loo!

    Beijos,

    Marisa.

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